quarta-feira, 3 de dezembro de 2003

A maconha na política e no PIB

A verdadeira dependência relacionada à erva é econômica e ideológica.
Walter Fanganiello Maierovitch
Recentemente, uma rede de televisão reuniu os nove pré-candidatos democratas à Presidência dos Estados Unidos. Três deles, John Edwards, John Kerry e Howard Dean (ex-governador de Vermont e apontado como provável vencedor das prévias), admitiram já ter fumado maconha, sem dar alterações, vexames ou escândalos públicos.
O mais veemente dos pré-candidatos na defesa de mudanças foi Dennis Kucinic. Ele ressaltou que o aparato antiproibicionista custa ao contribuinte, anualmente, US$ 10 bilhões.
Os pré-candidatos democratas lembraram algumas pesquisas. Por exemplo, nos hospitais dos EUA só está disponível um leito para cada dez usuários desejosos em se desintoxicar. Em Nova York, 94% dos presos acusados de porte de droga pertencem às minorias. Para a Human Rights Watch, a proporção de negros presos em flagrante por posse de drogas é cinco vezes maior que a de brancos.
Para rematar esse quadro, a polícia federal norte-americana (FBI) apresentou o relatório de fechamento de 2003. Detectou um aumento de 14,1% na prisão de mulheres. Cerca de 40% delas estavam encarceradas por delitos relativos às drogas, incluída a posse de maconha para uso próprio.
As discussões sobre a maconha continuam a freqüentar as pautas em 2004, não apenas nos EUA. Os debates sobre a erva canábica ficaram mais acesos a partir dos anos 60, quando chegaram à Organização das Nações Unidas e geraram a Convenção Única de Nova York, em 1961.
O certo é que liberalizantes, moderados e proibicionistas se digladiam até hoje. O termo “proibicionismo” nasceu com a chamada Lei Seca norte-americana (1921 a 1933), produtora de chefões do porte do apelidado Lucky Luciano – nascido Salvatore Lucania –, colocado no elenco dos mais “endinheirados” do século XX pela semanal Time.
Nos últimos anos, prevaleceu o proibicionismo mitigado da maconha, como sucede com o tabaco, que só pode ser fumado em áreas determinadas. Na Holanda, o Café Sarasani, na cidade de Utrecht, pioneiro na venda legal de maconha para consumo interno, completou 35 anos em 28 de novembro de 2003. Em toda a Holanda, existem mais de 800 cafés autorizados a vender aos clientes até meio quilo de Cannabis por dia, para consumo no estabelecimento vendedor.
Ao contrário do cigarro de tabaco, fumar maconha pelas ruas não é admitido em nenhum país do mundo. Em alguns lugares, como no Brasil, o porte da maconha para consumo próprio continua sendo considerado crime. Em outros, a exemplo de Portugal, não mais ocorre criminalização, mas proibição na forma de infração administrativa, como jogar lixo na calçada ou dirigir sem habilitação.
A verdadeira dependência provocada pela maconha tem sido a econômica. Ela sustenta PIB de países, bolsos e caixas variados, como, por exemplo, das empresas que vendem papel de seda para enrolar cigarros em bancas de jornal e revistas.
O Marrocos, seguindo no exemplo, começou o ano de 2004 ostentando o título de maior produtor mundial de marijuana (maconha) e da sua resina, denominada haxixe. No mercado internacional, o seu haxixe é chamado de “chocolate marroquino”: vendido em tabletes, com o conteúdo na cor marrom-chocolate, a lembrar a nossa rapadura nordestina.
O plantio e o cultivo da Cannabis são feitos no norte do Marrocos, nas zonas de Rif e Yebala. Cobrem uma área de, aproximadamente, 200 mil hectares e rendem US$ 10 bilhões por ano.
Cerca de 1,5 milhão de marroquinos estão envolvidos na produção e na venda, num país de quase 29 milhões de habitantes, conforme senso de 2001. Em 2003, o Marrocos colocou 3 mil toneladas de maconha e haxixe na Europa, via Espanha.
A produção marroquina de maconha não chega ao Brasil, que recebe a maior quantidade da droga do Paraguai, sendo esta portadora de princípio ativo (tetraidrocanabinol, ou THC) mais potente do que a produzida em Pernambuco, Bahia e Maranhão.
Nos EUA, existem os microplantios ilegais da Flórida, com técnicas de abertura de covas e irrigação muito semelhantes à empregada no Polígono da Maconha de Pernambuco. A Colômbia, o México e o Caribe são os grandes fornecedores de marijuana e haxixe – em pasta ou óleo – aos norte-americanos.
Para se ter idéia do crescente consumo no mundo ocidental, o ano de 2004 começou contabilizando mais de 30 milhões de fumantes rotineiros da erva canábica. Fora os do “fumacê” habitual, são contados mais de 100 milhões de pessoas, que já consumiram maconha e os seus derivados ao menos uma vez na vida.
Para a alegria dos pais e das mães preocupados com vestígios deixados pelos filhos, nunca houve no planeta, até o momento, morte por overdose de maconha ou de haxixe. Evidentemente, o contrário sucede com a cocaína, a heroína e as drogas sintéticas, causadoras de overdoses fatais.
A dose mortal de maconha foi estimada em 4 quilos, segundo dados de laboratórios científicos, depois de experiências feitas com ratos. Ninguém no mundo reúne condições de manter um consumo ininterrupto de 4 quilos.
Além disso, o denominado efeito-eficaz é conseguido com 1/10 de grama. Por outro lado, o aumento na potência da erva – THC – não influencia no risco. Só para recordar, o princípio ativo, ou seja, o tetraidrocanabinol, variou de 4% a 18% nas apreensões policiais realizadas em 2003, na Europa e nos EUA.
Quando o THC fica mais forte (óleo de haxixe, shunk hidropônico e maconha transgênica), o usuário habitual reduz o número de tragadas. Ou coloca menos erva na feitura do cigarro. No consumo lúdico de erva comum, não passa de sete a média de tragadas. Elas reduzem-se a três quando o THC é mais potente.
O presidente George W. Bush tem urticárias quando entra a maconha, ainda que seja num debate limitado ao emprego terapêutico. Apesar disso, oito estados federados admitem o uso medicinal. Em dezembro de 2003, e para entrar em vigor neste fim de janeiro, acabou regulamentada a lei da Califórnia (SB420). Ela legalizou o uso terapêutico da maconha e autorizou a expedição de cédula de identificação aos pacientes. Isso para evitar surpresas policiais nas ruas e nas praças, tipo revistas e prisões em flagrante.
Pela nova lei da Califórnia, uma pessoa sob tratamento poderá cultivar em casa até seis plantas adultas. Ou optar por 12 pequenos arbustos. Não é permitido armazenar mais de 200 gramas da Cannabis. A respeito, o presidente W. Bush quer processar criminalmente os médicos que fornecem receitas, em especial para alcançar as importações de maconha, feitas por meio de cooperativas médicas.
Numa das inúmeras manifestações públicas em favor da liberação da maconha para fins médicos, um portador de HIV, usuário de maconha voltada a estimular o apetite, exibiu um cartaz reproduzindo o Ecclesiastico: “Deus fez crescer nos campos erva com o poder de curar, que o homem deve saber usar”. A propósito, a venda em farmácia já é feita na Holanda, para infusões e para servir de alerta de que fumar pode causar câncer. Em 2004, a Bélgica também disponibilizará a maconha em farmácias.
Ao tempo do presidente Richard Nixon, iniciador da política da War on Drugs (Guerra às Drogas), começou a campanha apoiada na teoria chamada “Droga de Passagem”. Como se descobriu depois, o objetivo era dar nos usuários e inibir o consumo. Pela referida “teoria”, a Cannabis seria a porta de entrada (passagem) para as drogas mais pesadas.
A própria Casa Branca, em 1972, reconheceu a falácia da campanha. Como ainda muitos acreditam nessa história mentirosa da “Droga de Passagem”, especialmente no Brasil, o próprio W. Bush vem sendo usado como exemplo pessoal para desmenti-la. Caso fosse real a “passagem” de uma droga mais branda para outra mais pesada, o presidente W. Bush poderia ter pulado de uma droga de abuso (álcool) para uma droga proibida.
Em 1965, cerca de 100 mil norte-americanos fumavam habitualmente a erva canábica. Em dezembro de 2003, chegou-se a 14 milhões. Quanto aos que já experimentaram e pararam, a estimativa é de 70 milhões. Nessa faixa, por exemplo, pode-se incluir o ex-presidente Bill Clinton. Surpreendido em campanha com a pergunta se havia fumado maconha, Clinton respondeu que fumara, sem tragar.
Sobre o que achava da maconha, foi questionado pela Canadian Television (CTV) o recém-empossado primeiro-ministro, Paul Martin. Na resposta, foi enfático ao defender, para 2004, o projeto de não-criminalização do pequeno porte de maconha: “Reconheço a irritação dos nossos vizinhos estadunidenses sobre esse importante passo do Canadá, mas isso não desviará os programas do nosso governo. Falta apenas acertar a definição do pequeno porte”.
Assim, o novo premier canadense prestigiou a política de Jean Chrétien, seu antecessor. Só para não esquecer, em dezembro de 2003, Chrétien trocou farpas com o governo Bush e reprovou a tentativa de intromissão em assuntos internos do Canadá. Para ironizar, Chrétien frisou que, uma vez sancionada a lei para drogas leves, seria visto a segurar um cigarro de maconha e uma nota de dólar canadense, para pagar a multa.
Como candidato à reeleição, W. Bush vai manter a velha e ineficaz política da War on Drugs, nascida com o republicano Richard Nixon, ampliada por Ronald Reagan e George Bush pai e prestigiada pelo democrata Bill Clinton. Dentre os democratas, apenas Jimmy Carter desprezou a política militarizada.
A batizada War on Drugs trouxe aos norte-americanos o título de campeões mundiais de consumo de drogas ilícitas e a maconha é a mais popular delas.
Divorciando-se da linha norte-americana, a Grã-Bretanha mudou sua lei sobre maconha em 29 de janeiro de 2003. Pela nova lei, a maconha será rebaixada da Classe “B” para a Classe “C”, ou seja, passou a ser considerada droga leve.
Na Classe “B”, estava relacionada junto à cocaína e às anfetaminas, tipo ecstasy. Com o rebaixamento à terceira divisão, estará ao lado dos tranqüilizantes, ansiolíticos, anabolizantes e esteróides, para irritação do conservador David Blunkett, secretário antidrogas do governo Blair e diretor do Home Office.
Interessante o fato de a proposta de reclassificação ter saído da Associação dos Chefes da Polícia Britânica. Segundo a referida associação, os policiais só prendiam os usuários de maconha, sempre pacatos por causa do efeito dessa droga. Enquanto isso, a criminalidade violenta crescia.
Diante da proposta da associação, realizou-se uma experiência piloto em Lambeth. O objetivo era o policial esquecer o portador de maconha para uso próprio. Com isso, o uso de maconha não aumentou e os policiais conseguiram reduzir a incidência de crimes graves, de modo a mudar as estatísticas.
Para esclarecer à população que a maconha continua proibida na Inglaterra, a ministra da Saúde, Caroline Flint, disparou uma campanha que custou ao governo 1 milhão de libras esterlinas, ou seja, 1,450 milhão de euros.
Enquanto a campanha iniciada em 24 de janeiro rola, os policiais, pela nova lei, não ficam obrigados a reprimir os usuários recreativos de maconha. Caso queiram, poderão apreender o “baseado”. Poderão, também, lavrar um auto de multa. Prisão nunca mais.
Na sua edição dominical, o jornal The Guardian recolheu a opinião de Ann Widdecombe, ex-secretária antidrogas e de linha conservadora, e de Danny Kushlich, presidente da Associação Antiproibicionista Britânica Transform. Nenhum deles gostou da nova lei. Para Ann, os traficantes vão carregar pequenas quantidades e terão o álibi do porte para uso lúdico. Já para Danny, a criminalização não foi abolida e os jovens devem ser informados e educados, não tratados como criminosos por causa de um cigarro de maconha.
No Brasil, continua em vigor o modelo norte-americano implantado, por decreto, no final do governo FHC. Parece que o presidente Lula não quer seguir a moderna política portuguesa de transformar o porte de drogas para uso em infração administrativa, não criminal. Pelo jeito, Lula não pretende acender um debate sempre provocador de muita fumaça.

Fonte: CartaCapital nº 269, 3 de dezembro de 2003.

terça-feira, 25 de novembro de 2003

Bar holandês vende maconha há 35 anos

25 de novembro de 2003, Terra - Opinião


Wálter Maierovitch
Colunista do Jornal do Terra.

Há 35 anos o Sarasani Coffee Shop vem, legalmente, vendendo cigarros de maconha à sua freguesia em Utrecht, na Holanda. Foi o primeiro coffee-shop do gênero. Pela lei holandesa, só podia vender - por dia e para consumo no próprio estabelecimento - até meio quilo de Cannabis (maconha), haxixe (pasta oleosa tirada da resina da planta-cânhamo) e skunk (germinação sem uso de terra).

Nesta semana comemorativa, os proprietários estão promovendo festivas noitadas canábicas. A principal atração será o AK47. Aviso: não se trata de um conjunto musical, mas de uma espécie de erva canábica, com grande concentração do princípio ativo, ou seja, tetraidrocanabinol mais forte. Outro aviso: no Sarasani, não se vende maconha transgênica.

Vários convites foram distribuídos para a semana comemorativa. Dentro do envelope, há uma imitação de cigarro de maconha, enrolado em fino papel de seda gomado. Aliás, um papel igual aos vendidos, em caixinhas coloridas, nas bancas de jornal brasileiras: Colomy, Smoking etc. E os pais que entram nas bancas fingem pensar que se trata de papel para consumidores de tabaco picado.

Utrecht tem 1,2 milhão de habitantes e fica no caminho entre Amsterdã e Roterdã. Em toda a Holanda, existem mais de 800 estabelecimentos que vendem maconha. Naquele país, o consumo de maconha é tolerado apenas nos cafés e nos domicílios. O porte para uso é proibido, salvo nos estabelecimentos autorizados e inspecionados. Quanto ao plantio ou importação, só com especial autorização.

O objetivo da política holandesa, ao liberar o consumo em cafés, foi, basicamente, o de afastar o consumidor do traficante, este sempre pronto a oferecer uma droga nova, mais pesada e de maior risco à saúde. Muitas vezes, como vem ocorrendo com o ecstasy e outras metanfetaminas, são ofertadas drágeas feitas em “fundo de quintal”, impuras e com alto risco de overdose pela concentração desequilibrada de moléculas.

Por outro lado e apesar de a maconha ser uma droga que faz mal à saúde, os cafés holandeses acabaram incrementando o turismo. Para se ter idéia, 26 coffee-shops de Amsterdã promovem, anualmente, a Cannabis Cup. Para fazer parte do júri de degustadores que escolherão a melhor, paga-se US$ 225.

Fonte: Terra – Opinião (25 de novembro de 2003)

sexta-feira, 7 de novembro de 2003

Maconha deve ser recomendada a portadores de esclerose múltipla, conclui estudo

7 de novembro de 2003, Globo On-Line

Reuters

LONDRES - O maior estudo já realizado sobre o uso da maconha para alívio dos sintomas da esclerose múltipla produziu resultados que, se não podem ser chamados de excelentes, ao menos são bons o suficiente para fazer com que os cientistas recomendem a autorização do uso da erva no tratamento da doença.

Apesar de não haver prova objetiva de que a maconha tenha aliviado a rigidez muscular causada pela doença, os pacientes relataram melhoras, no alívio da dor e na mobilidade. Também houve menos recaídas em pacientes que usaram a maconha - em cápsulas ou extrato - do que entre os que usaram placebo.

“Há uma gama de pontos positivos e negativos. De modo geral, acho que há provas suficientes para se levar adiante o licenciamento e a regulamentação do tratamento pelas autoridades”, disse o neurologista John Zajicek, que chefiou a pesquisa.

Alguns portadores de esclerose múltipla, doença que afeta um milhão de pessoas em todo o mundo, vinham relatando melhora da dor e na rigidez muscular, mas Zajicek disse que não havia muitos indícios disso na literatura médica.

“Esse é o maior estudo sobre isso já publicado”, disse o cientista.

No início deste ano, a Holanda tornou-se o primeiro país a tornar a maconha disponível para pacientes com câncer, infecção pelo HIV e esclerose múltipla, mediante prescrição médica. Pacientes na Grã-Bretanha, nos EUA e no Canadá pressionam por medidas similares.

O laboratório farmacêutico britânico GW desenvolveu um spray de Cannabis que é administrado sob a língua, especialmente para pessoas com esclerose múltipla. O produto pode ser lançado ainda neste ano.

Zajicek disse que o objetivo da pesquisa de três anos com mais de 600 pacientes na Grã-Bretanha foi determinar se a maconha tinha qualquer valor terapêutico para quem sofre desta doença auto-imune em que as células de defesa do organismo destroem a capa de mielina que recobre e isola os nervos, a medula espinhal e o cérebro.

Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idArea=1&idSubArea=229

quarta-feira, 22 de outubro de 2003

Um exemplo para Lula

22 de outubro de 2003, CartaCapital

O premier do Canadá vem opondo-se às políticas da ONU sobre drogas, por seguirem o modelo norte-americano.

Walter Fanganiello Maierovitch

Mais uma vez, o governo George W. Bush atritou com o premier canadense Jean Chrétien, cujo mandato terminará em fevereiro de 2004. Os moralistas do staff de Bush estão inconformados com os “maus exemplos” provindos do país vizinho.

Algumas recentes iniciativas administrativas e dois projetos legislativos do governo Chrétien irritaram profundamente Bush. E a sua “turma brancaleone” partiu para a tradicional intromissão em casa alheia. A fina ironia do premier e uma fala dura do ministro da Justiça, Martin Cauchon, serviram de respostas.

Chrétien quer aprovar no Parlamento uma lei sobre a união civil de homossexuais. Também objetiva, por meio de nova lei, deixar de criminalizar o porte de drogas leves para uso próprio, mantendo a proibição do consumo como infração administrativa, sujeita a pagamento de multa pecuniária.

Nos dois casos, Chrétien invoca o legado de tolerância e de racionalidade deixado pelo estadista progressista Pierre Elliot Trudeau, morto em 2000. O liberal Trudeau foi primeiro-ministro durante 16 anos (1968 a 1984). Conseguiu manter o país unido, apesar dos separatistas gaulistas de Quebec, e excluiu do Código Penal o crime de “convivência homossexual”. Agora, Chrétien pretende alargar o passo e legalizar as uniões de fato entre pessoas do mesmo sexo.

Diante das diatribes norte-americanas, Jean Chrétien ironizou ao afirmar que, ao ser aprovada a lei descriminalizando o uso de drogas, vai segurar um cigarro de maconha numa mão e levar, na outra, uma cédula de dólar canadense, para pagar a multa administrativa.

A Casa Branca resolveu responder por meio de seu czar antidrogas, John Walters, o encarregado, no governo Bush, de militarizar o combate à oferta de drogas na América Latina e aumentar, nos EUA e países aliados, a duração da pena de prisão dos consumidores de qualquer tipo de droga proibida.

Na sexta-feira 10, quando discursava no Center for Strategic and International Studies, Walters disparou: “Os canadenses devem estar envergonhados pelo que disse o seu líder. Chrétien foi irresponsável ao dar esse tipo de exemplo. O Canadá é um dos lugares do planeta onde as coisas estão sendo conduzidas por maus caminhos. É o país onde a produção de drogas aumenta em vez de diminuir”.

Por sua vez, o ministro da Justiça canadense contra-atacou: “Walters deveria ocupar-se com os fatos que acontecem nos EUA. Lá, mais de dez estados têm leis contemplando penas alternativas à prisão. Então, se os estados norte-americanos não estão no caminho correto, Walters deveria dar conselhos a eles, não ao Canadá”.

Quanto ao aumento da “produção” de drogas no Canadá, Walters se referia ao plantio oficial de marijuana. Com efeito, inúmeros juízes canadenses autorizaram o uso terapêutico da erva. Para evitar a aquisição da maconha de traficantes, o governo do Canadá determinou aos agentes públicos o plantio na região montanhosa de Flin Flon, na província de Manitoba.

A maconha da referida procedência desagradou não apenas ao czar Walters. Houve protestos de pacientes canadenses que consideram a marijuana de Manitoba de péssima qualidade, com princípio ativo fraco para inibir dores ou suprimir náuseas aos submetidos à quimioterapia. O ministro da Saúde canadense, Dave Choamiac, com um certo embaraço, prometeu providências: assim, sementes de maconha transgênica provindas da Albânia estariam fora de cogitação.

Com a falta de cerimônia própria de um agente da autoridade imperial, Walters deixou claro, ainda, não concordar com as concessões dadas para o funcionamento de caffès cannabis no Canadá. Atacou a proliferação desses lugares e ignorou tratar-se de medida voltada a evitar o contato com o narcotraficante, sempre pronto a ofertar drogas mais pesadas.

O premier Jean Chrétien, há tempo, vem opondo-se às políticas das Nações Unidas sobre drogas, por seguirem o modelo norte-americano. Evidentemente, sabe que os norte-americanos são campeões mundiais de consumo e as suas políticas não conseguem tirá-los do topo do pódio.

Como o Canadá seguia as políticas do modelo norte-americano, Chrétien resolveu mudar o estilo. Para comprovar essa necessidade, utilizou a pesquisa sobre o custo social da droga no Canadá, estimado em 4% do seu PIB.

Nada mais precisava fazer para demonstrar o fracasso. Ou melhor, poderia ter sutilmente avisado o presidente Lula que, no particular, mantém a política do governo anterior. Em outras palavras, Lula está mais para FHC do que para Chrétien-Trudeau.

Fonte: CartaCapital nº 263 (22 de outubro de 2003)

Jovens fumam cada vez mais maconha e menos tabaco, mostra pesquisa

22 de outubro de 2003, UOL News
Tradução: Jean-Yves de Neufville.

Mais da metade dos adolescentes com idade de 17 a 19 anos já fumaram pelo menos um baseado.

Cécile Prieur

Os jovens estão fumando cada vez mais cigarros de maconha, mas tendem a reduzir progressivamente o seu consumo de tabaco. Esta é uma das principais conclusões da pesquisa da Escapad, que vem sendo realizada a cada ano desde 2000 pela Agência Francesa das Drogas e das Toxicomanias (cuja sigla em francês é OFDT) junto a garotas e rapazes que participam da "Jornada de convocação à preparação para a defesa".

Sintetizando as respostas de mais de 16 mil jovens de 17 a 19 anos, a pesquisa de 2002 traz um novo enfoque sobre os usos de substâncias psicotrópicas, e isso, numa idade-chave para as primeiras iniciações e para a adesão ao seu consumo freqüente e regular.

Sem surpresa, o tabaco continua sendo a substância mais consumida pelos jovens de 17 a 19 anos: oito jovens entre dez já o experimentaram ao menos uma vez na vida, enquanto quatro entre dez fumam todos os dias. Precoce, a experimentação do cigarro costuma ocorrer antes dos 14 anos, enquanto a adesão ao tabagismo cotidiano se dá antes dos 15 anos. O tabaco é também o produto em relação ao qual a diferença sexual é menos pronunciada: 42% das garotas e 42,1% dos rapazes o consomem diariamente.

Entre esses jovens, 10% apresentam sintomas de uma forte dependência, o que significa que eles consomem mais de 20 cigarros por dia e fumam desde o momento em que eles acordam ou antes de sair de seu domicílio. Contudo, a proporção de fumantes ocasionais em relação aos que fumam diariamente sofreu uma leve diminuição desde 2000, passando respectivamente de 9,1% para 8,3%, e de 41,1% para 39,5% entre os jovens de 17 anos.

Primeiro copo de álcool precoce

O outro produto que vem sendo consumido de forma intensiva pelos jovens é o álcool, que já foi experimentado por nove entre dez adolescentes de 17 a 19 anos. A idade do primeiro copo de álcool é ainda mais precoce que a do primeiro cigarro, sem que os jovens entrevistados na pesquisa consigam se lembrar da data precisa de sua primeira experiência. Um pouco mais de oito rapazes entre dez, e seis garotas entre dez declaram ter bebido álcool durante o último mês, porém, um número de rapazes três vezes maior que de garotas (18,5% contra 6%) apresenta um consumo freqüente (mais de dez vezes por mês). Além disso, a embriaguez já foi vivenciada por dois rapazes entre três, e por uma garota em cada duas com idade de 17 a 19 anos.

Entre as substâncias ilícitas, a maconha continua sendo, de longe, o produto mais experimentado: mais da metade dos jovens com idade de 17 a 19 anos (48,9% das garotas e 58,3% dos rapazes) declararam ter fumado pelo menos um baseado. A experimentação da maconha continua progredindo, após ter sido iniciada durante os anos 90: enquanto ela era de 24,7% dos rapazes de 17 anos em 1993, ela passou para 50,1% em 2000 e para 54,6% em 2002. O consumo regular diz respeito a um número menos importante de jovens: 8% das garotas e 21,2% dos rapazes declaram fumar maconha mais de dez vezes por mês, ou seja, uma proporção ligeiramente superior à do consumo de álcool.

Entre esses consumidores regulares, 97% dos jovens de 17 a 19 anos já fumaram um baseado antes do meio-dia e 89,6% já fumaram sozinhos. Os jovens insistem com freqüência sobre o caráter transitório do seu consumo de maconha, o qual, em muitos casos, eles dizem querer interromper por ocasião da passagem para a idade adulta.

Por fim, a pesquisa mostra que as experimentações dos outros produtos ilícitos, tais como os cogumelos alucinógenos, o ecstasy ou as anfetaminas, ocorrem em níveis bem mais reduzidos, mesmo se elas não param de aumentar. Assim, o uso de ecstasy passou de 1,4% das garotas em 2000 para 2,9% em 2002, e de 2,8% dos rapazes em 2000 para 5% em 2002.

Fonte: UOL News (22 de outubro de 2003), ou Growroom Board.

quarta-feira, 15 de outubro de 2003

Suprema Corte dos EUA libera a utilização medicinal da maconha

15 de outubro de 2003, Folha de S. Paulo

Cíntia Cardoso
Da Folha de S. Paulo, de Nova York.

Por decisão da Suprema Corte dos EUA, o governo federal está proibido de punir médicos que recomendem o uso de maconha para pacientes com doenças graves como AIDS e câncer.

Ontem a Suprema Corte resolveu ignorar uma apelação da administração de George W. Bush. A iniciativa judicial pretendia impor sanções legais a médicos que aconselhassem o uso da droga ou simplesmente mencionassem os benefícios terapêuticos da droga para pacientes dos nove Estados em que a legislação permite o uso medicinal da maconha.

Hoje, os Estados do Alasca, Arizona, Califórnia, Colorado, Havaí, Maine, Nevada, Oregon e Washington admitem a adoção da maconha com recomendação médica. O uso da droga, contudo, continua considerado ilegal para outras finalidades.

A batalha judicial que opôs o governo federal aos médicos desses Estados começou após o referendo que aprovou a adoção da droga com fins terapêuticos na Califórnia, em 1996. Autoridades federais, ainda na administração do ex-presidente Bill Clinton (1993-2001), tentaram fazer com que médicos que recomendassem maconha para seus pacientes tivessem seus registros cassados.

Um grupo de médicos californianos entrou com um processo contra o governo sob a alegação de que médicos podem se beneficiar da Primeira Emenda para discutir livremente com os pacientes sobre a melhor forma de tratamento. A emenda trata da liberdade de expressão. O argumento foi aceito pela 9ª Corte de Apelações, porém, no começo deste ano, o governo Bush levou o caso à Suprema Corte.

Na Suprema Corte, os advogados de defesa dos médicos alegaram que aconselhar o uso de maconha para os pacientes é semelhante a recomendar a ingestão de vinho tinto para diminuir o risco de doenças cardíacas.

O governo federal rebateu. "Conselhos médicos de qualquer natureza não são apenas retóricos. Eles são parte da prática médica e têm que estar sujeitos à regulamentação", diz texto apresentado pelos advogados da administração Bush.

Entre os partidários do uso medicinal da maconha, entretanto, a decisão da Suprema Corte foi comemorada.

"Ao ignorar esse caso, a Suprema Corte deu um enorme passo. A decisão vai dar aos médicos mais liberdade para recomendar aquilo que consideram mais adequado para seus pacientes. Milhões poderão ser beneficiados", disse à Folha Bruce Merkin, diretor do MPP (Marijuana Policy Project). A instituição, sediada em Washington, é uma das principais ONGs de defesa do uso medicinal da maconha.

Apesar da vitória na Corte, os pacientes enfrentam dificuldades para ter acesso à droga. Pela legislação, os médicos podem apenas recomendar oralmente ou por escrito o uso da maconha. Cabe aos pacientes encontrar os meios para obter a droga.

Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idArea=1&idSubArea=223

terça-feira, 14 de outubro de 2003

Maconha retarda e cafeína acelera espermatozóides, sugerem pesquisas

14/10/2003 - 17:39 | Edição nº 282 , ÉPOCA

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG60609-6014,00-MACONHA+RETARDA+E+CAFEINA+ACELERA+ESPERMATOZOIDES+SUGEREM+PESQUISAS.html

Os espermatozóides de homens que fumam maconha com freqüência perdem histamina e entram em combustão, o que pode impedir a fecundação. Essa foi a afirmação de um estudo realizado pela Universidade Estadual de Nova York em Buffalo e apresentado na Conferência Anual da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva.

O estudo descobriu que homens que fumam maconha também têm menos espermatozóides devido à quantidade menor de fluido seminal. Um dos ingredientes da maconha, tetrahidrocanabinol, ou THC, é a substância psicoativa que causa o efeito da droga.

Um estudo anterior mostrou que a cápsula de enzima do espermatozóide humano muda quando exposta a altos níveis de THC. Como resultado, o espermatozóide tem dificuldades de se acoplar ao óvulo antes da fecundação.

Uma pesquisa brasileira apresentada no mesmo encontro, porém, sugere que a cafeína tenha o efeito oposto, pois acelera a corrida dos espermatozóides. A pesquisa, coordenada por Fabio Pasqualotto da Universidade de São Paulo, sugere que a cafeína pode se tornar a base para o tratamento da infertilidade em muitos homens.

Os cientistas testaram a qualidade do esperma de 750 homens, entre eles, os que nunca bebem café e os que são aficcionados. O tipo de movimento e a concentração de espermatozóide era relativamente igual, mas a velocidade do espermatozóide era maior nos que bebem café.

Época Online, O Globo e agências internacionais

domingo, 5 de outubro de 2003

Tudo o que você sempre quis saber sobre a maconha e tinha medo de perguntar

5 de outubro de 2003, O Globo


Marcia Cezimbra
Colaboraram Marisa Vieira da Costa e Antonio Freitas Borges Neto, do Diário de São Paulo.

Maconha faz mal? Para os consumidores, maconha é diversão. Para seus opositores, é a porta de entrada para drogas mais pesadas. Mas as últimas pesquisas internacionais feitas pelo Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica da França e pelo Instituto de Medicina da Academia Americana de Ciência dos Estados Unidos esclarecem que a maconha não é diversão nem escalada para a cocaína ou a heroína. A erva, conhecida nos meios científicos como Cannabis sativa, é uma droga psicoativa, cujos efeitos desaparecem com a suspensão do uso. A maconha não queima neurônios, não destrói o cérebro, não causa dependência física e nem overdose. Não entra em estatísticas de mortalidade e os seus efeitos sobre a perda de memória ou a dificuldade de concentração são todos reversíveis quando se interrompe o hábito do consumo. Noutras palavras: as duas megapesquisas produzidas por esses dois centros parecem dar argumentos para a liberação do uso da droga.

A prova de que a maconha não leva ao consumo de drogas pesadas veio das pesquisas com os jovens: a grande maioria começa a fumar maconha depois de experimentar outras drogas, como o álcool, o tabaco, a cola, os solventes e o éter. Especialistas brasileiros, como a psiquiatra Ana Cecília Marques, professora da UNIFESP e presidente da Associação Brasileira de Estudo de Álcool e Outras Drogas, concordam que a maconha não leva a drogas pesadas: “A primeira experiência dos jovens é com uma droga lícita. Essa droga é que leva para as ilícitas”, diz Ana Cecília.

Outro argumento ponderável a favor da descriminalização: nos países onde o usuário da maconha deixou de ser punido no código penal, como na Holanda, o consumo não aumentou. Os cientistas dizem que a droga não causa dependência física, mas ainda discutem a dependência psicológica, que poderia afetar de 5 a 20% de jovens. E, por fim, há quem aponte os benefícios da liberação para fins medicinais, argumentos que levaram os governos do Canadá e da Holanda a autorizar a produção para fins terapêuticos e a venda com receita médica. No Canadá, vende-se a erva até pela Internet. na semana passada, 150 expositores mostraram seus produtos derivados da Cannabis sativa na 3ª Feira Internacional da Maconha, na Suíça. Na feira, porém, não se vende a erva: o comércio é proibido.

Diante de tantas pesquisas, fica a pergunta: se a maconha é tão inofensiva, por que seu consumo é crime na maior parte do planeta?

Nem tudo é consenso entre especialistas. A polêmica começa em relação ao possível agravamento de quadros de depressão e de esquizofrenia devido ao uso da maconha. Os cientistas internacionais afirmam que a maconha não desencadeia psicoses, mas pode reforçar doenças já instaladas, principalmente a esquizofrenia, pois é um psicoativo que causa estados temporários de angústia, ansiedade e depressão. Além disto, é perigosa para quem tem problemas cardíacos: a erva causa comprovadamente taquicardia. Também não há pesquisas conclusivas sobre os riscos de acidentes com motoristas que fumam maconha, nem estudos sobre os efeitos do fumo da maconha nos pulmões. Mas gestantes que fumam maconha têm bebês de peso e estatura mais baixos. As alterações no sistema imunológico são possíveis, mas não são comprovadas. Por tudo isto, a polêmica continua. O coordenador de saúde mental do Ministério da Saúde, Pedro Gabriel Delgado, diz que a discussão é bem-vinda.

“O Ministério da Saúde já recomendou que a descriminalização da maconha seja debatida do ponto de vista da saúde pública e defende, com cautela, uma ampla reformulação da lei de drogas, com a mudança do conceito de drogas ilícitas. Pessoalmente, como psiquiatra, considero a descriminalização da maconha benéfica do ponto de vista da saúde pública, porque os danos associados à criminalização são bem maiores que os do consumo”, afirma delgado.

O que eles dizem da descriminalização

Em 2002, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso vetou o texto da Lei Antidrogas que previa a descriminalização do uso. Agora, a atual Secretaria Nacional Antidrogas sinaliza para a manutenção desta posição no novo Plano Nacional Antidrogas (PNAD). Mas o Ministério da Saúde recomendou ao novo PNAD que o tema da descriminalização do usuário seja debatido do ponto de vista da saúde pública, assim como o uso da erva com fins terapêuticos.

Luís Galvão, músico do Novos Baianos: “Sou a favor de não se prender quem fuma, e sim o traficante, porque é um marginal que está acabando com a juventude. Há 11 anos não uso droga nenhuma, nem bebida alcoólica.”

Silvana Bianchi, chef: “A maconha tem que ficar proibida, senão todo mundo vai fumar desvairadamente, uma coisa louca.”

Jorge Mautner, compositor: “Eu prefiro ficar neutro. Todos os meus amigos são a favor da descriminalização porque acham que isso, paradoxalmente, resolveria essa questão do tráfico. Eu não sei. Já fui do Narcóticos Anônimos (NA) e acho que todas as drogas fazem muito mal.”

O que eles dizem da legalização

A Holanda foi um país pioneiro na liberação da maconha. A posse de pequena quantidade foi tolerada a partir de 1976 e desde 1984 vende-se maconha em cafés. Segundo o Instituto de Medicina da Academia Americana de Ciência, não há provas de que a liberação tenha aumentado o consumo da droga na Holanda. No Canadá, onde a maconha é liberada para fins terapêuticos, os consumidores não passam para drogas pesadas: 30% dos jovens já experimentaram maconha, mas apenas 4%, cocaína; e 1%, heroína.

Gustavo Borges, nadador: “Se estão legalizando a maconha em outros países, é sinal de que esse é um caminho. Mas sou contra. Não quero meus filhos fumando.”

Rubinho, goleiro: “Se legalizassem, fumariam menos.”

Nana Caymmi, atriz: “Sou contra. As pessoas perdem o senso. Até as crianças vão experimentar! E se, entre elas, houver uma com perfil de dependente?”

Robert Scheidt, iatista: “Sou contra: aumenta o consumo e dá mau exemplo para crianças.”

Cheila de Paula, estilista: “Sou a favor da liberação, mas só para adultos.”

Ainda há polêmica entre os cientistas

Os pontos que ainda são polêmicos sobre os efeitos da maconha devem-se às lacunas nos estudos científicos. Um exemplo: não há ainda pesquisas sobre o risco de acidentes de carro para motoristas sob efeito de maconha. Há também suspeitas de que a erva cause problemas pulmonares e alterações no sistema imunológico, mas não há comprovação. O médico Elson da Silva, professor e coordenador do Programa Viva Mais, da Unicamp, dedicado à prevenção de drogas, diz que a neurobiologia ainda não conhece totalmente as áreas do cérebro afetadas da maconha no cérebro, ao contrário do que ocorre com o álcool e a cocaína, exaustivamente estudados. A Cannabis sativa se espalha no cérebro de forma que ainda impede conclusões precisas sobre seu modo de agir. Eis os pontos que ainda estão sob discussão científica:

Quem está sob efeito de maconha pode dirigir um automóvel? Os cientistas supõem que o motorista sob efeito de maconha pode ter seus reflexos e coordenação diminuídos, já que a droga altera as noções de espaço e tempo, e provoca distorções visuais e auditivas. Mas não há estudos que comprovem esta inaptidão.

Quais são os riscos de doenças pulmonares e de câncer? Para os cientistas, os usuários da erva aspiram a fumaça de cigarros artesanais, sem filtro, que contêm substâncias que levam a doenças pulmonares e ao câncer. Não há estudos que comprovem tais riscos.

Ela afeta as defesas orgânicas? Pesquisas mostraram que a maconha é absorvida pelas células do sistema imunológico. Segundo os cientistas, porém, as alterações no sistema imunológico decorrentes do uso da maconha são possíveis, mas pouco prováveis e não comprovadas.

Quais os efeitos da erva? A erva causa relaxamento, sonolência, desinibição sexual, desconcentração, delírios, redução da memória, desconcentração, baixo rendimento intelectual. Mas todos são reversíveis com a interrupção do consumo.

Fonte: O Globo (5 de outubro de 2003), ou Growroom Board.

sexta-feira, 3 de outubro de 2003

“Maconha” do corpo evita ataques

3 de outubro de 2003, Folha de S. Paulo

Marcus Vinicius Marinho
Free-lance para a Folha de S. Paulo.

Muito se fala sobre usos terapêuticos da maconha, mas seus efeitos colaterais sempre representaram uma barreira para essa aplicação. Cientistas europeus, no entanto, acharam um jeito de usar suas propriedades no combate a ataques epiléticos, mas sem o lado ruim: incentivaram a produção interna do corpo de um "primo" do princípio ativo da droga.

A anandamida, essa parente de substâncias presentes na maconha, é produzida por diversos animais, incluindo o homem. Estudando camundongos, pesquisadores na Alemanha, na Espanha e na Itália conseguiram aumentar e direcionar a produção de anandamida no cérebro dos animais, o que reduziu sensivelmente a incidência de ataques similares à epilepsia nos bichos.

"Não se trata de incentivar o uso da maconha. Pelo contrário, estudamos o efeito do THC [tetraidrocanabinol, princípio ativo da maconha] e vimos que ele não funciona sempre e pode tornar alguns tipos de ataque ainda piores", disse o neuropsicólogo suíço Beat Lutz, 42, do Instituto Max Planck, na Alemanha.

"Quando você fuma [maconha], o cérebro se inunda de THC e ele não vai necessariamente para as áreas de interesse, além de agir além do tempo." diz Lutz. "Em nosso método, nós prolongamos a ação dos canabinóides endógenos, mas na hora e nas áreas do cérebro em que queríamos."

Segundo o pesquisador, a injeção ou a ingestão de anandamida sintética tampouco funciona, pois a substância se degrada rapidamente. "A anandamida existe também no chocolate, mas, para que houvesse efeito, a pessoa teria de comer uma quantidade absurda", diz Lutz. "Embora eu, sendo suíço, goste bastante da idéia."

O segredo do método dos europeus está no controle do CB1, um receptor de canabinóides no cérebro ligado à proteção aos ataques. Para estimular o funcionamento do receptor, Lutz e seus colegas aumentaram a quantidade de anandamida, que já era naturalmente produzida no cérebro do camundongo, bloqueando um de seus inibidores. Com isso, conseguiram reduzir em cerca de 70% os ataques nos animais.

Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idArea=1&idSubArea=219

sábado, 20 de setembro de 2003

E viva a maconha!

20 de setembro de 2003, piNtorescas
Texto originalmente publicado no Le Monde Diplomatique
Tradução: Jean-Yves de Neufville

A planta, outrora muito usada para os mais diversos fins, começa a ganhar novos usos e novos defensores.

Yves Eudes

Papel, paredes, tecidos, embalagens e painéis de bordo, o cânhamo, também conhecido como maconha, serve para fabricar de tudo... e também para fumar baseados. Outrora familiar, esta planta tornou-se suspeita e por pouco não desapareceu. Hoje, ela encontrou novos promotores.

"O cânhamo é uma antiga tradição da região de Nantes (no oeste da França). Durante séculos, os nossos ancestrais o cultivaram para fabricar as cordas e as velas de seus navios, assim como roupas, sacos, papel, telas, e mil outras coisas... Na época do outono, a colheita do cânhamo e a extração da fibra mobilizavam as aldeias durante dias e noites. Depois disso, eram organizadas as festas mais doidas do ano, uma vez que o cheiro do cânhamo transtornava a cabeça das garotas...". Jean-Claude David, 53 anos, um antigo militante do movimento rural do Larzac, um sindicalista camponês e um comerciante de produtos hortifrutigranjeiros "biologicamente corretos", mora em Saint-Julien-de-Concelles (na Loire-Atlantique, cuja capital é Nantes), numa fazenda que ele construiu com as próprias mãos. Sobre a cômoda da sala, ele colocou uma foto: "Ela foi tirada pelo meu pai, em 1952. O garotinho ali, sou eu, nos braços da minha avó. E logo atrás, é a imensa plantação de cânhamo. O meu pai continuou cultivando a planta até o fechamento das oficinas de fiação de Angers".

Assim como na quase totalidade das regiões da Europa, a cultura do cânhamo nas ribanceiras do rio Loire entrou em declínio acelerado no decorrer do século 20, por causa da concorrência das fibras sintéticas. Mas o seu desaparecimento quase total teve também uma outra causa: o cânhamo dos nossos campos e a Cannabis sativa, mais conhecida como maconha, são a mesma planta; "Cannabis" sendo a palavra em latim que significa "cânhamo". Em estado selvagem, todas as variedades de cânhamo contêm THC (tetraidrocanabinol), a substância psicotrópica tão apreciada pelos fumantes de baseados.

As leis proibindo fumar a maconha resultaram em todos os países ocidentais no abandono quase completo do cultivo do cânhamo: esta planta familiar de repente havia se tornado suspeita, subversiva, e quase exótica, uma vez que ela havia mudado de nome. A França é um dos únicos países da Europa a ter mantido uma produção, sobretudo para fabricar papel de seda para cigarro. Com isso, os fumantes de tabaco inalam também maconha, sem saber disso! Para evitar os problemas com a justiça, a Federação Nacional dos Produtores de Cânhamo (FNPC), instalada na cidade de Le Mans (sudoeste de Paris), desenvolveu variedades de sementes com teor muito reduzido de THC, e portanto sem efeito psicotrópico. Hoje, a lei autoriza a cultura de cânhamo contendo menos de 0,2% de THC.

Com a autoridade conquistada ao longo de décadas de pesquisas, a FNPC garantiu um monopólio quase total na escala européia sobre a venda de sementes "lícitas". Além disso, os cultivadores não têm direito de conservar as sementes que eles produzem e são obrigados a reabastecer a cada ano na FNPC. Se um único pé de cânhamo com forte teor de THC crescer em algum lugar, ele pode polinizar outros campos de plantas "lícitas" numa área de até 30 quilômetros. Para garantir o respeito à lei, a administração implantou um sistema rígido de controles, de colheitas de amostragens e de análises.

De fato, na França, a produção desta planta continua sendo uma aventura. Em 1996, Jean-Claude David decidiu produzir a "piquette" (nome popular dado a um vinho medíocre), uma bebida tradicional apreciada pela clientela das lojas de alimentos "biologicamente corretos". Então, ele resolveu dar início à fabricação da "frênette", à base de freixo, e ainda da "ortillette", feita com urtigas. Um belo dia, ele teve a idéia de produzir uma bebida à base de cânhamo: "Eu plantei cânhamo numa parcela da minha plantação e inventei a ‘chanvrette’ (‘canhamete’). Para decorar as minhas garrafas, mandei imprimir rótulos com uma bela folha de cânhamo." Ora, a folha de cânhamo é também o símbolo internacional dos militantes da descriminalização da maconha.

Não demorou muito para ver surgirem os problemas: ele é convocado pela brigada de repressão das drogas de Nantes, a Polícia Judiciária (PJ) de Rennes vasculha a sua propriedade e a sua casa, ele é obrigado a se apresentar perante os responsáveis do serviço de repressão das fraudes, é objeto de um inquérito dos oficiais da alfândega, e, por fim, o seu estande no Salão da Agricultura é desmontado pela polícia. "Todos os testes que eles fizeram mostraram que o meu produto não contém THC", garante Jean-Claude David. "O que eles querem sobretudo é obrigar-me a suprimir a folha de cânhamo do meu rótulo e a mudar o nome". Mas, o agricultor, que está acostumado a enfrentar as autoridades, agüenta firme. Em 2002, ele produziu 50 mil litros de chanvrette, que ele começou até mesmo a exportar para os países do Norte. Lá, a sua bebida chama-se "Kannab-Fizz".

O cânhamo está na moda entre os agricultores ligados aos movimentos ecologistas. Em Chauvé, a 40 quilômetros de Nantes, Hubert Morice, o presidente da seção ecologista do Centro de Valorização do Meio Rural (Civam), fundou um "grupo cânhamo" que reúne cerca de 15 fazendeiros. "O cânhamo", explica, "constitui uma ferramenta privilegiada para dinamizar a agricultura de maneira duradoura e equilibrada: basta proceder da forma certa, e ele pode então ser cultivado sem herbicidas, nem pesticidas, nem inseticidas, nem fungicidas. Além de tudo, ele regenera o solo".

Hubert Morice optou pela produção do concreto de cânhamo (uma mistura de cal com cânhamo), destinado à construção e ao isolamento das construções: "Uma casa em concreto de cânhamo é 15% mais cara que uma casa ordinária, mas trata-se de um material são, leve, duradouro". Da mesma forma, em Trémargat, nas Costas de Armor (Bretanha), um grupo de artesãos e de cultivadores fundou a sociedade Kana-Breizh, que fabrica materiais de construção à base de "cânhamo ético", cultivado conforme métodos que respeitam o meio ambiente. A Kana-Breizh também renunciou às subvenções européias, para tentar implementar uma economia rural fora do quadro do PAC (Pacto Agrícola Comum).

Todos eles estão convencidos de que a demanda irá explodir nos próximos anos, uma vez que os industriais andaram descobrindo as virtudes dos produtos à base dessa planta, principalmente os óleos e os têxteis. Assim, o estilista Armani começou recentemente a criar ternos com tecido de cânhamo. Além disso, os engenheiros não param de inventar novas utilizações da planta: os painéis de bordo das novas Mercedes e BMW são de plástico composto em parte de cânhamo, um material leve, pouco inflamável e reciclável; fabricantes de barcos, de embalagens e de eletrodomésticos também se lançam na produção de materiais de plástico à base de cânhamo e na fabricação da lã de cânhamo.

Enquanto isso, os obstáculos vêm se acumulando para os pequenos produtores. Em setembro de 2002, em pleno período de colheita, a Kana-Breizh foi objeto de seis controles por parte de seis administrações diferentes. Em Chauvé, Hubert Morice foi obrigado a plantar suas sementes num terreno afastado da estrada: "Caso contrário, os jovens da região vêm se servir, já que com ou sem THC, as flores têm o mesmo aspecto. Além disso, os policiais ficam nos arredores, à espreita".

Contudo, tantas dificuldades parecem quase agradá-lo: "Vou direto ao ponto: eu me sinto próximo de José Bové. Participei da destruição de uma plantação de organismos geneticamente modificados (OGMs) e já enfrentei brigas e estadas na prisão. Eu estou acostumado com essa guerra, e não terei medo de lutar para reabilitar o cânhamo, mesmo se ele não é nem um pouco popular na polícia".

Além de tudo, a cultura do cânhamo está crescendo em outras regiões, a partir de bases mais tradicionais. Em Bar-le-Duc, a cooperativa dos produtores de cânhamo da Aube (na região Leste) reúne 330 agricultores, que cultivam ao todo 6 mil hectares e possuem uma usina de beneficiamento. Atualmente, ela vende 90% de sua fibra aos fabricantes de papel para cigarro, mas ela está também buscando ativamente os novos mercados.

Oficialmente, os produtores de cânhamo industrial não querem ouvir falar do cânhamo que se fuma. Eles recusam todo e qualquer contato com os militantes da descriminalização da maconha, que começaram a vender objetos à base de cânhamo "lícito" para criar um amalgamo na mente da população. Contudo, o destino do cânhamo "útil" e o de seu primo "recreativo" permanecem ligados.

O segundo produtor europeu de cânhamo industrial é a empresa holandesa Hemp-Flax, que cultiva 2.300 hectares em Oude Pekela, no norte do país, e possui uma usina de beneficiamento. O seu patrão, Ben Dronkers, tem o seu assento ao lado das grandes empresas do setor no quadro da Associação Européia do Cânhamo Industrial (cuja sigla é EIHA). Mas, na Holanda, Ben Dronkers é conhecido sobretudo como o patrão da sociedade Sensi-Seeds, que vende sementes de maconha aos fumantes e aos revendedores interessados em fazer um cultivo caseiro da planta. Durante a sua juventude, Ben Dronkers passou vários anos no Oriente Médio, onde ele compartilhou a vida dos produtores de cânhamo. Quando ele retornou à Holanda, ele trouxe sementes, e então fundou uma oficina para desenvolver variedades dotadas de teores elevados de THC.

Hoje, os técnicos da Sensi-Seeds conseguem produzir sementes quatro vezes por ano sem alterar a sua qualidade original. Eles obtêm esse resultado principalmente por meio de novos processos de clonagem das plantas, por meio do cultivo de tecidos. Em 2002, a Sensi-Seeds faturou cerca de 4 milhões de euros (cerca de R$ 13,2 milhões). Para a venda no varejo, a sociedade possui uma loja e um coffee shop que estão instalados bem no coração do bairro "quente" de Amsterdã. Para a venda no atacado e por correspondência, ela publica um catálogo em várias línguas e possui sites na Internet da venda e de promoção.

Bem ao lado de sua loja, Ben Dronkers fundou o célebre Museu do haxixe, da maconha e do cânhamo, que oferece aos turistas um percurso pedagógico explicando as utilizações desta planta através do tempo. Ele é também co-proprietário dos coffee shops Sensi-Smile em Roterdã e do hotel Sensi-Paradise, situado numa ilha tailandesa.

Sentado no terraço de seu coffee shop, Ben Dronkers está fumando um pouco de maconha, e bebe ao mesmo tempo um vinho suíço perfumado com cânhamo. As pessoas que passam o cumprimentam. Ele é uma personalidade no bairro: "Eu tomo o tempo para viver; tenho 53 anos, os meus cinco filhos trabalham comigo na produção do cânhamo. Eles irão prosseguir a minha missão". Enquanto, de um lado, ele participa da luta pela descriminalização da maconha, Ben Dronkers se interessa há muito pelo cânhamo industrial. Hoje, ele está convencido de que, por si só, essa planta excepcional pode resolver todos os problemas de poluição e de esgotamento dos recursos naturais: "A fibra de cânhamo permitiria produzir todo o papel de que o mundo precisa, evitando o desmatamento; em função de seu crescimento muito rápido, ele poderia fornecer a matéria-prima para um combustível biológico capaz de substituir o petróleo, e que produz ao mesmo tempo oxigênio; a sua semente rica em proteínas poderia atender às necessidades nutricionais do terceiro-mundo - sem falar de suas virtudes medicinais... O cânhamo poderia salvar o planeta"...

Já em 1989, ele se informa sobre a produção de sementes com baixo teor de THC e descobre que elas desapareceram praticamente do continente europeu. Um dos últimos lugares onde ela pode ser encontrada é a FNPC em Le Mans, cujos negócios estão periclitando. Ele decide então de ajudar essa cooperativa: "No espaço de três anos, eu tive que comprar dos franceses 27 toneladas de sementes, das quais eu consegui revender apenas 200 quilos, uma vez que não havia mercado. Mas isso não me importava, pois o meu objetivo era de preservar esse recurso única na Europa". Ben Dronkers está convencido de que, naquela época, ele salvou a FNPC da falência.

Em 1994, ele dá início à sua própria produção de cânhamo industrial e funda a Hemp-Flax. Ele compra uma fabrica de papelão em Oude Pekela, que ele transforma numa usina de processamento de fibras, e então firma contratos com os agricultores da região. Para as suas sementes, ele abastece, é claro, na FNPC. Ora, nesse meio-tempo, o ministério da agricultura francês já descobriu a personalidade e o percurso do patrão da Hemp-Flax, e decide impedir essa venda. Contudo, a FNPC saberá por sua vez mostrar-se solidária com o seu cliente providencial: ela passa por cima das advertências e entrega a mercadoria apesar de tudo.

Desde que ela foi fundada, a Hemp-Flax tem investido na concepção e na fabricação de máquinas especialmente adaptadas para a cultura do cânhamo, da qual ela é proprietária das patentes. Os seus laboratórios conseguem elaborar uma nova variedade de sementes com um teor em THC inferior a 0,2%, porém mais bem adaptada ao clima da Holanda. Eles acabam de obter a sua homologação junto às autoridades européias e preparam-se para comercializá-la.

Hoje, a Hemp-Flax emprega cerca de 40 pessoas e fornece trabalho para 160 agricultores. Ela acabar de comprar a Hemp-Ron, o seu único concorrente holandês, além de uma gráfica e de uma usina de processamento de fibras que está instalada perto de Berlim: "Os alemães serão em breve grandes compradores, uma vez que eles são sensíveis aos argumentos ecológicos. Além dos materiais plásticos, os fabricantes de equipamentos estão trabalhando num projeto que consiste em fabricar plaquetas de freios à base de cânhamo".

Contudo, a Hemp-Flax ainda está fortemente deficitária e sobrevive graças ao apoio financeiro da Sensi-Seeds. Em Oude Pekela, a usina de processamento de fibras abriga também um depósito de sementes com teores elevados de THC que pertence a Sensi-Seeds, assim com uma oficina de embalagem: "Eu já investi 15 milhões de euros (cerca de R$ 49,5 milhões) na Hemp-Flax, e pretendo prosseguir. Eu fiz fortuna graças à Sensi-Seeds, mas eu não preciso de todo esse dinheiro, então prefiro gastá-lo em prol de uma verdadeira causa. Quando se trata de salvar o planeta", conclui Ben Dronkers, enquanto aperta um novo baseado, "Nada disso tem importância".

Fonte: piNtorescas (20 de setembro de 2003)

quinta-feira, 4 de setembro de 2003

O detetive e a maconha

4 de setembro de 2003, Folha Online
O detetive e a maconha

Hélio Schwartsman
Editorialista da Folha. Escreve para a Folha Online às quintas.

Olhos vermelhos, ataques à geladeira no meio da madrugada, sono, falta de concentração, queda no rendimento escolar. Pais modernos já não precisarão ficar atentos à semiologia da maconha para descobrir se seus filhos estão fumando a erva maldita. Chega este mês às farmácias de todo o país Drugwipe, o que há de mais moderno em testes de detecção de drogas ilícitas. Basta encostar a ponta do aparelho num objeto freqüentemente tocado pelo "suspeito" e, em dois minutos, o prodigioso mecanismo, após analisar as gotículas de suor encontradas pelo infalível método da imunocromatografia, indicará se o seu filho fumou ou não fumou maconha.

O texto acima, apesar de ficcional, torna-se perigosamente verossímil. Os aparelhos para detectar substâncias ilícitas Drugwipe, produzidos pela empresa alemã Securetec, foram aprovados pela Vigilância Sanitária e logo estarão ao alcance do público. Cada unidade, que só pode ser utilizada uma vez, deverá custar entre R$ 40,00 e R$ 50,00. É preciso adquirir o aparelho específico para o grupo de drogas que se pretende detectar. Drugwipe existe em quatro versões -- minha tentação é escrever "sabores" --: para canabinóides (maconha, haxixe), opiáceos (heroína, morfina), anfetaminas (incluindo metanfetaminas, como o ecstasy) e derivados da cocaína. Os representantes da Securetec no Brasil esperam comercializar 1,4 milhão de unidades nos próximos dois anos.

O leitor já deve ter percebido que não sou muito simpático a testes como o Drugwipe. Resta-me, então, explicar o porquê. Antes, porém, devo esclarecer que não sou contra o aparelho ou mesmo a idéia de detectar a presença de drogas, só não acho que a utilização da engenhoca deva ser banalizada. Eu seria favorável, por exemplo, a que o Drugwipe ou assemelhados fizessem parte dos arsenais da polícia de trânsito para flagrar motoristas entorpecidos. Está aí um emprego para o teste que me parece, ao mesmo tempo, lícito e correto.

Pelo que sei, porém, não está no plano de nossas autoridades adquirir os aparelhos. Entendo as razões. Os custos seriam elevados para um benefício discutível. O número de motoristas que dirigem sob o efeito de drogas é estatisticamente pequeno. Não se compara nem remotamente à carnificina que condutores bêbados provocam todos os dias. (De resto, existem estudos europeus mostrando que a eficácia dos testes no trânsito não é tão boa quanto querem os fabricantes, mas essa é uma outra questão).

Com a comercialização em massa, os aparelhos Drugwipe acabarão sendo adquiridos por pais preocupados ou por empresas que pretendam estabelecer controles antidrogas.

Analisemos primeiro o caso das companhias que é mais simples. Ainda que a empresa afirme que está interessada na segurança e na saúde de seus funcionários, testes obrigatórios para drogas são em princípio inconstitucionais. Além de violar o direito à intimidade, a Carta garante que ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo. A bela proteção constitucional, contudo, fica um pouco relativizada quando se considera que a recusa em submeter-se ao teste equivale a uma confissão. Se tiver um bom advogado, o ex-empregado cioso de seus direitos constitucionais talvez consiga evitar a justa causa. Isso, é claro, se tiver a carteira assinada.

Mais complicado é o caso de pais e filhos. Pessoalmente, considero que ao menos os menores púberes (com mais de 16 anos) têm direito à intimidade mesmo contra seus pais. Essa, porém, é uma questão para lá de polêmica. Admitamos que os pais tenham o direito legal de testar seus filhos para drogas mesmo à revelia. A pergunta que fica é se devem fazê-lo.

Em primeiro lugar, é preciso tentar compreender o que significa um teste com resultado positivo isoladamente. A resposta é: muito pouco. Embora muitos não concordem, nem toda utilização de droga é patológica. Da mesma forma como é possível tomar uma dose de uísque sem tornar-se um alcoólatra, é possível fumar maconha ou cheirar cocaína de forma eventual, isto é, sem tornar-se um dependente químico. Assim, se o visor do Drugwipe ficar rosa, denunciado a presença de substâncias ilícitas, isso pode significar apenas que o garoto esteve numa festa e, como fazem garotos saudáveis, divertiu-se, ainda que assumindo riscos não-desprezíveis, o que, de resto, jovens saudáveis fazem o tempo todo.

Em favor dos pais, devemos reconhecer que não são todos os jovens que fazem uso não-patológico de drogas. Existem muitos casos de abuso que precisam ser tratados como tal. A questão é que testes não ajudam muito a determinar essas situações. Os critérios mais modernos para definir a dependência são sociais. Deve-se considerar que uma pessoa tem problemas com drogas a partir do instante em que as pessoas que convivem com ela percebem que ela tem um problema com drogas. O raciocínio pode ser meio circular, mas essa definição funciona melhor do que outras supostamente objetivas como tolerância e síndrome de abstinência. O fato é que, à luz do critério social, o teste torna-se pouco útil e por vezes até contraproducente, pois ele tende a criar conflitos desnecessários, prejudicando a abordagem do paciente. Pais que desconfiem de que seus filhos estejam abusando de drogas, em vez de bancar os detetives, poderiam procurar auxílio especializado. Uma abordagem correta nessa hora difícil pode poupar a família de desgastes extras.

Drugwipe chega ao Brasil um pouco na esteira da histeria antidrogas que eclodiu nos anos 70 e 80 nos EUA e se espalhou pelo mundo. É claro que drogas são um seriíssimo problema de saúde pública. Nenhum jovem deveria sentir-se seguro experimentando-as. Mas é uma ilusão acreditar que se possa acabar com elas. Substâncias psicotrópicas acompanham o homem desde que ele desceu das árvores, talvez antes. Mais importante do que tentar eliminá-las é aprender a conviver com elas, tolerando-as na maior parte das vezes e procurando reduzir seus impactos mais deletérios.

Seria um pouco como se dá com o álcool no mundo ocidental. As relações autoritárias e policialescas favorecidas pelos testes antidrogas não são um bom ponto de partida para chegar à utópica era da tolerância, onde cada um, consciente dos riscos que corre e de suas responsabilidades, faria tudo o que desejasse sem incomodar nem ser incomodado por seus semelhantes. Infelizmente, pelo menos por enquanto, só podemos sonhar com essa idade da razão.

Fonte: Folha Online (4 de setembro de 2003)

segunda-feira, 1 de setembro de 2003

Holanda será o primeiro país a vender maconha em farmácia

1º de setembro de 2003, O Globo

Reuters

AMSTERDÃ - A Holanda vai se tornar nesta semana o primeiro país do mundo a fazer da maconha uma droga que pode ser comprada em farmácias com receita médica para o tratamento de pacientes com doenças crônicas, disse neste domingo uma autoridade holandesa da área de saúde.

O governo holandês deu luz verde às 1.650 farmácias do país para que vendam a maconha a doentes de câncer, AIDS, esclerose múltipla e síndrome de Tourette.

“É uma medida histórica. O original da idéia é que nós estamos disponibilizando-a apenas com receita médica em farmácias”, disse Willem Scholten, chefe do Gabinete de Maconha Medicinal do Ministério da Saúde holandês.

A Holanda, onde a prostituição e a venda de maconha em coffee shops são regularizadas pelo governo, tem um histórico de reformas sociais pioneiras. O país também foi o primeiro a legalizar a eutanásia.

Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idArea=1&idSubArea=208

quinta-feira, 28 de agosto de 2003

O debate sobre legalização das drogas surge na América Latina

28 de agosto de 2003, The Narco News Bulletin
Matéria publicada na revista Fórum, traduzida por Narco News.

Renato Rovai

Nota do Editor (Al Giordano): O jornalista Renato Rovai, de São Paulo, é um dos maiores especialistas do hemisfério em expor a Guerra às Drogas. Como professor da Escola de Jornalismo Autêntico do Narco News editou a página em português durante sua criação em fevereiro, na cobertura feita à Cúpula sobre Legalização de Drogas realizada em Mérida, México. Sua revista de circulação nacional, Fórum, é considerada no Brasil uma das principais fontes de informação sobre o que acontece dentro do governo e do Partido dos Trabalhadores (PT).

Deste modo, entre os achados significativos desta matéria, publicada na revista Fórum e traduzida por Narco News, estão declarações que saíram da entrevista feita com o czar antidrogas brasileiro, general Paulo Roberto Uchoa - considerado uma “águia” defensora do proibicionismo – que, pela primeira vez abranda sua posição e abre as portas para uma nova política de drogas.

Como documenta Rovai, o novo posicionamento de Uchôa ocorre em meio ao crescimento do movimento antiproibicionista em toda a América Latina, em diversas frentes que raramente se unem, mas que estão cada vez mais próximas – como descrito por vários protagonistas da Colômbia, México, Peru, Argentina, Brasil e de outras partes, entrevistados para esta matéria – unidos contra um inimigo comum: o proibicionismo imposto aos outros países pela política de drogas do governo estadunidense.

Na edição de 26 de julho de 2001, a The Economist, uma das principais vozes do projeto neoliberal, publicou reportagem com 16 páginas defendendo a legalização das drogas. Entre os muitos argumentos, destacava que a guerra das drogas “absorve de 35 a 40 bilhões de dólares ao ano de impostos pagos pelo contribuinte dos EUA” e sustentava que mesmo “com todo esse investimento o preço da cocaína tinha caído pela metade desde 1980 e o da heroína era de 60% do valor da década anterior”. The Economist utilizava a lógica do mercado para decretar o insucesso da política “de guerra às drogas” patrocinada pelo governo dos EUA.

Antes da The Economist assumir essa posição, muitas outras entidades e personalidades já haviam se convencido que a legalização pode vir a ser a única alternativa para desmantelar o aparato criminoso construído pelo narcotráfico.

Em 7 de março de 1992, Gustavo de Greiff assumia a Procuradoria Geral da Colômbia. O grande desafio era desmantelar os cartéis do narcotráfico. Greiff conseguiu o que parecia impossível. Levou à prisão, entre outros, Pablo Escobar. Isso provocou a queda do cartel de Medelin e Greiff tornou-se celebridade.

Em 1994, em uma conferência sobre política de drogas, em Baltimore (EUA), declarou ser a favor da legalização. Virou demônio. Surgiram imediatamente acusações de que teria envolvimento com o tráfico. Hoje, Greiff não pode mais entrar nos EUA. O governo suspendeu o seu visto. A pressão foi tamanha que, em 18 de agosto de 1994, deixou o cargo e a Colômbia e foi para o México, ser professor universitário. Entre outros argumentos o ex-Procurador da Colômbia, de 74 anos, destaca que “a proibição é um desperdício de energia” e que ela está destruindo as forças de segurança pública no mundo inteiro por conta do incrível poder de corrupção dos narcotraficantes. Na sua opinião, quanto mais os Estados vierem a investir no combate à produção, distribuição e ao porte de drogas, mais condições estarão criando para alimentar uma força paramilitar financiada pelas máfias narcotraficantes. A proibição das drogas produz uma guerra que poderia ser totalmente evitada, na sua opinião.

A capa da The Economist e a corajosa opinião de Greiff em pleno EUA são apenas dois momentos do debate a respeito de uma nova forma de se relacionar com as drogas. Em fevereiro deste ano, em meio à crise de segurança pública no Rio de Janeiro, o senador Jefferson Peres também lançou luzes no debate em nível nacional. A questão é que no mundo inteiro há gente se convencendo de que algo precisa ser modificado urgentemente na política de combate às drogas.

Em fevereiro deste ano, acreditamos que pela primeira vez na história, uma conferência promovida entre outros pelo sítio narconews.com e pelo jornal Por Esto!, de Yucatan (México), levou gente do mundo inteiro à cidade mexicana de Mérida para discutir formas de fazer com que esse debate saia das sombras. Há visões de todos os tipos, desde movimentos libertários que utilizam o argumento de que o Estado não pode impedir que o cidadão faça do seu corpo o uso que lhe convier, passando por aqueles defendem apenas a descriminalização da maconha por considerá-la menos ofensiva do que drogas lícitas como o álcool e o tabaco, até os que, como Greiff, defendem a legalização por entender que a grande questão é desmantelar o narcotráfico e controlar o consumo.

Greiff acredita que cada país deve criar sua própria regulamentação, mas defende que companhias privadas e laboratórios fiquem com a produção e a venda das drogas. E que os governos e bancos privados criem fundos para custear a fiscalização da qualidade das substâncias.

Canadá e Argentina

No dia 27 de maio o governo do Canadá apresentou ao Parlamento de Ottawa um projeto de lei descriminalizando o consumo da maconha. No caso dessa lei ser aprovada, a posse de 15 a 30 gramas de maconha deixará de ser um delito e só será penalizada com multas que variarão de 70 a 250 dólares. Se a quantidade apreendida for superior a 30 gramas, o caso será tratado como um delito, mas a imposição das maiores penas será para os produtores e comerciantes. O que torna o projeto canadense de certa forma um marco para uma nova política em relação às drogas na América é também o fato de o país fazer parte do Nafta e ser sócio-vizinho dos EUA.

Não foi à toa que o embaixador norte-americano em Ottawa, Paul Cellucci, reagiu em tom ameaçador: “A aprovação dessa lei pode afetar gravemente o comércio bilateral entre ambos os países, de US$ 1,2 bilhão diários”. Segundo ele, os inspetores de alfândegas estadunidenses poderiam começar a prestar maior atenção nas passagens fronteiriças o que pode reduzir consideravelmente o fluxo das exportações canadenses.

O ministro da justiça canadense acusou o golpe. Ao apresentar o projeto fez questão de dizer que a lei não pode ser vista como legalização. "Quero deixar claro, não estamos legalizando a maconha e não temos planos para fazê-lo", disse Martin Cauchon. Mas completou criticando a política de penalização atual do país que é muito semelhante a do todo-poderoso vizinho. "As sanções atualmente são desproporcionadas. A legislação que apresento hoje garantirá que o castigo seja proporcional à pena", acrescentou.

Alberto Giordano, jornalista estadunidense, é um dos maiores ativistas da legalização das drogas. Editor do narconews.com é impiedoso com o governo de seu país de origem. “A política proibicionista é impulsionada atualmente por uma única nação, os EUA, que chantageiam todos os outros como vem fazendo agora com o Canadá”.

Ele acredita que é na América Latina que o debate a respeito de uma nova política para as drogas está mais avançado. Entre outros motivos porque, na sua opinião, os EUA têm usado a questão do narcotráfico para impor sua política-policial na região. Por isso, sustenta que é fundamental que os países latino-americanos assumam em conjunto a legalização e acredita que há indícios de que isso possa a vir a ocorrer nos próximos anos.

“O debate está bem adiantado ao sul da fronteira gringa e também ao norte, com o Canadá se movimentando para descriminalizar a maconha. Os atuais presidentes do México, Uruguai e Brasil têm falado publicamente contra a política proibicionista. Kirchner nomeou um proeminente juiz antiproibicionista (Eugenio Zaffaroni) para a Corte Suprema. Na Bolívia, os cocaleros são reconhecidos pelo governo como força política importante (nas edições 7 e 8 da Fórum há uma cobertura completa do tema). Na Colômbia, os sonhos gringos de Álvaro Uribe fracassaram em relação à política de droga. E no Peru, como antes na Bolívia, as manifestações dos cocaleros têm levado a uma rebelião mais ampla de muitos setores contra o governo de Toledo e sua política entreguista impulsionada por Washington”, analisou.

Giordano não nos disse, mas seu discurso aponta para uma análise de que o governo estadunidense tem interesses especiais na guerra com o narcotráfico na América Latina. Ou seja, é o que garante espaço para ocupação territorial de grandes áreas dos países andinos e mesmo de intervenções nas políticas do Brasil, Argentina e Uruguai. Qual seria o motivo que levaria os EUA a de certa forma ter suas forças armadas atuando de forma consentida em países como Bolívia, Peru, Colômbia e Equador, por exemplo, se as drogas fossem tratadas como um problema social e de saúde pública?

Claudio Serbale, professor de sociologia da comunicação na Argentina, sustenta que a discussão sobre as drogas no país ainda está distante de caminhar para algo próximo a legalização, mas lembra que no dia 1 de julho a deputada Irmã Parentella apresentou projeto para legalizar o uso médico da maconha. “Por outro lado, o governo central, em certa medida para dar respostas à questão da violência, implementou um serviço telefônico para que qualquer pessoa possa denunciar um lugar onde imagina que se venda drogas”, escreveu em uma entrevista realizada por e-mail. A essas contradições, segundo Serbale, se somam a indicação de Eugenio Zaffaroni para presidir a Corte Suprema de Justiça. “Ele é um penalista que tem reconhecimento unânime por sua honradez e formação e tem se posicionado a favor da despenalização do consumo”, registra.

Na Argentina, fumar maconha é um ato que para a Justiça constitui delito. É suficiente para que a pessoa flagrada passe por um processo judicial. Mesmo existindo uma lei de entorpecentes (nº 23.773) que contempla a intervenção judicial no campo da saúde, o que prevalece são atos, por parte dos aparatos de controle do Estado, policial-judicial, que acabam por criminalizar o consumo.

Silvia Inchaurraga, presidente da Associação de Redução de Danos da Argentina (ARDA) e secretária-executiva da Rede Latino Americana de Redução de Danos (RELARD) diz que na Argentina, como em outras partes do mundo, a demonização não só das drogas, mas também das idéias e dos defensores da antiproibição, são resultados de uma abordagem intelectual confusa por parte de muitos que discutem a questão e, claro, de uma política oficial global estadunidense que não abre espaço para um debate mais amplo.

“Legalizar as drogas não é legalizar as substâncias, é legalizar uma abordagem mais racional, efetiva e humana dos problemas associados a elas e ao seu consumo. É uma alternativa à atual legalização de mentiras como a teoria da escalada (de que se começa consumindo uma droga mais leve até que se chegue às mais pesadas). A legalização é uma alternativa aos danos da proibição: contaminação de AIDS pelo uso de seringa, violência policial, mercado clandestino, adulteração de substâncias e sobredoses”, sustenta.

Inchaurraga admite que partir para a legalização das drogas não pode ser o caminho atual de países como Argentina e Brasil. “Nesses casos, o possível é avançar com a descriminalização do consumo. Mas, em nível internacional, é preciso fortalecer o movimento antiproibicionista que pode avançar para discutir as modalidades possíveis da legalização: aberta ou controlada. O que significaria que as drogas seriam pensadas como mercadorias ou como medicamentos”, posiciona.

México e Peru

O economista e estudioso do narcotráfico Hugo Cabieses, afirma que atualmente o debate a respeito da legalização das drogas em seu país é quase nulo. “Quando alguém propõe um debate a respeito, ou é satanizado ou ignorado, o que é ainda pior”.

Ele sustenta que isso acontece em decorrência das pressões do governo dos EUA, mas que, individualmente, existem ministros e funcionários de alto escalão que pensam que a melhor saída para o problema do narcotráfico é a legalização. “Mas têm medo de se posicionar publicamente”, diz.

No México a defesa da legalização tem mais visibilidade. O deputado do Partido Revolucionário Democrático (PRD), Gregorio Urías, tem sido taxativo: “A guerra contra as drogas é uma guerra perdida”. Ele é de Sinaloa, estado do norte do país, região que sofre grande parte da violência e da corrupção que tem origem no narcotráfico.

"O narcotráfico só tem aumentado, controla mais capital e move maior volume de drogas, o consumo disparou e as conseqüências e a violência engendradas por ele só têm aumentado ano a ano." No ano passado, Urías apresentou ao Congresso projeto de lei para começar o processo para despenalizar o uso da maconha.

Ele não foi o primeiro político a se confrontar abertamente com a política de proibição. Em 1998, a então senadora María del Carmen Bolado del Real, do Partido da Ação Nacional (PAN), do atual presidente, Vicente Fox, propôs um projeto para legalizar e regularizar todas as drogas no México. Até mesmo Vicente Fox teria dito, em 2001, que a despenalização seria inevitável como solução global.

O jornal diário ¡Por Esto!, da região de Yucatan, o terceiro em circulação do país, também tem defendido abertamente a legalização.

Ricardo Sala, do vivecondrogas.com, garante que o movimento a favor da mudança da legislação no país é grande. “Pergunta ao taxista e ele te dirá que é melhor legalizar”.

Brasil

Talvez o Brasil seja o país que mais caminhou silenciosamente para um outro tipo de política na relação com as drogas e os usuários. Evidente que a lei atual ainda coíbe tanto o comércio quanto o uso, mas ao enviar sua primeira mensagem ao Congresso, o presidente Lula destacou como um dos pontos principais no tema Justiça, Segurança e Cidadania, a redução da demanda de drogas. Parece um detalhe, mas Lula poderia ter destacado o combate ao narcotráfico e à sua rede criminosa.

O general Paulo Roberto Uchoa, Secretário Nacional Antidrogas do governo, destaca que isso não foi à toa. Ele garante que a política da SENAD foi homologada em 11 de dezembro de 2001, depois de amplo debate com a sociedade, e contempla muitos aspectos considerados como da modernidade. “É uma política que já define o dependente químico não como um criminoso, mas como um doente que necessita de cuidados. É uma política que determina também que não haja discriminação para o simples fato da pessoa usar drogas. O tratamento com o usuário e dependente tem que ser totalmente diferenciado do traficante, porque o criminoso é o traficante, não é o usuário. É uma política que privilegia a redução da demanda e está em harmonia com a Constituição do Brasil, principalmente no que diz respeito aos direitos humanos. É uma política que é humanista e pragmática”, define.

No que diz respeito a uma política de descriminalização ou legalização, Uchôa diz que o debate ainda não chegou ao conselho nacional antidrogas. “Mas ele vai chegar e com certeza vamos discuti-lo, uma vez que reconhecemos como um tema pontual, mas que é preciso ser colocado com isenção, com espírito aberto, para uma discussão em que sejam ouvidos todos os segmentos de sociedade. Eu quero dizer a você que o governo e a Secretaria Nacional Antidrogas não têm uma posição a tomar nesse assunto. A nossa posição será a de defender com unhas e dentes aquela que a sociedade adotar”, pontua.

Na sociedade, e mesmo na mídia, uma nova relação com a política que deve ser adotada em relação às drogas também vem sendo debatida. Alguns jornalistas e articulistas têm escrito artigos apontando a legalização como uma melhor possibilidade do que a guerra contra as drogas. Entre esses, destaca-se texto de Hélio Schwartzman de 13 de março último publicado na Folha de S. Paulo. Ele destaca que a taxa de homicídios é de 2,4 por 100 mil habitantes na França, contra 23,5 no Brasil. “Nos EUA, a mais embrutecida das nações industrializadas, o número é de 6,6. A Colômbia, se isto serve de consolo, tem taxa bem maior: 60 por 100 mil.”

E continua: “em termos macroeconômicos, portanto, a receita para baixar a violência é muito simples. Basta que evitemos o caminho colombiano da guerra civil e nos tornemos um país rico. Essa solução se torna menos prática quando se considera que o Brasil não chegará, nos próximos 20 ou 30 anos, ao nível de desenvolvimento social verificado no Primeiro Mundo.”

Schwartzman, então, diz que o país tem de buscar outras respostas para essa questão e conclui: “Pode ser que eu esteja absolutamente enganado, mas acredito na tese de que as drogas respondem por boa parte da violência gerada pelo crime organizado. É evidente que, se não existissem entorpecentes ilícitos, as quadrilhas continuariam existindo, só que se dedicando a outras atividades delituosas. Ainda assim, acho que o tráfico está entre as mais rentáveis – e menos expostas – das especialidades criminais. (...) Nos interstícios dessa ampla estrutura, surge espaço para a corrupção de autoridades, contrabando de armas e de produtos químicos que serão usados no processamento da droga. Em termos estritamente lógicos, a saída para minorar o problema da violência associada ao narcotráfico é a legalização das drogas. Perceba o leitor que não estou falando em descriminalizar ou ser tolerante para com os usuários, mas de legalização mesmo. Maconha, cocaína e heroína seriam tributados como bebidas alcoólicas e cigarros e poderiam ser vendidos em pontos específicos.(...) No dia em que as drogas estiverem legalizadas, o poder do traficante não será maior do que o do dono de botequim.”

Fonte: http://www.narconews.com/Issue31/artigo857.html

quarta-feira, 30 de julho de 2003

O Lugar da SENAD

30 de julho de 2003, Folha de S. Paulo

Editorial da Folha de S. Paulo

Ao preservar a subordinação da Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD) à área militar, mantendo-a no Gabinete de Segurança Institucional, o governo Luiz Inácio Lula da Silva toma nova decisão contrária àquilo que seu partido pregava antes de atravessar os portões do poder.

Criada por Medida Provisória em 1998, a SENAD surgiu como resposta às pressões internacionais, especialmente estadunidenses, para que o Brasil assumisse com maior clareza o combate às drogas. O órgão tem sido polêmico desde o início. A Polícia Federal - constitucionalmente responsável pelas ações antidroga - logo questionou o papel da nova secretaria, que foi subordinada ao Gabinete Militar. Uma série de graves atritos teve lugar até que foram separadas as atribuições: à Polícia Federal, ligada ao Ministério da Justiça, caberia a repressão ao tráfico, ficando a SENAD com as ações preventivas.

A divisão de tarefas arrefeceu, sem eliminar, os conflitos e separou repressão e prevenção, na realidade faces da mesma moeda. Além disso, pareceu a muitos inadequado que a prevenção ficasse subordinada à área militar - o que serviu até para alimentar suspeitas de que essa decisão atenderia interesses da política internacional antidrogas dos EUA, com forte viés militarizado.

No novo governo, as diferenças entre Ministério da Justiça e a SENAD ressurgiram. Em linhas gerais, o primeiro é favorável a uma política "européia" de descriminalização do usuário, que passaria a ser visto como caso de saúde pública, não sendo passível de prisão. Já a segunda preconiza a "Justiça Terapêutica", adotada nos EUA, pela qual o consumidor pode apenas optar entre prisão ou internação hospitalar obrigatória. A Folha tem defendido que o país caminhe na direção da primeira opção.

Não é, porém, a questão doutrinária que justifica a transferência da SENAD para o âmbito do Ministério da Justiça, como era previsível no novo governo, e sim o fato de que tal medida contribuiria para dotar as ações de combate às drogas de maior eficiência e homogeneidade.

Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idSubArea=201&idArea=1&idArtigo=413

sábado, 19 de julho de 2003

Dependência ao fracasso

19 de julho de 2003, The Narco News Bulletin

Ethan Nadelmann
Fundador e diretor executivo da Drug Policy Alliance (Aliança Por Uma Nova Política de Drogas) da cidade de Nova York.

O pronunciamento do presidente George W. Bush sobre a importância da América Latina, no início de seu governo, aumentou as esperanças para as relações entre os Estados Unidos e seus vizinhos. Mas, nada tem acontecido de acordo com as expectativas. Os conflitos relacionados aos interesses comerciais, política econômica e a guerra do Iraque, desgastaram o otimismo de dois anos e meio atrás. Os problemas têm apenas se agravado e uma parceria regional é apenas teórica. Resta à América Latina começar a agir na defesa de seu próprio interesse e um início é o seu desembaraçamento da chamada “guerra contra as drogas”.

A evidência da futilidade da “guerra contra as drogas” cresce a cada ano. Atacar o suprimento de drogas não tem obtido sucesso: elas são cada vez mais baratas e sua distribuição mais farta do que nunca. Apesar dos programas de erradicação das culturas, existe um cultivo maior de papoula de ópio e de coca do que duas décadas atrás. A tentativa de estancar o fornecimento de drogas é como “enxugar gelo” – diminui a produção em um país, outro preenche o vazio. A Colômbia, por exemplo, não produzia heroína há 15 anos. Agora, o país lidera o fornecimento para os Estados Unidos, tendo ultrapassado o México, a Turquia, o Sudeste e Sudoeste da Ásia, sendo que cada qual teve seu momento de maior fornecedor de heroína.

Longe de melhorar a saúde das nações, a “guerra contra as drogas” trouxe miséria e corrupção. A exemplo de Medelim e outras cidades da Colômbia, traficantes fazem das ruas do Rio de Janeiro e de São Paulo zonas de livre artilharia. Por toda a América Latina, milhares de fazendeiros têm visto a destruição de seu meio de sustento e de suas terras (os pesticidas e herbicidas usados contra as produções ilícitas causam danos permanentes ao meio ambiente). As intensas ondas de intranqüilidade social e os deslocamentos econômicos não têm sido causados pelas drogas em si, mas sim pelas falhas políticas proibicionistas.

A humanidade nunca esteve livre das drogas, nem estará no futuro. O desafio é aliviar os danos que elas causam. O curso prudente para a América Latina seria a legalização. Os presidentes do México, Brasil, Bolívia e Uruguai têm tratado do assunto. Mas, a legalização é uma opção para a qual ainda não há maturidade. Para o momento, os países na América Latina podem diminuir o ímpeto em ambas - a legalização das drogas e a “guerra contra as drogas” - adotando o conceito de “redução de danos”, reabilitando o cultivo e a venda legal de coca e estabelecendo uma “Coalizão Por Uma Nova Política de Drogas” para resistir ao paradigma proibitivo simplista de Washington.

A estratégia de redução de danos, pioneiramente implantada na Europa e Austrália nos anos 80, usa uma variedade de meios – programas de manutenção de metadona e heroína, troca de agulhas, sala de injeção segura, e “coffee shops” para reduzir a destruição pessoal causada pelo uso da droga (overdose e doenças infecciosas) e os custos sociais (criminalidade e mercado ilegal). É uma política pragmática, que trata as drogas como uma questão de saúde pública e não de justiça criminal. Com HIV/AIDS e abuso de drogas se espalhando por toda a região, alguns países latino americanos já estão implantando estas idéias, mas iniciativas mais amplas são necessárias.

Redução de danos é também uma via interessante de tratar a produção ilegal de drogas e o tráfico. A regulação é uma das estratégias básicas que redução de danos propõe. O esforço para erradicar a coca, por exemplo, tem sido um cruel e completo fracasso. Ao contrário disto, a região inteira deveria responsabilizar-se por uma campanha de “relegitimidade” da coca. A planta de coca, natural da Bolívia e Peru, tem diversas formas de uso comerciais, podendo oferecer inclusive benefícios medicinais, documentados pela Organização Mundial da Saúde.

A América Latina deve criar sua própria “Coalizão Por Uma Nova Política de Drogas” como um projeto regional, no esforço de trazer lucidez para a discussão das drogas. Esta “Coalizão” atrairia membros além da América Latina. Na Europa e Oceania, o apoio para a guerra contra as drogas, que nunca foi entusiasmado, tem diminuído. Jamaica está no processo de descriminalização da maconha. Canadá segue o mesmo caminho, incluindo estudos de substituição de heroína e salas de injeção segura. Em resumo, quando o assunto é drogas, os Estados Unidos estão cada vez mais isolados entre seus vizinhos e aliados.

Este é o momento propício para a América Latina romper com a política de drogas imposta pelos Estados Unidos. Líderes na região deveriam chamar a “guerra contra as drogas” do que ela realmente é: um fracasso e uma farsa. E, delicadamente, dizer a Washington que a América Latina não pretende mais contribuir com um insensível e enganoso esforço que diminui as possibilidades econômicas da região e a coesão social. Às inevitáveis ameaças de sanções valerá lembrar que “amizades” não comportam hipocrisias.

Fonte: http://www.narconews.com/Issue30/artigo809.html

sexta-feira, 11 de julho de 2003

Governo canadense fornece maconha

11 de julho de 2003, Folha de S. Paulo

Do "New York Times”, em Toronto

O governo canadense anunciou nesta semana um plano interino de fornecimento regular de maconha a pacientes que receberam autorização para usar a droga por motivos médicos. A medida beneficiará 500 pessoas, que receberão a droga e também sacos de sementes de maconha para plantio.

O grama da maconha "oficial" custará cerca de US$ 4, metade do preço cobrado em vendas ilegais.

O anúncio foi feito seis semanas depois de o governo enviar um projeto de lei que descriminaliza a posse de pequenas quantidades de maconha e poucos dias depois de aprovar salas para injeção segura em Vancouver (oeste) para usuários de drogas injetáveis.

Milhares de canadenses já visitam os "clubes da compaixão", localizados em Vancouver e em algumas outras cidades, que distribuem maconha para aqueles que levam prescrições médicas afirmando que a droga ajudará em seu tratamento. A polícia já fez algumas vistorias nesses clubes e apreendeu maconha, mas a maioria deles funciona abertamente.

A medida anunciada anteontem, que permite ao governo fornecer maconha a pessoas que sofrem de doenças como câncer, artrite e epilepsia, foi tomada por causa de uma decisão da Suprema Corte de Ontário (Província canadense) de janeiro, segundo a qual as leis federais de acesso à maconha eram inconstitucionais porque não previam um sistema legal de distribuição da droga.

O governo recorreu da decisão - sinal de que a decisão de distribuir maconha não será permanente. "Nunca foi nosso objetivo vender o produto", disse a ministra da Saúde, Anne McClellan, que é reticente quanto ao uso de maconha para fins medicinais.

A cúpula do governo está dividida sobre se o governo deve cultivar e distribuir maconha, atividades consideradas ilegais no país. A ministra McClellan afirma que há falta de evidências clínicas para afirmar que a maconha traz benefícios médicos. Segundo ela, o governo fará seus próprios testes clínicos a partir de setembro para avaliar eventuais benefícios.

Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idArea=1&idSubArea=194

domingo, 29 de junho de 2003

O tráfico se fortalece

29 de junho de 2003, Carta Capital

O ativista Al Giordano alerta que a política antidrogas brasileira, inspirada nos EUA, é ineficaz e agrava a questão da violência.

Walter Fanganiello Maierovitch

As Nações Unidas elegeram 26 de junho como o dia destinado à conscientização sobre o fenômeno representado pelas drogas proibidas. Nesse dia, cada Estado membro da Organização das Nações Unidas (ONU) refletiria sobre suas realizações nos campos do tratamento aos usuários e nas ações voltadas às reduções da demanda e da oferta de drogas.

Uma retrospectiva serve para demonstrar o insucesso da ONU nesse campo. Em junho de 1998, a Organização promoveu uma conturbada Assembléia Especial, com o objetivo de promover uma estratégia baseada no slogan A Drug Free World – We Can Do It (Um Mundo Livre das Drogas, Nós Podemos Construir). Até agora, a lavagem do dinheiro da droga, nos sistemas bancário e financeiro internacionais, subiu, no ano passado, de US$ 100 bilhões para US$ 400 bilhões. Evidentemente, esse fortalecimento da economia aumenta a oferta.

Passados cinco anos da referida Assembléia, seus resultados foram analisados em Viena, no período de 14 a 17 de abril passado. Resultado: a ONU fracassou ao tentar impor aos países uma única linha política, que foi inspirada no modelo norte-americano. Como conseqüência, o estabelecido nas Convenções foi deixado de lado por diversos países. Eles resolveram buscar o seu próprio caminho e obtiveram melhores resultados quando se livraram da influência norte-americana.

No momento, os especialistas procuram apontar saídas para as Nações Unidas. E as tendências reformista, moderada e conservadora promovem debates intensos e procuram difundir suas idéias. No Brasil, há pouco mais de um mês, surgiu uma representação da Narco News (www.narconews.com/pt.html), de posições abertamente antiproibicionistas, e que conta com 3 milhões de visitantes/mês.

CartaCapital, em razão dessa novidade no Brasil, entrevistou o diretor-responsável pela Narco News, o ativista Al Giordano, que é norte-americano.

CartaCapital: O que é a Narco News?

Al Giordano: A Narco News é mundial. Comecei esse projeto no ano 2000, sou jornalista desde os anos 80, tendo trabalhado no Washington Post, no American Journal Review. Durante anos trabalhei no Boston Times, que já ganhou o Prêmio Pulitzer. Atualmente, moro no México. Fiquei um ano nas comunidades de Chiapas, nas comunidades indígenas de lá, que são as bases de apoio dos zapatistas. Lá pensei e escrevi muito.

CartaCapital: Qual é a posição da Narco News?

Al Giordano: A Narco News tem uma posição fortemente antiprotecionista, estamos a favor da legalização e regulação das drogas para tirar a parte criminal disso, como aconteceu com o álcool no meu próprio país. Os Estados Unidos, em 1933, voltaram a legalizar as bebidas alcoólicas e acabaram com as máfias das bebidas.

CartaCapital: O que o senhor acha da política brasileira de drogas e da lei brasileira de criminalização ao portador de drogas para uso próprio?

Al Giordano: Primeiro, o problema com a política brasileira das drogas é que nós, os gringos, retiramos o direito democrático dos brasileiros para decidi-la. É uma política impulsionada por Washington. Minha posição é muito simples e pró-democracia, ou seja, a decisão deve ser brasileira e para os brasileiros. Os brasileiros precisam formular uma política que sirva aos seus interesses. Eu, Alberto Giordano, nascido em Nova York, não vou decidir essa política. Mas minha equipe e eu vamos dar informações, mostrar experiências e denunciar interesses. Temos 26 jornalistas de toda a América. No Brasil, a brasileira Adriana Veloso cuida da Narco News.

CartaCapital: Como foi o encontro que a Narco News realizou, em abril, no México?

Al Giordano: Foi o primeiro encontro em favor da legalização das drogas de toda a América Latina, com gente da Colômbia, Bolívia, Venezuela, Argentina, do Peru e, é claro, do Brasil. Também muitos do México, dos Estados Unidos, do Canadá e da Europa, mas o primeiro encontro de maioria latino-americana. Desse encontro produziu-se algum documento que está na íntegra na Narco News.

CartaCapital: O que o senhor achou das declarações do secretário e ex-governador Garotinho no sentido de jogar a culpa da violência e da escalada do crime organizado no usuário de drogas?

Al Giordano: É um discurso muito fascista. É um discurso como se tivesse um roteirista da embaixada gringa. É o mesmo discurso que fez W. Bush. Logo depois do 11 de setembro, W. Bush usou os anúncios do Superbowl norte-americano, veiculados na televisão nacionalmente, dizendo: “Se você fuma maconha, está apoiando terroristas, seqüestros, violência, caos”. Não sei se Garotinho sabe que está sendo manipulado pela embaixada nesse assunto. Recentemente, o governo gringo informou que vai retirar esses anúncios da televisão. Por quê? Porque suas pesquisas de marketing lhe mostraram que essa campanha tornou as drogas mais populares entre os jovens. Os jovens estão dizendo: “Vou fumar maconha e ser como Bin Laden”. Esse discurso é demagógico, equivocado e mentiroso. Garotinho vai aprender isso de uma maneira muito dura, porque está muito equivocado agora. Ademais, está piorando a situação do Rio de Janeiro com sua tática de guerra total nas favelas e tudo isso. Isso só vai fazer o narcotráfico armar-se mais, comprar mais armas, mais fuzis, para fazer uma defesa mais forte e uma ofensiva mais forte, como vemos agora. Essa política está matando o turismo. As únicas notícias que saem hoje nos Estados Unidos e na Europa sobre o Rio tratam de ônibus queimando e dessa pobrezinha da (universidade) Estácio de Sá, que saiu do coma. Isso está espantando os turistas e o governo é que está fazendo o terror nesse sentido.

CartaCapital: E com relação à outra declaração de Garotinho, no sentido de que ele não poderia, de imediato, atuar em cima dos narcotraficantes, porque os usuários, os dependentes químicos, entrariam em crise de abstinência no Rio de Janeiro?

Al Giordano: Isso faz parte do grande mito sobre o homem e a mulher pobres nas classes média e alta. Foi sempre um discurso classista de que o pobre é naturalmente criminoso. Isso não é o que eu vejo, o que vejo é quem está trabalhando nos restaurantes, quem está limpando as ruas, dirigindo os ônibus e táxis, são trabalhadores, é gente pobre, trabalhadores honestos. Esses não são viciados loucos, são pessoas dignas. Mas o discurso de Garotinho é para demonizar não só o criminoso, mas uma classe que é maioria.

CartaCapital: Por que os governos norte-americanos, desde Nixon para cá, com a exceção de Carter (vamos fazer justiça), investem tanto na proibição? Existe algum interesse econômico, hegemônico, intervencionista, e a droga é usada como fachada?

Al Giordano: Durante os anos 60, durante a época de Nixon, a prioridade era controlar a comunidade negra urbana, em pura rebelião depois do assassinato de Martin Luther King. Apareceram os Panteras Negras e grupos muito radicais em todas as cidades dos Estados Unidos. A guerra da droga era um pretexto para fazer pressão na cidade. Nixon usou uma estratégia (isso está totalmente documentado) das drogas. Usou mal, mas foi brilhante. Fechou a fronteira do México à maconha e a própria CIA foi trazendo ópio do Vietnã, inundando as ruas dos negros com heroína, o que deu início à epidemia de heroína nos Estados Unidos. Com esse pretexto, fizeram a repressão contra um crime que o próprio governo criou e, com isso, conseguiram, é claro, controlar os movimentos sociais. Segundo, alguém em Washington teve uma idéia muito brilhante, mas aplicou mal também. Isso pode ser um pretexto não só para controlar os pobres dos Estados Unidos, mas também para controlar países vizinhos como o México, a América Latina toda, um grande pretexto para invadir.

CartaCapital: E o que mais o senhor verifica nessa radiografia de interesses?

Al Giordano: Já chegamos à terceira fase. Primeira fase: guerra contra as drogas como pretexto de controle social dentro dos Estados Unidos. Segunda fase: guerra contra as drogas como pretexto de controle social em toda a América Latina. Estamos agora na terceira fase. O que aconteceu nela é que o narcotráfico floresceu com a cocaína. Então, o que fazer com tantos bilhões de dólares, o que fazer com tanto dinheiro sem ser apreendido? Começaram a explorar a indústria da lavagem de dinheiro, dos ativos. Esse é o processo em que o ganho de dinheiro ilegal é convertido para parecer como legal, para evitar impostos ou talvez pagar impostos para parecer legal. O Observatório Geopolítico das Drogas da França estima que, dos bilhões de dólares ganhos a cada ano com drogas ilegais, 80% vão para os banqueiros e para os que lavam dinheiro como intermediários. A maioria é de banqueiros norte-americanos e europeus. Esse dinheirão inundou a economia norte-americana. Nós publicamos na Narco News um trabalho de uma ex-subsecretária da Fazenda, no primeiro governo de Bush pai, Kathleen Norstenfist, que se chama Narcodólares para Principiantes. Em sua análise, a Bolsa de Valores de Nova York e o sistema bancário nos Estados Unidos dependem do dinheiro da droga tanto quanto o viciado depende da droga. Já é um pouco o que diz Garotinho: o que aconteceria se o drogado, de repente, não tivesse droga? Não se aplica ao drogado, mas, talvez, aplica-se ao banqueiro: o que aconteceria com a Bolsa de Valores americana se não tivesse esse grande fluxo de capital que vem da droga? Os Estados Unidos já não produzem.

CartaCapital: Não produzem drogas...

Al Giordano: Exato. Eles só produzem armas, tabaco, filmes e televisão. Tudo o mais da economia é importado. As drogas são um apoio artificial à economia. Os banqueiros sabem disso. Para ser congressista nos Estados Unidos, seja deputado ou senador, são necessários milhões de dólares para comprar anúncios na televisão, que não são grátis como em outros países: têm de pagar. Se você ou eu queremos ser congressistas, temos de ser supermilionários ou temos de nos vender aos supermilionários. Por exemplo, quando o Banamex me processou e perdeu, contratou um escritório de advogados em Washington chamado Eckingold. Esse escritório lobista em Washington, o terceiro maior do mundo, por um lado dá dinheiro aos democratas e por outro dá aos republicanos. É sem ideologia alguma e os congressistas são iguais a viciados por esse dinheiro. Agora já não temos democracia nos Estados Unidos, todos os poderes econômicos são parte dessa máfia. Por isso, W. Bush pôde tirar de Al Gore a eleição. E nem Gore protestou sobre isso, porque o dinheiro atrás de Gore era igual ao dinheiro atrás de Bush.

CartaCapital: Eu gostaria de saber algumas coisas sobre o documento de reação, elaborado na Assembléia da ONU, em junho 1998, que foi assinado, à época, pelo nosso atual presidente, Lula.

Al Giordano: Esse documento era curto, mas muito claro. Está no nosso site. Diz: a guerra das drogas e a política proibicionista são piores que os efeitos das drogas. Arruinaram a paz, a tranqüilidade, causaram muita violência, tiveram efeitos sobre a saúde pública e a saúde dos jovens, foram pretextos contra a democracia, e é por isso que há que se fazer uma nova política que não seja proibicionista.

CartaCapital: Fora Lula e o ex-secretário-geral das Nações Unidas, assinou esse documento o megaespeculador George Soros. Como é essa posição de Soros a respeito da liberação das drogas?

Al Giordano: Ele é o fundador de vários esforços para acabar com a política proibicionista, claramente atrás de políticas de redução de danos e atrás de muitas organizações que apóiam a legalização. Ele financia uma organização que se chama Tait, que dá bolsas de estudo e financia pesquisas sobre drogas.

CartaCapital: O que o senhor acha da presença da Drug Enforcement Administration (DEA), agência norte-americana de combate às drogas, e da CIA no Brasil? A DEA chegou ao Brasil com a ditadura militar.

Al Giordano: Isso é muito interessante. O Brasil não é país produtor. Colômbia, Bolívia e Peru são países produtores da folha de coca, e a Colômbia mais e mais de ópio. Mas o Brasil, não. O que faz a DEA aqui? A DEA não está aqui para impedir a colheita e confecção de drogas, está aqui para comprar polícias e militares e construir uma máquina de pressão para impedir uma política democrática, está aqui como uma força invasora, está aqui tentando exercer pressões políticas. Esse é o seu trabalho. O trabalho da DEA está relacionado à verificação dos países que cultivam coca e papoula e produzem cocaína e heroína, o que não é o caso do Brasil. As drogas que chegam aos EUA saem da Colômbia, do Equador e do Peru via Pacífico e Caribe, passando pelo México, e o Brasil está fora dessa rota. É diferente do interesse europeu, pois o Brasil é corredor de escoamento da droga que vai para lá. Ou seja, não há justificativa para a presença da DEA e da CIA aqui.

Fonte: http://cartacapital.terra.com.br/site/exibe_materia.php?id_materia=799
 

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