quinta-feira, 17 de janeiro de 2002

De roubos, drogas e hipocrisia

17 de janeiro de 2002, O Globo

Julita Lemgruber
Diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania/UCAM.

Artigos e discussões carregados de argumentos favoráveis e contrários à descriminalização do uso e do tráfico de drogas têm deixado de abordar algumas questões básicas. No momento em que vetos presidenciais alteram a maior parte da legislação antidrogas que o Congresso Nacional levou dez anos para aprovar, é preciso, de uma vez por todas, deixar a hipocrisia de lado e abrir um debate sério, neste país, sobre a descriminalização das drogas.

E deixar a hipocrisia de lado é, sobretudo, admitir que a política de guerra contra as drogas que enfatiza a repressão fracassou. Fracassou nos Estados Unidos, tem fracassado por toda parte, inclusive no Brasil.

Antes de tudo, que fique bem claro: defender a descriminalização das drogas não tem rigorosamente nada a ver com aceitar a legalização do roubo, do homicídio ou da pedofilia, como sustenta Mina Carakushansky em artigo publicado no O Globo. Tampouco defender a descriminalização das drogas equivale a estimular seu uso ou disseminação.

Embora acredite, como John Stuart Mill há mais de 150 anos já afirmava, que o Estado só pode interferir na minha liberdade para impedir que eu faça mal a alguém, essa argumentação, freqüentemente, não encontra eco. A discussão sobre as drogas precisa de fatos e números. A defesa da descriminalização das drogas está carecendo de dados robustos para prosperar.

Vamos a fatos e números, muitos deles produzidos por estudos do The Lindesmith Center-Drug Policy Foundation, que merecem ser conhecidos. Nos Estados Unidos, a guerra contra as drogas vem consumindo recursos cada vez mais altos, crescendo ano a ano. Entre 1980 e 2000, o orçamento federal para o combate às drogas passou de 1 bilhão para 18,5 bilhões de dólares. Essa quantia é superior ao PIB de muitos países e, mesmo assim, as drogas ilícitas nunca estiveram tão baratas, tão puras e tão acessíveis.

Estimativas conservadoras mostram que, nos Estados Unidos, o preço do grama de cocaína caiu de 191 dólares para 44 dólares entre 1981 e 1998; o grama de heroína passou de 1.194 dólares para 317 dólares no mesmo período. Enquanto isso, a pureza cresceu, passando de 60% para 66% no caso da cocaína e de 19% para 51% no caso da heroína, também entre 1981 e 1998.

Quanto à acessibilidade, pesquisa de 1999 indica que estudantes secundários, nos Estados Unidos, consideram fácil adquirir drogas ilícitas: 88% dos entrevistados disseram que é fácil comprar maconha e 47% afirmaram poder comprar cocaína sem dificuldades. Alguns estudantes admitiram que é mais fácil adquirir drogas ilícitas do que comprar bebidas alcoólicas, cuja venda é proibida para menores de 21 anos.

Em busca de mais números, analisemos a quantidade de mortes relacionadas ao uso de drogas lícitas e ilícitas. Anualmente, morrem nos Estados Unidos aproximadamente 500.000 pessoas em conseqüência do uso de drogas lícitas (400.000 pessoas têm mortes relacionadas ao uso do tabaco e 100.000 morrem em conseqüência da ingestão de álcool) e apenas 20.000 mortes relacionam-se ao uso de drogas ilícitas.

Ora, dirão alguns, esses números não servem para condenar as drogas lícitas, pois a quantidade de pessoas que usa álcool e tabaco é infinitamente maior, logo, o número de mortes deve ser necessariamente também maior.

No entanto, cálculos sobre o número de mortes por 100.000 usuários são esclarecedores. Somados os usuários de drogas lícitas (álcool e tabaco) e usuários de drogas ilícitas (neste caso, maconha, cocaína, crack e heroína) obtém-se o seguinte: 506 mortes por 100.000 usuários de drogas lícitas e 166 mortes por 100.000 usuários de drogas ilícitas. Ou seja, as drogas lícitas são muito mais letais.

Isto significa que a proibição das drogas não está baseada na racionalidade de impedir mortes. Se quisermos impedir mortes, comecemos por criminalizar o fumo e o álcool.

Mais fatos e números. Recente estudo realizado nos Estados Unidos mostrou que 36% de todos os presos condenados por crimes relacionados com drogas eram pequenos infratores, sem nenhum registro anterior de comportamento violento. Infelizmente, não temos pesquisa semelhante no Brasil, mas todos aqueles que lidam com o sistema penitenciário neste país sabem que a grande maioria de nossos presos, condenados por envolvimento com drogas, está longe de ser protagonista na estrutura do tráfico, muito menos são homens e mulheres violentos.

O mercado internacional das drogas ilícitas movimenta 400 bilhões de dólares por ano, o que significa 8% de todo o comércio que se faz no mundo, gerando lucros astronômicos, corrompendo polícia e políticos, provocando uma espiral de violência que tem atingido níveis assustadores em vários países, e está longe de ser derrotado pela repressão.

O Brasil é hoje exemplo no mundo quando se fala em política de combate à AIDS. Isso foi resultado de campanhas corajosas e agressivas, ao longo das quais superamos preconceitos e enfrentamos interesses poderosos. Vamos abrir um debate sério sobre a descriminalização das drogas lembrando que, com campanhas educacionais, também corajosas e honestas, poderemos estar evitando que pessoas morram pelo abuso de drogas pesadas.

Não é com a repressão policial violenta, com gastos de somas fabulosas (que não temos!) ou com campanhas mentirosas que já não enganam ninguém, muito menos nossos jovens, que estaremos criando um mundo livre de drogas.

Muitas drogas ilícitas já foram legais no passado. Vamos ter que aprender a conviver com elas e partir para uma política consistente e conseqüente de redução dos danos das drogas pesadas. E, sobretudo, buscar uma legislação sobre o assunto que atenda às necessidades do país, não tema ousar e seja menos hipócrita.

Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idArea=1&idSubArea=122

De roubos, drogas e hipocrisia

17 de janeiro de 2002, O Globo

Julita Lemgruber
Diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania/UCAM.

Artigos e discussões carregados de argumentos favoráveis e contrários à descriminalização do uso e do tráfico de drogas têm deixado de abordar algumas questões básicas. No momento em que vetos presidenciais alteram a maior parte da legislação antidrogas que o Congresso Nacional levou dez anos para aprovar, é preciso, de uma vez por todas, deixar a hipocrisia de lado e abrir um debate sério, neste país, sobre a descriminalização das drogas.

E deixar a hipocrisia de lado é, sobretudo, admitir que a política de guerra contra as drogas que enfatiza a repressão fracassou. Fracassou nos Estados Unidos, tem fracassado por toda parte, inclusive no Brasil.

Antes de tudo, que fique bem claro: defender a descriminalização das drogas não tem rigorosamente nada a ver com aceitar a legalização do roubo, do homicídio ou da pedofilia, como sustenta Mina Carakushansky em artigo publicado no O Globo. Tampouco defender a descriminalização das drogas equivale a estimular seu uso ou disseminação.

Embora acredite, como John Stuart Mill há mais de 150 anos já afirmava, que o Estado só pode interferir na minha liberdade para impedir que eu faça mal a alguém, essa argumentação, freqüentemente, não encontra eco. A discussão sobre as drogas precisa de fatos e números. A defesa da descriminalização das drogas está carecendo de dados robustos para prosperar.

Vamos a fatos e números, muitos deles produzidos por estudos do The Lindesmith Center-Drug Policy Foundation, que merecem ser conhecidos. Nos Estados Unidos, a guerra contra as drogas vem consumindo recursos cada vez mais altos, crescendo ano a ano. Entre 1980 e 2000, o orçamento federal para o combate às drogas passou de 1 bilhão para 18,5 bilhões de dólares. Essa quantia é superior ao PIB de muitos países e, mesmo assim, as drogas ilícitas nunca estiveram tão baratas, tão puras e tão acessíveis.

Estimativas conservadoras mostram que, nos Estados Unidos, o preço do grama de cocaína caiu de 191 dólares para 44 dólares entre 1981 e 1998; o grama de heroína passou de 1.194 dólares para 317 dólares no mesmo período. Enquanto isso, a pureza cresceu, passando de 60% para 66% no caso da cocaína e de 19% para 51% no caso da heroína, também entre 1981 e 1998.

Quanto à acessibilidade, pesquisa de 1999 indica que estudantes secundários, nos Estados Unidos, consideram fácil adquirir drogas ilícitas: 88% dos entrevistados disseram que é fácil comprar maconha e 47% afirmaram poder comprar cocaína sem dificuldades. Alguns estudantes admitiram que é mais fácil adquirir drogas ilícitas do que comprar bebidas alcoólicas, cuja venda é proibida para menores de 21 anos.

Em busca de mais números, analisemos a quantidade de mortes relacionadas ao uso de drogas lícitas e ilícitas. Anualmente, morrem nos Estados Unidos aproximadamente 500.000 pessoas em conseqüência do uso de drogas lícitas (400.000 pessoas têm mortes relacionadas ao uso do tabaco e 100.000 morrem em conseqüência da ingestão de álcool) e apenas 20.000 mortes relacionam-se ao uso de drogas ilícitas.

Ora, dirão alguns, esses números não servem para condenar as drogas lícitas, pois a quantidade de pessoas que usa álcool e tabaco é infinitamente maior, logo, o número de mortes deve ser necessariamente também maior.

No entanto, cálculos sobre o número de mortes por 100.000 usuários são esclarecedores. Somados os usuários de drogas lícitas (álcool e tabaco) e usuários de drogas ilícitas (neste caso, maconha, cocaína, crack e heroína) obtém-se o seguinte: 506 mortes por 100.000 usuários de drogas lícitas e 166 mortes por 100.000 usuários de drogas ilícitas. Ou seja, as drogas lícitas são muito mais letais.

Isto significa que a proibição das drogas não está baseada na racionalidade de impedir mortes. Se quisermos impedir mortes, comecemos por criminalizar o fumo e o álcool.

Mais fatos e números. Recente estudo realizado nos Estados Unidos mostrou que 36% de todos os presos condenados por crimes relacionados com drogas eram pequenos infratores, sem nenhum registro anterior de comportamento violento. Infelizmente, não temos pesquisa semelhante no Brasil, mas todos aqueles que lidam com o sistema penitenciário neste país sabem que a grande maioria de nossos presos, condenados por envolvimento com drogas, está longe de ser protagonista na estrutura do tráfico, muito menos são homens e mulheres violentos.

O mercado internacional das drogas ilícitas movimenta 400 bilhões de dólares por ano, o que significa 8% de todo o comércio que se faz no mundo, gerando lucros astronômicos, corrompendo polícia e políticos, provocando uma espiral de violência que tem atingido níveis assustadores em vários países, e está longe de ser derrotado pela repressão.

O Brasil é hoje exemplo no mundo quando se fala em política de combate à AIDS. Isso foi resultado de campanhas corajosas e agressivas, ao longo das quais superamos preconceitos e enfrentamos interesses poderosos. Vamos abrir um debate sério sobre a descriminalização das drogas lembrando que, com campanhas educacionais, também corajosas e honestas, poderemos estar evitando que pessoas morram pelo abuso de drogas pesadas.

Não é com a repressão policial violenta, com gastos de somas fabulosas (que não temos!) ou com campanhas mentirosas que já não enganam ninguém, muito menos nossos jovens, que estaremos criando um mundo livre de drogas.

Muitas drogas ilícitas já foram legais no passado. Vamos ter que aprender a conviver com elas e partir para uma política consistente e conseqüente de redução dos danos das drogas pesadas. E, sobretudo, buscar uma legislação sobre o assunto que atenda às necessidades do país, não tema ousar e seja menos hipócrita.

Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idArea=1&idSubArea=122

terça-feira, 1 de janeiro de 2002

Especial “Maconha”

Janeiro de 2002, TRIP nº 94

1. Descriminalize já!
(Artigo publicado originalmente na TRIP nº 65 - http://www2.uol.com.br/trip/65/GUIMA/HOME.HTM).

Ricardo Guimarães
Ricardo Guimarães, 52 anos, é publicitário e colunista desta revista.

Há 15 anos a TRIP participa ativamente da discussão sobre drogas no Brasil, com reportagens, debates e troca permanente de impressões com leitores, colaboradores e especialistas no assunto. Conclusão? Não faz sentido alguém que fuma maconha ser tratado como criminoso. O texto a seguir, escrito pelo colunista Ricardo Guimarães, resume com exatidão e brilho o que a revista pensa sobre a droga em questão e a questão das drogas. Fazemos nossas as palavras dele.

Sou a favor da descriminalização. E da educação da maconha. Maconha é poder. Poder de alterar. Assim como o álcool que altera seu estado, o trator que altera o solo, o dinheiro que altera sua liberdade e a energia nuclear que altera a vida. Maconha é muito bom, assim como o álcool, o dinheiro, o trator, a energia nuclear e o poder político. São poderes que podem fazer a vida melhor, mais divertida, inteligente e segura. Ou podem acabar com tudo. Por isso, tem que descriminalizar e educar. Como na reforma agrária.

Você já viu um agricultor pobre e ignorante sentado em cima de um trator? Movido pela necessidade de alimentar sua família ele é capaz de heroicamente destruir uma floresta e acabar com um rio que são os obstáculos para ele obter o sustento da família. Eu vi isso e é difícil explicar para ele a burrice e o atraso de vida do que ele estava fazendo. Para ele era progresso. E justo. É isso: põe a maconha na mão de neguinho cheio de insegurança e precisando se afirmar socialmente e veja como ele enfrenta os obstáculos que a vida coloca para ele crescer. Florestas e rios serão destruídos, com certeza. E ele vira um ser devastado.

NÃO DEIXE A VIDA PASSAR

Não tenho compromisso com o mainstream nem com a vanguarda nem com o marginal. Não vejo nada essencialmente diferente em nenhum desses lados mesmo porque não passam de lados da mesma coisa - não são outras coisas. Para mim o burguês-fumando-charuto-tomando-whisky-na-frente-da-TV não é muito diferente do mano-queimando-erva-tomando-cerva-na-frente-do-mar se os dois estiverem igualmente entorpecidos, anestesiados, fazendo hora para essa vida cheia de problemas passar logo. São escolhas. Eu estou fora!

Outra coisa é ver a maconha como uma conquista, um direito. Não uma conquista jurídica, descriminalização - esse é um processo social e tem seu tempo para amadurecer e eu sou todo a favor, já disse. Mas falo do âmbito pessoal, de um recurso a mais que alguém conquistou para usar e se levar a um outro estado. Isto é, precisa ter uma certa maestria, uma certa senioridade para usar a maconha ou qualquer outra droga justamente pelo poder que ela confere ao indivíduo. Quando o cara usa a maconha antes de estar pronto para usufruir tudo que ela pode dar parece que se está colocando um chantili muito bom em cima de um bolo que tiraram do forno antes de assar direito: estraga o bolo e o chantili.

É preciso estar maduro, com trabalho definido, afetividade satisfeita para então a erva ter o efeito de expansão. Antes disso é roubada.

Maconha devia ser prêmio e não meio de vida. Acho uma pena o estrago que a maconha faz na produtividade e na perseverança de algumas pessoas talentosas, assim como acho muito bom o adianto que a maconha faz na cabeça de pessoas que ainda não sacaram o tamanho e a beleza da viagem que temos por fazer. Acho pobre a idealização da maconha e a estética desencanada inconseqüente que ela cria. Essa estética revela uma ética corrompida de não se importar nem se abalar com as coisas mais chatas e difíceis da vida como se fosse possível passar por esta vida com esta insustentável leveza do ser.

A BANDEIRA DA CONSCIÊNCIA

Se tem uma bandeira que vale a pena carregar nesta história não é a da maconha - que até acho legal apoiar para questionar e oxigenar o sistema mas não como causa em si - mas a bandeira da consciência que é uma coisa cada vez mais necessária para que todo esse poder colocado em nossas mãos não destrua nossas cabeças, nossas relações e nosso planeta.

Maconha, trator, dinheiro e energia nuclear corrompem como o poder político. Se o indivíduo não está preparado, é o fim, é a corrupção. Como saber isso antes de experimentar? Infelizmente, acho que não temos alternativa senão correr o risco da experiência. Às vezes, fico querendo ter o poder para alterar o mundo e colocar tudo no seu devido lugar e garantir a evolução sem o risco da devastação. Mas este poder não existe. O que existe é um caminho a caminhar.

MACONHA MATA?
Não há casos na literatura médica de pessoas que morreram por overdose de maconha.

2. Na lata

"Sou a favor da legalização de todas as drogas. Elas devem ser livres e as pessoas adultas devem saber o que querem, podem e devem fazer." (Caetano Veloso, 58, cantor e compositor.)

"Minha posição é que o usuário não deve ter o mesmo tratamento que o traficante. Já fumei maconha e não gostei." (Marta Suplicy, 56, prefeita de São Paulo.)

"Sou contra a legalização de qualquer tipo de droga, mas acho um absurdo a lei considerar o usuário um criminoso." (Turco Loco, 36, deputado estadual pelo PSDB.)

"Adoro maconha. É uma planta sagrada. Proporciona um estado elevado para criar. Maravilhosa na libido. Todos os alucinógenos são tão importantes quanto o computador. Sou pela legalização de todas as drogas, menos o crack." (Zé Celso Martinez, 64, dramaturgo.)

"Sou completamente contra a legalização da maconha. Gostaria que o álcool e cigarro fossem ilegais, mas impor lei criminal ao usuário é uma injustiça e grossa burrice." (Boris Casoy, 60, jornalista.)

MACONHA BROXA?
Não há indícios de que a maconha cause impotência. Sabe-se, contudo, que, na mulher, altas doses de THC desregulam o ciclo ovulatório. No homem, o uso crônico diminui a produção de espermatozóides. Em ambos, o quadro é reversível.

3. Por que é preciso mudar a lei

André Viana

Sabe qual a diferença entre o usuário e o traficante de drogas? Praticamente nenhuma, de acordo com a ultrapassada lei brasileira. Enquanto isso, um baseado pode render dois anos de cadeia.

Dois meia quatro é o número do flagrante de Paulo Roberto Lisboa Gouvêa Júnior, 30 anos, brasileiro, branco, natural do Rio de Janeiro, fotógrafo, estudante de jornalismo. Crime: portava maconha. Foi há cinco anos. Paulo comemorava aniversário num bar do Baixo Gávea, zona sul carioca. De um amigo, como presente, ganhou um baseado. Foi assim: Quando se preparava para ir embora, dois policiais o pararam, impondo revista. No instinto, tentou sumir com a prova - "Um deles", conta, "botou o cano na minha cara e gritava para eu não engolir". Paulo foi carimbado no artigo 16 da lei de entorpecentes, que classifica o porte. Como pena, a obrigação de comparecer mensalmente, pelos dois anos seguintes, diante de um juiz.

De passagem marcada para estudar nos Estados Unidos, Paulo conseguiu liberação para viajar. Assim passaram-se dois anos. Nesse tempo, recebeu nova convocação judicial. Tentaram encontrá-lo, mas foi em vão. De regresso ao cotidiano carioca, Paulo não imaginou ter, em suas costas, um mandado de prisão. No início deste ano, no embarque para um trabalho fotográfico na Irlanda, recebeu voz: "'Você está preso!', berrou o agente da Polícia Federal na minha cara", recorda, traumatizado. Por três dias, Paulo ficou trancafiado numa cela da Polinter com outros quarenta, até ser solto por um advogado. "Logo que saí da cadeia, fiquei dois dias com febre e dor em tudo", revela. "Ainda estou assustado."

MACONHA E HAXIXE SÃO A MESMA COISA? E SKANK?
O haxixe e a maconha derivam da mesma planta, a Cannabis sativa. A maconha é extraída da folha, e o haxixe é produzido a partir da seiva extraída do caule - e tem o dobro de concentração de THC. O skank é uma variação criada em laboratório para ter concentração ainda maior de THC.

4. Não existe droga leve

Ronaldo Laranjeira, psiquiatra e coordenador do Proad (Programa de Orientação e Assistência a Dependentes, da Escola Paulista de Medicina), afirma em entrevista a Drauzio Varella que a erva já não é tão natural e pode lhe prejudicar. Os altos níveis de THC produzidos em laboratório são capazes de viciar, dispara.

"Existe, no cérebro, uma área conhecida como 'sistema de recompensa cerebral', responsável por toda espécie de prazer que a gente tem: sexo, comida, o sol que a gente sente quando sai na rua. As drogas agem nesse fim comum. Cigarro, maconha, cocaína, heroína ou crack, todas pervertem nosso sistema natural de recompensa, e a pessoa passa a dar preferência ao prazer artificial da droga, colocando outras fontes de prazer de lado." (Ronaldo Laranjeira)

"Sim, mas quase todo mundo usa álcool de vez em quando. E tem quem fume maconha ou cheire cocaína esporadicamente. Entretanto, existe o sujeito que fuma crack o dia inteiro e acaba com sua vida. O que faz uns se viciarem e outros não?" (Drauzio Varella)

"Uns são mais tolerantes aos sintomas de abstinência do que outros. Isso é um processo que depende muitas vezes do modo como essa pessoa começou a usar a droga. Maconha, por exemplo. As evidências mostram que, quanto mais cedo a pessoa fumar, maiores são as chances de ele ficar dependente. Porque o cérebro de um garoto dessa idade ainda está em formação. Não bastasse isso, a concentração de THC, o princípio ativo da maconha, aumentou muito nos últimos anos. Na década de 60, era de 0,5%. Hoje, é de 5%, em média. Por esses motivos é que há, hoje, mais uso compulsivo de maconha." (Laranjeira)

TH QUEM?
THC são as iniciais de tetrahidrocanabinol, substância ativa encontrada na maconha. Ela age aderindo a proteínas da superfície das células do cérebro chamadas receptores de canabinóides e atua em regiões cerebrais relacionadas à memória, aos sentidos, à capacidade de aprender e à sensação de equilíbrio.

5. Sou viciado em maconha

Fernando Costa Netto

Paciente do Ambulatório da Maconha, a primeira clínica especializada no tratamento de dependentes da droga no Brasil, revela a dificuldade em parar de fumar um, dois, três…

"Tenho insônia e tomo antidepressivos" (M., 15 anos, estudante)

"Acordava às 6h30 para ir à escola. Antes da aula, fumava o primeiro. Na hora do intervalo, mais um. E depois da escola, a tarde inteira e à noite. Comecei a fumar maconha aos 12 anos. Fumava 10, 12 baseados por dia e não estudava (parei no primeiro colegial). Minha mãe descobriu no ano passado. A gente conversou e ela pensou que eu fosse parar. Continuei, a gente brigou e fui morar com uma amiga. Voltei pra casa na condição de procurar tratamento. Tem sido difícil. Sinto falta de maconha. Tenho insônia, tomo antidepressivos. Sinto saudade da vida que levava. Passo o dia em casa. Se sair, não agüento, procuro os amigos e aí… Quero uma vida normal."

O Ambulatório da Maconha funciona à rua Botucatu, 394, na Vila Clementina, em São Paulo. O telefone é 11 5575 1708

A maconha é, hoje, a droga ilícita mais tolerada no Brasil. Seu consumo quadruplicou na última década. Estima-se que existam, atualmente, cerca de 5 milhões de usuários no país.

Outra pesquisa mostrou que quase 20% dos jovens cariocas entre 14 e 20 anos provenientes das classes A e B têm ou já tiveram contato com maconha. Entre os jovens das classes C, D e E, o número não chega aos 10%.

6. Conheça seus direitos

Enquanto o novo projeto de lei sobre drogas é apreciado pelo Senado, saiba como agir de for apanhado pela polícia com maconha.

Pela lei, o que diferencia o usuário do traficante é a intenção, além da quantidade de droga apreendida. De modo geral, configura-se tráfico quando a pessoa pretende dar ou vender a droga para outra pessoa, seja um grama, seja uma tonelada. É o delegado de polícia, a quem a ocorrência for apresentada, quem decidirá se seu caso encaixa-se no artigo 12 (tráfico) ou o artigo 16 (porte) da Lei de Entorpecentes (lei no 6368/76). Há casos em que o usuário foi enquadrado como traficante porque deu ou iria dar pequena quantidade de droga, mesmo um baseado, para um amigo.

Se você for surpreendido com droga, vai receber voz de prisão em flagrante delito. Seja educado com as autoridades. Se a lei for cumprida, você será encaminhado à DP mais próxima, onde um delegado de polícia analisará o caso e, provavelmente, iniciará um procedimento chamado "Auto de Prisão em Flagrante". Caso não tenha condenações anteriores por outros crimes e seja autuado como usuário de drogas, pagará uma fiança entre R$ 14,83 e R$ 148,30. É o início de um processo que poderá culminar numa pena que varia de seis meses a dois anos de detenção.

Se tudo correr bem e você for enquadrado como usuário, sendo réu primário, dificilmente irá para a prisão. Com o advento da Lei nº 9099/95, caso você se enquadre nas exigências legais, o processo poderá ficar suspenso por dois anos. Nesse tempo, você será obrigado a comparecer mensalmente à presença de um juiz e a cumprir algumas exigências - tais como proibição de freqüentar determinados locais e de ausentar-se do distrito onde mora sem autorização judicial. Ao final de dois anos, caso não seja condenado por outro crime e atenda às exigências do juiz, você voltará à condição de "primário".

O artigo 16, que classifica o usuário, define como crime apenas três ações: "Adquirir, guardar ou trazer consigo". Caso você já tenha consumido a droga e não haja resquícios, o crime foi cometido, embora seja mais difícil conseguir a prova técnica. Caso haja suspeita de posse de entorpecente, a lei autoriza a polícia a revistar você, seu carro, ou seus pertences. O DENARC aconselha que você acompanhe a ação. Já na sua casa, a polícia só estará autorizada por lei a efetivar uma busca se houver certeza da existência de entorpecente ou com mandado judicial.

Atenção: aquela inofensiva muda de maconha para consumo próprio pode transformar você em traficante (já que, pelo inciso II, parágrafo 1º do artigo 12, "quem semeia, cultiva ou faz colheita de plantas destinadas à preparação de entorpecente" incorre nas penas do crime de tráfico de drogas). Aí, a história se complica, pois você não terá direito à fiança e poderá pegar de 3 a 15 anos de reclusão - e, até provar a sua "boa" intenção, poderá passar algum tempo em cana.

Fonte: http://www2.uol.com.br/trip/94/maconha/01.htm
 

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