quinta-feira, 2 de maio de 1996

Estamos lúcidos, acreditem.

2 de maio de 1996, Folha de S. Paulo
http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idSubArea=74&idArea=1&idArtigo=169


Fernando Gabeira

A plantação de cânhamo passou a ser uma decisão estratégica para a sociedade sustentável. Ele serve para quase tudo, não depende de agrotóxicos e é renovável.

O grande impulso industrial que está se articulando em torno dele divide os empresários. Afinal cânhamo e maconha são quase a mesma coisa, diferem apenas na presença de um principio ativo conhecido como THC.

Um grupo de empresários, a maioria deles, acha que deve ser feita sempre uma distinção clara. Quanto mais distante os produtores de cânhamo ficarem da luta pela liberação da maconha, mais serão respeitados, melhores negócios vão surgir numa área tão promissora quanto foi a do petróleo e seus derivados.

Aliás, foi a indústria do petróleo que sufocou a do cânhamo, quando havia uma certa fascinação pelos produtos sintéticos. Ford chegou a fazer um carro de carroceria de cânhamo e tocado com óleo produzido pela semente da planta.

Outro grupo de empresários (estou falando sempre de estrangeiros) acha que se não houver liberação da maconha, a plantação de cânhamo será tão rigidamente controlada pelo governo que acabará impondo a lentidão burocrática à intensa dinâmica interna desse setor da produção. No Canadá, por exemplo, de 400 pedidos de licença, apenas 20 foram concedidos aos fazendeiros que queriam plantar.

Finalmente, um terceiro grupo, Adidas, Guess, multinacionais que podem produzir tênis, jeans e outros produtos do cânhamo, não ignora que a associação do cânhamo com a maconha adere uma espécie de charme cosmopolita ao produto. Mas recusam qualquer referência explícita a esse enlace. Uma empresa americana que resolveu lançar um modelo do tênis com uma alusão explícita experimentou um grande fracasso comercial.

Nos casos mais sofisticados, não é a produção industrial que estimula o uso da maconha, mas sim o inverso: a aura positiva que ela desfruta em alguns setores, estende-se para o produto.

Nas plantações para a fibra, informam os alemães da DBS, as plantas estão muito próximas e são cortadas antes de darem sementes. Não é possível infiltrar maconha entre o cânhamo, exceto nas plantações destinadas a produzir o óleo.

No Brasil, o ideal era que um deputado circunspeto falasse do cânhamo e outro falasse da maconha. Não existe ninguém com esse perfil e uma questão econômica estratégica acabou se entrelaçando com a luta pelas liberdades individuais.

A maioria das pessoas acha que a teorização sobre a produção industrial é apenas um álibi para liberar a maconha num futuro próximo. É razoável que pensem assim, pois desconhecem a gigantesca dimensão econômica.

Outras desconfiam também que os produtos industriais serão dissolvidos para que os fumantes o consumam em forma de baseado. Imaginem que dor de cabeça e frustração não teriam.

Essa pergunta é interessante porque reflete o curso histórico e coloca diante de nós seu patético conteúdo: é possível deter a marcha do desenvolvimento sustentável cujo produto mais rico é o cânhamo, só para evitar que as pessoas fumem seu baseado?

Nos anos 40, os americanos resolveram bloquear toda uma área da economia escrita em papel de cânhamo porque o hemp (cânhamo) poderia favorecer a marijuana (maconha). Mas durante a guerra fizeram a campanha Hemp For Victory para garantir o uniforme dos soldados. O cânhamo volta pela Europa e ninguém mais pode bani-lo do mapa, pois existe desde os tempos bíblicos e a tudo resistiu, inclusive à insensatez humana.

O que fazer agora que o petróleo está acabado, que tememos o efeito estufa, e milhões de habitantes do planeta desejam um futuro mais limpo e seguro para as novas gerações?

Respeito muito a Polícia Federal, mas temo que ela não tenha alternativa para isto.
 

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