quinta-feira, 29 de novembro de 2001

Pesquisa da maconha é retomada depois de duas décadas

29 de novembro de 2001, The New York Times

Philip J. Hilts
Tradução de George El Khouri Andolfato.

A retomada da pesquisa sobre os usos medicinais da maconha está programada para o início do próximo ano, após duas décadas, com a aprovação por parte do governo de novas experiências para avaliar se fumá-la pode ajudar pacientes com esclerose múltipla ou que sofrem dores nos membros em conseqüência da AIDS.

A nova aprovação, concedida em 28 de novembro pela Drug Enforcement Administration (DEA), a agência americana de combate às drogas, não autoriza aos médicos a prescreverem maconha aos seus pacientes como tratamento; ela apenas autoriza o uso limitado em experiências científicas. Em alguns estados, a lei estadual permite aos médicos prescreverem ou recomendarem a maconha, mas a lei federal proíbe a prática, mesmo nestes estados.

A DEA aprovou duas experiências no final do mês passado, e espera aprovar uma terceira em breve. Autoridades da agência disseram que as aprovações não representam uma mudança de política, já que as experiências para o descobrimento de usos medicinais para a maconha nunca foram proibidas. O que aconteceu, disse Terry Woodworth, vice-diretor de controle, é que os cientistas e órgãos públicos que financiam pesquisas mudaram sua posição em relação ao valor de tais experiências.

Mas Paul Armentano, porta-voz da National Organization for the Reform of Marijuana Laws (NORML, Organização Nacional para Reforma das Leis para Maconha), disse que as aprovações "encerraram duas décadas de proibição federal à pesquisa médica da maconha".

"Ainda não é muita coisa", acrescentou Armentano, "mas é um reconhecimento por parte do governo federal de que não se pode impedir o avanço dos trabalhos".

As experiências com maconha exigem a aprovação de várias agências federais; a aprovação da DEA é a última, a que fornece a licença para os pesquisadores.

As duas experiências que já receberam a aprovação, a terceira que deve recebê-la em breve e outras oito, que no momento estão seguindo os trâmites legais estaduais e federais para aprovação, estão todas programadas para ocorrer na Califórnia e têm sido financiadas pelo Centro para Pesquisa Medicinal de Cannabis da Universidade da Califórnia.

Um dos dois estudos já aprovados tratará de pacientes com esclerose múltipla. Alguns dos pacientes dizem que têm rigidez muscular que não é aliviada eficazmente por outras drogas, e de qualquer forma tais medicamentos possuem efeitos colaterais indesejados. A Drª. Jody Corey-Bloom, que conduzirá o estudo na Universidade da Califórnia em San Diego, cita relatos de que a maconha pode aliviar a dor muscular e a rigidez.

Em outro estudo aprovado, também no campus de San Diego, o Dr. Ronald Ellis tentará determinar se a maconha pode aliviar a dor nas mãos e nos pés, conhecida como neuropatia periférica, que às vezes afeta pacientes com HIV.

O Dr. Donald Abrams também estudará a condição na Universidade da Califórnia em São Francisco, em uma experiência que deverá ser aprovada em breve.

Abrams, que há muito tempo busca realizar estudos com a maconha em pacientes de AIDS, disse que entre os fatores mais importantes que contribuíram para a obtenção da aprovação foram os plebiscitos de cinco anos atrás, nos quais os eleitores da Califórnia e do Arizona transformaram em lei estadual a permissão para doentes utilizarem a maconha no tratamento de suas enfermidades.

Após tais propostas terem sido aprovadas, os comitês científicos governamentais do Instituto de Medicina e dos Institutos Nacionais de Saúde informaram que havia pouca evidência de que a maconha tinha utilidade medicinal, mas que estudos rigorosos seriam válidos.

As futuras experiências compararão os efeitos dos cigarros de maconha com os efeitos de cigarros de placebo (nos quais os ingredientes ativos da maconha serão removidos).

Os cigarros de maconha virão de uma plantação da Universidade do Mississipi com a autorização do Instituto Nacional de Abuso de Drogas, disse Richard Doblin, presidente da Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies (Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos), um grupo que defende a pesquisa de usos medicinais de drogas psicoativas. Ele disse que um problema com a nova pesquisa é o fato da maconha do Mississipi ter uma potência muito baixa, um fator que poderá comprometer os efeitos medicinais.

O Marinol, um medicamento aprovado para venda sob prescrição médica que está disponível há anos, contém um ingrediente ativo da maconha. Mas pesquisadores dizem que as plantas naturais contêm muitos agentes psicoativos que não estão presentes no produto comercial. Além disso, disse Abrams, leva horas para que os efeitos das cápsulas possam ser sentidos, enquanto o fumar da maconha produz efeitos em questão de minutos; logo, a cápsula pode não ser a melhor forma de ministrar o medicamento.

Experiências no uso da maconha como estimulante de apetite e na prevenção da náusea foram realizadas nos Estados Unidos até o início dos anos 80. Depois disso, disse Doblin, posições desaprovadoras do governo federal e em agências de pesquisa levaram os cientistas a acreditar que os financiamentos para estudos medicinais da maconha seriam difíceis de serem obtidos.

Mas após os plebiscitos na Califórnia e no Arizona em 1996, a questão passou a ser se o uso médico poderia ser apoiado por evidências científicas.

Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idArea=1&idSubArea=121

domingo, 25 de novembro de 2001

Um tapa na cara

25 de novembro de 2001, Correio Braziliense

Quem fuma um “baseado” começa a conquistar o perdão da sociedade. Pode dar barato. Pode parecer saudável porque é natural. Mas a Cannabis sativa prejudica o organismo e pode, sim, viciar e causar doenças como câncer.

Guaíra Flor, Rodrigo Caetano e Cristiana Felippe
Colaboraram na reportagem Noéli Nobre, Daniela Guima e Lílian Tahan.

Maconheiro é aquela figura com cara de lerdo, que não fala nada com nada e anda largado pela rua. Ou será uma pessoa comum, que trabalha, estuda e fuma a erva apenas para relaxar? Gente como a apresentadora Sonia Francine, a Soninha, 34 anos. Com cara de menina, ela esbanja competência e conduzia com habilidade um programa de debates para jovens, na TV Cultura. Mas foi demitida, segunda-feira, porque admitiu publicamente fumar maconha. Hipocrisia da chefia, ou reação justa contra uma funcionária que faz uso de droga ilegal?

Durante toda a semana, políticos, médicos e toxicologistas discutiram o assunto. Alguns acham absurdo punir alguém por fumar um “baseado”. “A TV Cultura se comportou como um brucutu”, acusa o deputado Fernando Gabeira (PT-RJ). Outros consideram o castigo muito justo. “Ela foi bode-expiatório, mas uma pessoa que trabalha com jovens não deveria dar uma declaração dessas”, pondera Otávio Brasil, toxicologista de Brasília.

Independente da posição de cada um, a verdade é: a imagem que o brasileiro faz do usuário de maconha mudou. Não dá mais para fingir que só doidão fuma beque. Muitos de nossos vizinhos, parentes e amigos usam a Cannabis sativa. Jovens de 12, 13 anos, já experimentaram. Ou tiveram a possibilidade de fazê-lo.

Embora a sociedade possa perdoar quem fuma maconha, isso não absolve a droga dos males que provoca. Segundo estudos da Organização Mundial da Saúde, 10% dos acidentes de carro estão ligados ao uso da droga. Depois de “fumar unzinho”, a pessoa perde a concentração e fica com os reflexos prejudicados. Em longo prazo, os efeitos são piores. Quem é chegado a um baseado pode ficar estéril; ter câncer de pulmão (os níveis de nicotina da maconha são altíssimos), além de problemas de memória.

Mas falar sobre os efeitos negativos da Cannabis é o mesmo que dizer que cigarro mata. Quem fuma, está cansado de saber. Só não consegue - ou não quer - parar. “Um dependente de maconha, por definição, é uma pessoa doente”, explica o psiquiatra Dartiu Xavier, do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas (Cebrid). “Eles precisam de tratamento, não de castigo.”

Crime

Hoje, quem for pego com um cigarro de maconha pode acabar na cadeia por até dois anos. Quase o mesmo que um traficante preso pela primeira vez. Mas essa história tende a mudar. Na próxima terça-feira, o Senado vota projeto de lei que acaba com essa disparidade. Quem for usuário da droga, cumprirá penas alternativas, como serviços comunitários e multas.

Segundo o senador Romeu Tuma (PFL-SP), a nova lei não descriminalizará a maconha. Apenas punirá, da maneira correta, quem for pego com a droga. “Se colocarmos o usuário na cadeia, aí sim ele se tornará um marginal”, argumenta.

O projeto também prevê que o usuário tenha direito a um tratamento de desintoxicação em clínicas especializadas. Além de receber apoio psicológico. Maconha causa dependência física e psíquica. Isso mesmo. O papo de que “erva natural não pode prejudicar” é bobagem. Existem usuários ocasionais, que fumam um baseado a cada vinte dias. Mas pelo menos 10% das pessoas adeptas a um “cigarrinho” se tornam dependentes. São aqueles que vendem o relógio para comprar maconha e não ficam um dia sem dar um tapinha.

Outros, apesar de não dependentes, desenvolvem distúrbios de personalidade, como a síndrome de pânico. “Alguns dos nossos pacientes chegam aqui totalmente paranóicos e têm de ficar internados até se desintoxicar”, conta a psiquiatra Ana Cecília Marx, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Para os moradores do Distrito Federal, um alerta: a maconha vendida na cidade é ainda pior. Motivo? Ela vem em pedra e não é pura. “Para conseguir essa consistência, os traficantes misturam a Cannabis com merla”, explica Otávio Brasil. A merla é um subproduto da cocaína dissolvida em acetona, querosene, amônia e ácido de bateria. Pode levar o usuário a desmaiar, ter parada cardíaca, rompimento de aneurisma cerebral e até câncer de medula.

Apesar de todos os problemas, ninguém morre de overdose de baseado. “O maior problema da droga não é matar, é destruir a vida de quem usa”, diz o médico Valdi Craveiro, coordenador do Adolescentro - um Centro de Saúde especializado no tratamento de adolescentes. Segundo Valdi, depois de fumar maconha, perde-se completamente o controle dos próprios atos. “A sensação de relaxamento é tanta, que o usuário acha que todo mundo é legal”, afirma. “Por isso, se alguém quiser lhe fazer mal, vai conseguir.”

A estudante K. C., 17 anos, passou por isso. “Eu me deixei estuprar porque estava doidona”, conta. K. Na época com 15 anos, foi a uma festa onde fumou maconha e bebeu álcool. Um rapaz, que ela não conhecia direito, se aproveitou da situação para manter relações com ela. Em um banheiro, sem camisinha. “Eu nem me lembrei do que aconteceu no dia seguinte. Soube de tudo por umas amigas. Depois disso, nunca mais usei maconha.”

O real efeito

O vício da maconha é mais psicológico que químico. Mas o hábito de fumar a Cannabis prejudica o organismo desde a boca até os pulmões. O relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) é o mais completo já feito no mundo. Veja todos os males - comprovados cientificamente - que a droga provoca:

● Dependência - Há evidência de que o usuário freqüente pode perder o controle sobre a droga. O risco de dependência é maior entre os que têm histórico de uso diário. Estima-se que cerca de 50% dos que fumam diariamente a droga se tornarão dependentes. O vício está muito ligado à personalidade de quem fuma. Os mais desmotivados, depressivos ou com baixa auto-estima tornam-se mais vulneráveis ao vício.

● Mais pesadas - É verdade. Meninos e meninas em todo o mundo têm seguido a trilha de partir para experiências mais “alucinantes”. “Nota-se que a experiência com a Cannabis precede o interesse por outras substâncias”, consta no documento da OMS. São as colas de sapateiro, as anfetaminas, a cocaína e a heroína.

ATENÇÃO: Isso não quer dizer que a culpa seja da maconha. O hábito de recorrer à maconha pode estar relacionado a problemas de personalidade ou dificuldades familiares. A busca por outras drogas também pode ter como raiz os mesmos problemas.

● Comportamento - Muda a personalidade depois de cerca de 30 minutos do primeiro trago. Também leva à perda da noção do tempo, ansiedade, tensão, confusão e sensação de estar “alto”, entorpecido.

● Aprendizado - A Cannabis afeta a memória de várias maneiras. A lembrança livre de questões aprendidas é prejudicada quando a droga está presente durante o aprendizado ou durante a tentativa de recordação. A maconha prejudica todas as formas de aprendizado, inclusive os processos associativos e o desempenho psicomotor. As únicas áreas não afetadas são a imaginação e o vocabulário.

● Apetite - Maconha leva ao aumento de consumo de alimentos, especialmente aqueles com alto teor de carboidrato. O curioso é que não se descobriu nenhuma pesquisa que comprove que a droga aumenta o apetite. Até os pesquisadores estranharam a dissociação entre o apetite e o consumo de alimentos.

● Direção - Entre os comportamentos em que o efeito da maconha é especialmente grave está a habilidade de dirigir e manipular máquinas pesadas. Num estudo de fatalidades com rapazes na Califórnia, foi encontrado um índice de 37% de amostras que confirmavam o uso da droga. O risco aumenta quando há associação com álcool. A substância retarda o momento da freada e as reações a luzes vermelhas e outros sinais de perigo.

● Esquizofrenia - É nítida a associação entre o uso da Cannabis e a esquizofrenia. O que não é certo é se a droga provoca o surgimento da doença ou se acelera sua manifestação - ela aconteceria de todo jeito, mas a maconha antecipa o momento.

● Hormônios - Não há comprovação de que o THC reduz os níveis de testosterona nos homens. Nas mulheres, porém, é certo que os ciclos menstruais ficam mais curtos.

● Pulmões - O efeito sobre o aparelho respiratório está mais do que comprovado. Aparecem lesões na traquéia, nos brônquios e, em menor intensidade, em algumas células de defesa do organismo.

● Gravidez - Usar a droga antes ou durante a gestação pode deixar as crianças mais suscetíveis a certos tipos raros de câncer, como a leucemia não-linfoblástica (que contamina o sangue) e o rabdomiosarcoma, que ataca o tecido nervoso. Os futuros bebês também nascem com peso abaixo do normal.

Por onde anda a droga no organismo


Editoria de Arte: Gabriel Góes

Sem servir de exemplo


Sônia Francine (Soninha):
“Fumar maconha é crime; eu nunca compro.”

São Paulo - A vida da apresentadora Sônia Francine, de 34 anos, deu uma reviravolta depois que ela declarou à revista Época que fuma maconha. Foi demitida da TV Cultura e poderá ser investigada pela Justiça. Soninha continua trabalhando em outros três veículos de comunicação. Em entrevista ao Correio, admite que ficaria preocupada se suas filhas usassem a droga.

Cristiana Felippe (Correio Braziliense) - Você perdeu o emprego porque afirmou para a revista Época que fuma maconha. Se pudesse voltar no tempo faria alguma coisa diferente?

Soninha Francine - Sim. Acho importante o diálogo sobre descriminalizar a maconha, por isso não me arrependo do que disse. O maior problema é deturpar o sentido da discussão. Mas, se eu soubesse que minha imagem iria aparecer estampada na capa e nos outdoors, como se fosse anúncio, eu não teria aceitado tirar foto. Só me arrependi de não ter me informado a respeito do que seria feito com a minha fotografia.

Cristiana Felippe (Correio Braziliense) - Como jornalista, você não sabia que esse assunto é delicado e que eles poderiam usar a sua foto para a capa?

Soninha Francine - Eles me avisaram apenas que a matéria poderia ser capa, mas não me disseram que minha foto seria estampada nela e com aquela chamada. Já tenho advogado e vou processar a revista, porque eles usaram indevidamente a minha imagem sem autorização.

Cristiana Felippe (Correio Braziliense) - Você acha que faria alguma diferença se você não estivesse na capa? Em nenhum momento passou pela sua cabeça que você poderia ser demitida de uma TV educativa por admitir que fuma maconha?

Soninha Francine - Acho que daria problema de qualquer jeito, mas não pensei que seria assim. Se minha imagem não estivesse nas ruas, a reação não ia ser tão abrupta. É uma grande bobagem eles pensarem que não daria mais para defender a qualidade da programação depois da entrevista. Não estava induzindo os jovens a fumar, apenas discutindo o assunto. Antes, já havia conduzido vários debates polêmicos, inclusive sobre drogas. Mas mesmo que a Cultura me obrigasse a falar no ar sobre a matéria eu não ia voltar atrás na minha opinião.

Cristiana Felippe (Correio Braziliense) - O que o seu marido achou do seu depoimento?

Soninha Francine - Ele não sabia que eu tinha dado essa entrevista, porque estava viajando e foi pego de surpresa. Quando voltou de viagem ficou contente de ver minha foto estampada nos outdoors, mas levou um susto logo que viu a frase ao lado. Acho que ele engoliu a seco e resolveu não comentar nada naquele momento para poder pensar melhor e conversarmos depois. Mas, nós nos damos muito bem e ele já sabe que sou polêmica. Quando luto por uma causa que acredito sou meio maluca.

Cristiana Felippe (Correio Braziliense) - Suas filhas adolescentes (15 e 17 anos) também ficaram espantadas? Elas já sabiam que você fumava?

Soninha Francine - Minhas filhas não tiveram essa reação porque tomei o cuidado de lhes contar antes da matéria ser publicada. As duas já sabiam que eu fumava, porque conversávamos sobre isso. Elas me disseram que isso daria muito que falar, mas aceitaram a minha decisão. No colégio onde elas estudam, está todo mundo muito curioso. Alguns colegas comentam a matéria, mas elas não dão abertura para eles falarem muito disso.

Cristiana Felippe (Correio Braziliense) - E com a sua mãe, você já tinha conversado sobre maconha?

Soninha Francine - Nunca, e não sabia como ela ia reagir. Como estava muito ocupada essa semana dando entrevistas, demorei a falar com minha mãe. Ela é professora de inglês e quando veio me visitar em casa disse que os alunos da sua escola mandavam abraços. O tema virou debate no local. Fiquei contente com isso.

Cristiana Felippe (Correio Braziliense) - Você deixaria suas filhas usarem maconha?

Soninha Francine - Elas não gostam disso, acham chato até quem bebe demais. Mas se quisessem usar eu ficaria preocupada. Fumar maconha hoje é crime e a polícia poderia pegá-las. Elas poderiam responder processo e até apanhar dos policiais. Além disso, quem vende hoje a droga é bandido. Ficaria preocupada em saber onde elas estão fumando.

Cristiana Felippe (Correio Braziliense) - Não é meio esquisito você dizer que ficaria preocupada se fosse com suas filhas, sendo que você fuma a droga vendida pelos traficantes?

Soninha Francine - É… Essa é uma contradição na minha vida. Não tenho coragem de comprar a droga. Eu fumo apenas se alguém me oferece. Sei que, de qualquer forma, estou consumindo o que eles vendem, mas não tenho nunca em casa, a menos que algum amigo me dê.

Cristiana Felippe (Correio Braziliense) - Com que freqüência você fuma? Todos os dias?

Soninha Francine - Não, fumo muito pouco. Apenas em festas ou casa de amigos.

Cristiana Felippe (Correio Braziliense) - Você conhece os efeitos da droga no organismo?

Soninha Francine - Conheço, mas acho que nem os médicos sabem direito. Sei que a maconha tem maior potencial cancerígeno que o cigarro, mas ninguém fuma tanta maconha quanto cigarro.

Cristiana Felippe (Correio Braziliense) - Por que mesmo assim você fuma?

Soninha Francine - Gosto do efeito da maconha, me dá uma sensação relaxante e não uso para trabalhar ou antes de dirigir. Acho que a sociedade superestima os efeitos da maconha. A pessoa só vai para o caminho errado se for desajustada.

Cristiana Felippe (Correio Braziliense) - Você afirmou que não precisaria passar por um tratamento médico porque não é dependente de maconha? Então o que é ser viciado?

Soninha Francine - Considero dependente o cara que não consegue viver sem a droga. Ele fuma no trabalho, antes de dirigir, para descansar e não consegue mais se divertir sem isso. Se ele está deixando a droga prejudicar sua vida, já virou doença. Defendo a descriminalização, porque assim os dependentes não teriam vergonha de procurar ajuda.

O ponto de vista de quem fuma

A reportagem do Correio colheu o depoimento de 20 jovens usuários de maconha no Distrito Federal. Foram selecionadas cinco das entrevistas que traduzem, nas palavras dos próprios jovens, os porquês de fazer uso da maconha. Prazer e depressão, liberdade e dependência, sentimentos que se confundem nas histórias de vida dessas pessoas. A psiquiatra e toxicologista do Centro de Dependência Química do Hospital Parque Belém em Porto Alegre, Márcia Surdo Pereira, analisa cada um dos depoimentos.

Depoimento 1 (T. F. S., 18 anos, estudante): “Comecei a fumar maconha por curiosidade há quatro anos atrás. Eu gosto de curtir uma onda quando não tenho nada para fazer. O problema é que fico com o raciocínio lento e acabo me atrapalhando todo depois de puxar um baseado. Não consigo, por exemplo, jogar futebol porque a mente não comanda o corpo. Em compensação, a erva me traz uma paz espiritual incrível, por isso não quero parar. Não me considero viciado, porque controlo a minha vontade. Mas se um dia eu quiser largar a maconha e não conseguir, pedirei ajuda.”

Análise 1: Pessoas que se sentem ansiosas, sem paz espiritual, com timidez em excesso ou impulsivas demais podem procurar ajuda, que não o uso de drogas como automedicação. O adolescente deve se conscientizar e parar com a velha história de que “todo mundo usa” e também de “eu paro quando quiser”.

Depoimento 2 (C. P. C., 16 anos, estudante): “Aos 12 anos, estava a fim de ser da roda de algumas pessoas que usavam drogas e acabei me influenciando. Quando você entra para a turma acontece uma coisa engraçada: seus amigos gostam de você, mas a sociedade te recrimina. No começo nem dei idéia, mas a coisa foi ficando mais pesada, matava aula para fumar, cheirar ou beber com os amigos (de segunda a segunda) até que os meus pais perceberam e eu fui internada na clínica de recuperação Vila Harmonia em Minas Gerais. Sabia que precisava do tratamento e estava cansada do excesso de drogas. Passei um mês tomando remédios e aprendi muitas coisas. As coisas têm limite e a disciplina dá uma certa liberdade.”

Análise 2: O que faz o jovem usar drogas é a pressão do grupo, acesso fácil, curiosidade e desinformação. Nesses casos, os pais têm que ficar atentos para perceber que alguma coisa não vai bem com o filho. Ele deixa claro que está com problemas quando começa a faltar aulas compulsivamente, pedir várias vezes dinheiro emprestado e principalmente quando muda drasticamente o humor.

Depoimento 3 (R. C., 21 anos, estudante): “Fumo para trabalhar, estudar, transar… Isso não quer dizer que fico incapacitado se não tiver com um baseado. O fato é que prefiro não estar de cara (lúcido). Comecei com dez anos por influência de um namorado da minha irmã. Logo, experimentei cocaína e passei a beber muito. É difícil ficar só na maconha porque ela abre portas e contatos para o mundo das drogas mais pesadas. Muitas vezes, tive que sair carregado dos lugares porque tem horas que rola um branco geral. O que me fez tentar parar foi a chegada do meu filho, que tem um ano e meio. Se eu puder evitar que ele experimente eu farei, mas não posso recriminá-lo se ele quiser usar. Vou ter um papo sério tentando mostrar o que faz bem e o mal.”

Análise 3: O único motivo pelo qual a maconha é considerada uma droga leve é o fato de ela, diferente de outras drogas, não deixar seqüelas maiores após certo período de interrupção. Mas ao pensar naquele jovem que, após fazer um único experimento de maconha, sofreu um acidente e morreu no trânsito por estar com seus reflexos diminuídos, não se pode considerar a maconha uma droga leve.

Depoimento 4 (R. C., 27 anos, funcionária pública): “Fumo desde moleca porque meus pais eram ripongas e nunca esquentaram. Mas não considero isso uma vantagem. Não tinha ninguém para me dizer que a maconha poderia me fazer mal; pelo contrário, encontrava consentimento justamente em casa. Por isso, acho errado esse papo de querer legalizar a maconha. A maconha é o primeiro passo para as drogas mais pesadas. Cheguei a tomar cocaína na veia. Tem horas que o barato compensa. O problema é quando você tem outras responsabilidades - eu tenho dois filhos - e não consegue largar o vício. Várias vezes arrumei atestado no trabalho para ficar me drogando em casa…”

Análise 4: O uso freqüente da maconha pode fazer com que a pessoa abdique de situações que seriam desejáveis para ela, como namorar, ir ao cinema, estudar, divertir-se e fazer contato social. A maconha pode provocar no adolescente a Síndrome Amotivacional, o que prefiro chamar de a Síndrome do Bundão.

Depoimento 5 (J. P. F., 26 anos, estudante universitário): “Eu fumo maconha porque é um fator altamente socializante e agregador. Além do mais alivia a minha raiva e o estresse. As pessoas fumam com a intenção de celebrar alguma coisa, o que faz ser um momento agradável. Mas com a família o processo é inverso. Tende a arranhar o relacionamento em casa, principalmente se os pais são conservadores. Mas o maior problema é que muita gente acaba usando mais que o previsto por impulso e a leseira que a maconha dá não combina com trabalho que pede concentração.”

Análise 5: O uso continuado da maconha leva a uma diminuição daquelas boas sensações de paz e relaxamento e aumento da sensibilidade obtidos inicialmente. Assim é preciso aumentar a quantidade cada vez mais. Nesse caso, não se fala mais em prazer, mas sim em necessidade (vício = dependência).

Quem se deu mal

Caso 1 (E. H. D., 15 anos, ex-usuário, estudante): “Meu primeiro baseado foi aos 11 anos, na escola. Um amigo ofereceu e eu aceitei. Nunca ninguém da minha família tinha falado que droga fazia mal. Mas eu gostei da experiência de fumar o baseado: tive alucinações, vi pessoas na minha frente. Naquela época, eu trabalhava como jornaleiro em Campo Grande (MS) e fumava mais nos fins de semana. Fumava com os amigos. Só que a maconha foi o primeiro passo para outras drogas. Um belo dia, eu cheirei cocaína e foi isso principalmente que me fez afundar. Virei traficante, e meu chefe no tráfico era meu próprio patrão. O tráfico era sedutor, eu ganhei muito dinheiro fácil. Cada vez que atravessava com carregamento do Paraguai para o Brasil, ganhava uma média de R$ 250. Por causa disso, nunca precisei roubar para comprar a minha droga. Meus pais adotivos descobriram que eu era viciado quando tive minha primeira overdose. As drogas prejudicaram meu sistema nervoso e eu passei a ter dificuldade de coordenar alguns movimentos do corpo. Abandonei a escola. Meu pai me prendeu em casa, apanhei algumas vezes. Até que eles decidiram me internar numa clínica na Cidade Ocidental (GO) e eu aceitei, porque não tinha mais condições de continuar daquele jeito, com minha mãe tendo vergonha de mim. Estou recuperado há um ano. Hoje, ajudo na recuperação de outros jovens dependentes e não penso mais em usar drogas. Voltei a estudar, estou na sexta série, mas meu relacionamento com meus pais ainda não voltou ao normal. Estou pagando o preço da minha rebeldia. A maconha, em si, não é ruim, mas ela é caminho para a merla, para a cocaína. O usuário de maconha também não é um criminoso, mas pode vir a ser, se vier a roubar, traficar e até matar, como tenho amigos que mataram.”

Caso 2 (Luís [nome fictício], 46 anos, funcionário de uma empresa de telecomunicações): “Fui hippie na década de 70. Em 1973, troquei São Paulo pela Bahia. Fui viver de artesanato em Arembepe. A maconha fazia parte do movimento, estava subentendida. Eu tinha entre 16 e 17 anos. O primeiro baseado foi por essa época. Até antes de eu aderir ao movimento hippie: um amigo me ofereceu na saída escola. O que leva as pessoas a experimentar a maconha é a curiosidade. Na época eu achei muito bom e fui usuário durante uns 15 anos. Abandonei a maconha por conta própria e nunca senti falta. Eu não era um viciado. Viciado é aquele que não pode ficar sem cocaína, maconha, álcool ou cigarro. Isso depende de cada pessoa. Resolvi abandonar a maconha, porque não fazia mais sentido continuar. Eu voltei a estudar, me casei e tenho uma filha de 17 anos e três enteados. No trabalho, esse é um assunto sobre o qual ninguém sabe. Existe uma pressão social. E, mais do que isso, eu gosto de ter domínio sobre minhas emoções, a maconha te deixa alterado, te deixa lerdo, você não tem o pleno controle da situação. Ser usuário de maconha foi fase. Não me arrependo, mas acho que não voltaria a fumar. Não tenho mais interesse.”

Outros vícios
Saiba quais são os males ao organismo que outras drogas, legais e ilegais, provocam.

Duas drogas com efeitos mais graves que a maconha têm completo aval da legislação brasileira e são vendidas livremente nos estabelecimentos comerciais do Brasil. Tratam-se do cigarro e do álcool. São altamente perigosos e têm forte poder de viciar. A maconha causa dependência psíquica. Enquanto que ambos - o álcool e a nicotina - levam à dependência física (além da psíquica) e a crises de abstinência da substância.

CIGARRO

Origem: folha do tabaco
Tempo de reação: imediato
Forma de consumo: fumo
Sintomas: estimula o Sistema Nervoso Central (SNC), traz sensação de calma e saciedade
Prejuízos ao organismo: diversos tipos de câncer, sendo mais comuns os de pulmão, boca, laringe, bexiga e garganta. Também causa impotência sexual, além de prejudicar a formação dos fetos de mães fumantes
Vício que provoca: dependência física, psíquica e tolerância(*)

ÁLCOOL

Origem: destilação do açúcar presente na cana-de-açúcar, milho, levedo, uva, madeira, arroz, entre outros
Tempo de reação: depende da quantidade ingerida. Exemplo: uma pessoa que bebe uma cerveja atrás da outra começa a sentir os primeiros efeitos em 30 minutos. Se continuar bebendo, os efeitos podem durar até o dia seguinte
Forma de consumo: ingestão
Sintomas: deprime o SNC. Provoca desinibição e, em alguns casos, impulsividade. No extremo, leva à perda de consciência e coma alcoólico.
Prejuízos ao organismo: impotência sexual, diabetes, hepatite, pancreatite, cirrose hepática, gastrite, atrofia e dormência nas pernas. Também pode deixar a pessoa agressiva e com o raciocínio lento
Vício que provoca: forte dependência física, psíquica e tolerância(*)

COCAÍNA

Origem: droga extraída da folha de coca (Erthroxylon coca), planta comum na região dos Andes
Tempo de reação: o efeito ocorre entre dez e quinze minutos depois da aspiração e dura, em média, uma hora. Quando injetada, os efeitos são sentidos três minutos depois da aplicação e duram de 30 a 45 minutos
Forma de consumo: pó branco, que pode ser aspirado ou injetado na corrente sangüínea
Sintomas: estimula o SNC. Provoca euforia, sensação de coragem e diminuição do sono e apetite. Causa agitação, fala acelerada e pensamentos rápidos; excitação, agressividade, palidez acentuada, pupilas dilatadas, idéias paranóicas, congestão nasal e emagrecimento
Prejuízos ao organismo: seu uso pode causar lesões no nariz, hipertermia (aumento da temperatura corpórea) e hipoglicemia, que traz risco de sérias convulsões. Também pode levar a derrame e infarto agudo no miocárdio, além de insuficiência renal aguda
Vício que provoca: dependência física, psíquica e tolerância(*)

CRACK

Origem: é o derivado mais perigoso da cocaína. Para obter as pedras de crack, adiciona-se água e bicarbonato de sódio à cocaína
Tempo de reação: a substância leva 15 segundos para chegar ao cérebro. O êxtase ocorre em três minutos. A sensação dura cerca de dez minutos
Forma de consumo: fumo
Sintomas: estimula o SNC. Provoca euforia, sensação de coragem, diminuição do sono e apetite. Causa agitação, fala acelerada e pensamentos rápidos; excitação, agressividade, palidez acentuada, pupilas dilatadas, idéias paranóicas, tosse intensa com expectoração escura e emagrecimento
Prejuízos ao organismo: hipertermia e hipoglicemia. Também pode levar a derrame e infarto agudo no miocárdio, além de insuficiência renal aguda. Em apenas um mês, a fumaça do crack pode causar inflamações agudas nos pulmões.
Vício que provoca: dependência física, psíquica e tolerância(*)

MERLA

Origem: é produzida a partir da pasta de cocaína, com acréscimo de querosene, gasolina, metanol ou ácido sulfúrico
Tempo de reação: os efeitos surgem entre 10 e 15 segundos depois da tragada e duram cerca de cinco minutos
Forma de consumo: fumo (normalmente misturado ao tabaco ou à maconha)
Sintomas: estimula o SNC. Provoca euforia, sensação de coragem, diminuição do sono e apetite. Causa agitação, fala acelerada e pensamentos rápidos; excitação, agressividade, palidez acentuada, pupilas dilatadas, idéias paranóicas
Prejuízos ao organismo: provoca problemas respiratórios, feridas, insônia, emagrecimento, além de problemas nos dentes (escurecimento, enfraquecimento e perda). Também causa distúrbios psicológicos, como sentimentos de perseguição, medo e paranóia
Vício que provoca: dependência física, psíquica e tolerância(*)

HEROÍNA

Origem: é obtida por meio da sintetização da morfina
Tempo de reação: seus efeitos duram de seis a oito horas
Forma de consumo: pó de cor que varia do branco ao marrom (depende do grau de impurezas). Pode ser fumado, cheirado ou injetado na corrente sangüínea
Sintomas: deprime o SNC. Causa torpor e tonturas e um sentimento de leveza e euforia. Aumenta o sono e diminui a dor. As primeiras doses podem provocar náuseas e vômitos
Prejuízos ao organismo: Contrai as pupilas, paralisa o estômago, provoca depressão, parada respiratória, cardíaca e estado de coma
Vício que provoca: dependência física, psíquica e tolerância(*)

ECSTASY

Origem: ecstasy é o nome dado ao metileno-dioxi-metanfetamina (MDMA), um psicotrópico perturbador produzido sinteticamente ou a partir de um cacto (o peyote)
Tempo de reação: seu efeito surge depois de 20 minutos e dura, em média, sete horas
Forma de consumo: ingestão de comprimidos com forma e cor variáveis
Sintomas: estimula o SNC. A pessoa fica extremamente excitada, eufórica e com forte desejo de contato físico. Modifica as percepções, mas não provoca alucinações muito fortes
Prejuízos ao organismo: passado o efeito, a pessoa sente enjôo, pânico, cansaço, falta de ar e pode ficar desidratada. Exerce efeitos sobre o hipocampo - parte do cérebro ligada à aprendizagem e consolidação da memória. Pessoas que usam a droga com freqüência podem desenvolver paranóia, epilepsia, comportamento violento, depressão, loucura e delírio. Com vários comprimidos, pode ocorrer febre superior aos 41ºC, provocando coagulação do sangue, convulsões e parada cardíaca
Vício que provoca: não há relatos de dependência ou tolerância entre os usuários(*)

LSD

Origem: é um composto químico semi-sintético produzido em laboratório, derivado do ácido lisérgico
Tempo de reação: seus efeitos surgem 30 minutos até uma hora depois de consumido, e duram de oito a dez horas
Formas de consumo: pode ser encontrado como um pó branco, em tabletes, na forma líquida ou em papel impregnado com a droga (forma mais comum). Os usuários colocam o pedacinho de papel na boca (embaixo da língua), para ser absorvido aos poucos pelo organismo
Sintomas: altera o funcionamento do cérebro, provocando mudanças na percepção. Produz alucinações, delírios, visão de cores mais brilhantes e audição de sons incomuns. Também provoca dilatação de pupilas, suor e aumento da freqüência cardíaca. Os usuários também podem ter alucinações como ver deformidades no próprio corpo. A pessoa pode voltar a sentir os efeitos do LSD meses depois, por meio de um fenômeno conhecido como flashback
Prejuízos ao organismo: provoca aumento da freqüência cardíaca, riscos de aborto e má formação fetal. Provoca perigosas alterações de humor, como ansiedade, depressão, violência, além de tendências suicidas ou de automutilação. O LSD pode levar pessoas psicologicamente frágeis a um estado psicótico (loucura)
Vício que provoca: não causa dependência alguma, mas leva à tolerância(*)

(*) OS GRAUS DO VÍCIO

● Tolerância: o organismo se acostuma com a substância e, para obter os mesmos efeitos, a pessoa tem de aumentar a dosagem. É bastante perigoso pela ameaça da overdose (doses altíssimas que podem levar à parada cardíaca e à morte).

● Dependência física: a droga é necessária para que o corpo funcione normalmente. O organismo desenvolve um outro equilíbrio e, na falta da droga, funciona mal. Sem a substância, a pessoa pode sofrer abstinência - ou seja, cólicas, angústia, dores pelo corpo, letargia, apatia e medo.

● Dependência psíquica: se instala quando a pessoa é tomada por um impulso forte, quase incontrolável, de usar a droga. Sem ela, o indivíduo é tomado de uma forte sensação de angústia e mal-estar intenso (fissura).

Fonte: Instituto de Medicina Social e Criminalística de São Paulo (IMESC-SP)

E se fosse seu filho?

Falar da maconha na terceira pessoa parece ser fácil, basta ter uma opinião formada a respeito. Quando o “ele” torna-se o próprio filho, o tempo fecha e qualquer teoria fica fraca diante da vivência do dia-a-dia. Os pais sofrem com a dependência química dos rebentos. Vêem as pessoas que mais amam à deriva num mundo ameaçado pelo poder das drogas.

O analista de sistemas, Marcos Bonfim, fala sobre dependência química com a experiência de quem conhece de perto o problema. K., o filho mais velho, 15 anos, foi usuário da maconha até agosto deste ano. O garoto, que experimentou a erva pela primeira vez aos doze, faz parte de uma estatística assustadora que aponta o Distrito Federal como o segundo maior estado em número de jovens consumidores da maconha. Oito por cento da população de adolescentes já experimentou, pelo menos uma vez, os efeitos da maconha.

No caso de K., a primeira prova foi apenas o começo de um pesadelo. Ele passava até três dias fora de casa, pedia esmolas e vigiava carros para comprar a droga. “Esse negócio de falar que maconha não faz mal é besteira. Só quando se tem um filho drogado em casa é que se sabe como a barra é pesada”, desabafa o pai.

Para não ver o futuro do filho comprometido, Marcos tomou atitudes drásticas. Recorreu a uma clínica de recuperação e mudou o menino de endereço. Depois de seis meses medicado com antidepressivos e com fortes crises de abstinência, K. parece estar curado. Mesma sorte não teve T., 22 anos. O estudante da Universidade de Brasília (UnB) ainda é viciado. Seus pais são médicos, mas mesmo assim não conseguiram convencer o filho de que o problema merece ser tratado com um especialista.

T. fuma maconha e os pais suspeitam que já experimentou cocaína. A tática de seu Jeremias da Costa, o pai, é diferente da de Marcos. “Não vou obrigar o menino a entrar em uma clínica, porque ele é maior de idade e sabe o que faz. Mas a cada dia perdemos um pouco da personalidade do nosso filho”, lamenta.

Fonte: http://www2.correioweb.com.br/cw/2001-11-25/mat_22138.htm

quarta-feira, 14 de novembro de 2001

Meu pai fuma maconha comigo

14 de novembro de 2001, Veja nº 1726

Ganha corpo o fenômeno do "baseado em família": o de pais que compartilham o uso da droga com os filhos.

Ariel Kostman

Felipe é um dentista de 53 anos. Como tantos outros de sua geração, começou a fumar maconha nos anos 60, quando a erva fazia parte do pacote básico dos jovens que queriam "contestar o sistema" ou apenas "curtir numa boa" (ah, como as gírias se tornam bobocas com o passar do tempo…). Felipe acendia baseados escondido dos pais. Depois de adulto e casado, continuou a fumar os cigarrinhos enrolados em papel de seda, mas sem ocultar o hábito de seus dois meninos. Hoje, a maconha é um item menos presente no cardápio de Felipe. Mas se tornou algo a ser compartilhado com os filhos. No mês passado, ele e Lúcio, o primogênito de 26 anos, introduziram o caçula de 16 na rodinha de fumo caseira. "Nessas ocasiões, ficamos alegres, rimos bastante", diz Felipe.

O fenômeno do "baseado em família" já apresenta proporções suficientes para chamar a atenção dos especialistas no tratamento de dependentes químicos. Nos Estados Unidos, vinte de cada 100 jovens internados em clínicas de desintoxicação tinham o costume de fumar maconha com os pais. Cerca de 5% deles foram apresentados à erva por papai ou mamãe. No Brasil, os números que emergem dos consultórios médicos impressionam. Dos dependentes atendidos pela psicóloga paulista Sueli de Queiroz, uma das mais respeitadas do país, metade é composta de pais que usam a erva com os filhos ou de filhos que dividem o baseado com os pais. O psiquiatra Arthur Guerra de Andrade, diretor do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas da Universidade de São Paulo, lembra a história de um de seus pacientes, um adolescente de 17 anos. Filho de um alto executivo, o rapaz foi expulso da escola depois de ter sido flagrado com um cigarro de maconha. O pai, ao invés de lhe dar uma bronca ou de encaminhá-lo a um psicólogo ou algo que o valha, ensinou-lhe macetes de como fumar sem correr o risco de ser pego.

Para esses pais, fumar maconha é uma experiência inócua, que serve inclusive para estreitar laços. "É como tomar um cálice de vinho ou um copo de cerveja ao lado de quem se gosta", compara a empresária Lúcia, de 45 anos, que de vez em quando enrola um baseado com João, seu filho de 19. É uma visão equivocada. Assim como o álcool e o tabaco, a maconha faz mal, sim, à saúde. Com uma agravante: é droga ilegal. Esse fato, no caso do "baseado em família", tem implicações maiores do que a pena criminal. Uma das funções dos pais é inculcar nos filhos a obediência a determinados códigos. Em muitos pontos, as figuras paterna e materna encarnam as próprias regras sociais, o que é essencial não só para a educação, como para a formação da personalidade da criança e do jovem. "Quando um adulto usa a droga com o filho, está sinalizando que não é preciso respeitar a lei, nenhuma lei. A partir daí, cria-se uma confusão que pode levar a distúrbios psíquicos e de comportamento", critica o psiquiatra gaúcho Sérgio de Paula Ramos. Em resumo, pai é pai, amigo é amigo. O "pai amigo", que até fuma baseado, é uma daquelas modernices que só servem para causar transtornos. Os especialistas são unânimes: se um adulto é usuário de maconha (ou de qualquer outra droga), que a utilize longe da vista de seus filhos. A hipocrisia, aqui, é mesmo um elogio que o vício presta à virtude.

Existe, ainda, um contingente expressivo de pais que, embora não fumem maconha, permitem abertamente que seus filhos o façam dentro de casa – na linha "melhor aqui do que lá fora". Há também aqueles que fingem não ver o que ocorre. Permanecem na sala, tentando ignorar aquele cheirinho de mato que vem do quarto. Esse universo foi abordado num estudo realizado pela antropóloga Rachel Trajber. Durante três meses, Rachel conviveu com sessenta jovens de 12 a 21 anos, de todos os segmentos sociais da cidade de São Paulo. Os jovens de classe média, principalmente, mencionaram um "certo consentimento" dos pais em relação ao uso da erva. Essa atitude não é tão perniciosa quanto consumir a droga ao lado dos filhos, mas ajuda a cristalizar a idéia de que maconha não faz mal e de que é um erro incluí-la no rol dos entorpecentes. A maioria dos pesquisados, aliás, acredita que só as substâncias mais pesadas, como cocaína, crack e ecstasy, podem ser consideradas drogas. Eles, assim como seus pais, deveriam ser informados de que nunca a erva foi tão perigosa. Nos últimos quarenta anos, a concentração de THC, o princípio ativo da maconha, aumentou muito. Conseqüentemente, seu poder de viciar também. Uma pesquisa conduzida pela psicóloga Flávia Jungerman, supervisora do Ambulatório da Maconha da Universidade Federal de São Paulo, traçou o perfil dos usuários no Brasil. Eles começam a fumar por volta dos 14 anos e mais da metade enrola mais de um baseado por dia. "Os jovens precisam que alguém imponha limites", afirma Flávia. Isso cabe a você, pai.

Mais forte e mais perigosa

O princípio ativo da maconha é o THC, sigla de tetrahidrocanabinol. É ele o responsável pelas sensações de relaxamento e desinibição experimentadas por quem fuma a erva. Traduzindo: aquele sorrisinho estereotipado é causado pelo THC. A fome que todo usuário sente depois de fumar – a popular "larica" – também é obra do THC. Nos últimos quarenta anos, a presença dessa substância aumentou muito nos baseados enrolados pela moçada. Na década de 60, um cigarro da erva continha 0,5% de THC. Atualmente, estudos americanos apontam para níveis de até 5%. Há ainda o skank, a supermaconha desenvolvida em laboratório, com 20% de THC. Por causa dessas altas taxas de princípio ativo, a maconha hoje vicia mais e inflige danos ainda maiores ao organismo. O uso freqüente da droga diminui a coordenação motora, altera a memória e a concentração. Pode levar o usuário a crises de ansiedade e depressão. Além disso, prejudica o funcionamento do sistema respiratório – acarreta infecções de garganta e de pulmão. O THC é apenas um dos 400 compostos químicos encontrados em um cigarro de maconha. Alguns deles são cancerígenos, como o alcatrão.

Fonte: http://www.escolavesper.com.br/vejamaconha/fvejamaconha.htm
 

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