domingo, 5 de outubro de 2003

Tudo o que você sempre quis saber sobre a maconha e tinha medo de perguntar

5 de outubro de 2003, O Globo


Marcia Cezimbra
Colaboraram Marisa Vieira da Costa e Antonio Freitas Borges Neto, do Diário de São Paulo.

Maconha faz mal? Para os consumidores, maconha é diversão. Para seus opositores, é a porta de entrada para drogas mais pesadas. Mas as últimas pesquisas internacionais feitas pelo Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica da França e pelo Instituto de Medicina da Academia Americana de Ciência dos Estados Unidos esclarecem que a maconha não é diversão nem escalada para a cocaína ou a heroína. A erva, conhecida nos meios científicos como Cannabis sativa, é uma droga psicoativa, cujos efeitos desaparecem com a suspensão do uso. A maconha não queima neurônios, não destrói o cérebro, não causa dependência física e nem overdose. Não entra em estatísticas de mortalidade e os seus efeitos sobre a perda de memória ou a dificuldade de concentração são todos reversíveis quando se interrompe o hábito do consumo. Noutras palavras: as duas megapesquisas produzidas por esses dois centros parecem dar argumentos para a liberação do uso da droga.

A prova de que a maconha não leva ao consumo de drogas pesadas veio das pesquisas com os jovens: a grande maioria começa a fumar maconha depois de experimentar outras drogas, como o álcool, o tabaco, a cola, os solventes e o éter. Especialistas brasileiros, como a psiquiatra Ana Cecília Marques, professora da UNIFESP e presidente da Associação Brasileira de Estudo de Álcool e Outras Drogas, concordam que a maconha não leva a drogas pesadas: “A primeira experiência dos jovens é com uma droga lícita. Essa droga é que leva para as ilícitas”, diz Ana Cecília.

Outro argumento ponderável a favor da descriminalização: nos países onde o usuário da maconha deixou de ser punido no código penal, como na Holanda, o consumo não aumentou. Os cientistas dizem que a droga não causa dependência física, mas ainda discutem a dependência psicológica, que poderia afetar de 5 a 20% de jovens. E, por fim, há quem aponte os benefícios da liberação para fins medicinais, argumentos que levaram os governos do Canadá e da Holanda a autorizar a produção para fins terapêuticos e a venda com receita médica. No Canadá, vende-se a erva até pela Internet. na semana passada, 150 expositores mostraram seus produtos derivados da Cannabis sativa na 3ª Feira Internacional da Maconha, na Suíça. Na feira, porém, não se vende a erva: o comércio é proibido.

Diante de tantas pesquisas, fica a pergunta: se a maconha é tão inofensiva, por que seu consumo é crime na maior parte do planeta?

Nem tudo é consenso entre especialistas. A polêmica começa em relação ao possível agravamento de quadros de depressão e de esquizofrenia devido ao uso da maconha. Os cientistas internacionais afirmam que a maconha não desencadeia psicoses, mas pode reforçar doenças já instaladas, principalmente a esquizofrenia, pois é um psicoativo que causa estados temporários de angústia, ansiedade e depressão. Além disto, é perigosa para quem tem problemas cardíacos: a erva causa comprovadamente taquicardia. Também não há pesquisas conclusivas sobre os riscos de acidentes com motoristas que fumam maconha, nem estudos sobre os efeitos do fumo da maconha nos pulmões. Mas gestantes que fumam maconha têm bebês de peso e estatura mais baixos. As alterações no sistema imunológico são possíveis, mas não são comprovadas. Por tudo isto, a polêmica continua. O coordenador de saúde mental do Ministério da Saúde, Pedro Gabriel Delgado, diz que a discussão é bem-vinda.

“O Ministério da Saúde já recomendou que a descriminalização da maconha seja debatida do ponto de vista da saúde pública e defende, com cautela, uma ampla reformulação da lei de drogas, com a mudança do conceito de drogas ilícitas. Pessoalmente, como psiquiatra, considero a descriminalização da maconha benéfica do ponto de vista da saúde pública, porque os danos associados à criminalização são bem maiores que os do consumo”, afirma delgado.

O que eles dizem da descriminalização

Em 2002, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso vetou o texto da Lei Antidrogas que previa a descriminalização do uso. Agora, a atual Secretaria Nacional Antidrogas sinaliza para a manutenção desta posição no novo Plano Nacional Antidrogas (PNAD). Mas o Ministério da Saúde recomendou ao novo PNAD que o tema da descriminalização do usuário seja debatido do ponto de vista da saúde pública, assim como o uso da erva com fins terapêuticos.

Luís Galvão, músico do Novos Baianos: “Sou a favor de não se prender quem fuma, e sim o traficante, porque é um marginal que está acabando com a juventude. Há 11 anos não uso droga nenhuma, nem bebida alcoólica.”

Silvana Bianchi, chef: “A maconha tem que ficar proibida, senão todo mundo vai fumar desvairadamente, uma coisa louca.”

Jorge Mautner, compositor: “Eu prefiro ficar neutro. Todos os meus amigos são a favor da descriminalização porque acham que isso, paradoxalmente, resolveria essa questão do tráfico. Eu não sei. Já fui do Narcóticos Anônimos (NA) e acho que todas as drogas fazem muito mal.”

O que eles dizem da legalização

A Holanda foi um país pioneiro na liberação da maconha. A posse de pequena quantidade foi tolerada a partir de 1976 e desde 1984 vende-se maconha em cafés. Segundo o Instituto de Medicina da Academia Americana de Ciência, não há provas de que a liberação tenha aumentado o consumo da droga na Holanda. No Canadá, onde a maconha é liberada para fins terapêuticos, os consumidores não passam para drogas pesadas: 30% dos jovens já experimentaram maconha, mas apenas 4%, cocaína; e 1%, heroína.

Gustavo Borges, nadador: “Se estão legalizando a maconha em outros países, é sinal de que esse é um caminho. Mas sou contra. Não quero meus filhos fumando.”

Rubinho, goleiro: “Se legalizassem, fumariam menos.”

Nana Caymmi, atriz: “Sou contra. As pessoas perdem o senso. Até as crianças vão experimentar! E se, entre elas, houver uma com perfil de dependente?”

Robert Scheidt, iatista: “Sou contra: aumenta o consumo e dá mau exemplo para crianças.”

Cheila de Paula, estilista: “Sou a favor da liberação, mas só para adultos.”

Ainda há polêmica entre os cientistas

Os pontos que ainda são polêmicos sobre os efeitos da maconha devem-se às lacunas nos estudos científicos. Um exemplo: não há ainda pesquisas sobre o risco de acidentes de carro para motoristas sob efeito de maconha. Há também suspeitas de que a erva cause problemas pulmonares e alterações no sistema imunológico, mas não há comprovação. O médico Elson da Silva, professor e coordenador do Programa Viva Mais, da Unicamp, dedicado à prevenção de drogas, diz que a neurobiologia ainda não conhece totalmente as áreas do cérebro afetadas da maconha no cérebro, ao contrário do que ocorre com o álcool e a cocaína, exaustivamente estudados. A Cannabis sativa se espalha no cérebro de forma que ainda impede conclusões precisas sobre seu modo de agir. Eis os pontos que ainda estão sob discussão científica:

Quem está sob efeito de maconha pode dirigir um automóvel? Os cientistas supõem que o motorista sob efeito de maconha pode ter seus reflexos e coordenação diminuídos, já que a droga altera as noções de espaço e tempo, e provoca distorções visuais e auditivas. Mas não há estudos que comprovem esta inaptidão.

Quais são os riscos de doenças pulmonares e de câncer? Para os cientistas, os usuários da erva aspiram a fumaça de cigarros artesanais, sem filtro, que contêm substâncias que levam a doenças pulmonares e ao câncer. Não há estudos que comprovem tais riscos.

Ela afeta as defesas orgânicas? Pesquisas mostraram que a maconha é absorvida pelas células do sistema imunológico. Segundo os cientistas, porém, as alterações no sistema imunológico decorrentes do uso da maconha são possíveis, mas pouco prováveis e não comprovadas.

Quais os efeitos da erva? A erva causa relaxamento, sonolência, desinibição sexual, desconcentração, delírios, redução da memória, desconcentração, baixo rendimento intelectual. Mas todos são reversíveis com a interrupção do consumo.

Fonte: O Globo (5 de outubro de 2003), ou Growroom Board.

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