31 de março de 2004, CartaCapital nº 284
No registro da embaixada dos EUA, Adidos, Conselheiros… Na realidade, 20 entre dezenas de agentes secretos espalhados pelo País.
Bob Fernandes
As denominações são variadas. Na lista de funcionários da embaixada norte-americana em Brasília, eles são, em português, Adidos Civis, Adidos Conselheiros para Assuntos Regionais, Adidos para o Combate às Drogas, simplesmente Adidos... Em inglês, são os Country Attaché, Deputy Attaché, Legal Attaché, e por aí afora. As denominações são a cobertura para o segredo. Nem tão secreto assim, uma vez que tantos deles, quando da troca de cartões e apresentações aos congêneres de várias partes do mundo, e do Brasil também, não escondem o que fazem. Eles são agentes secretos, policiais, espiões dos Estados Unidos. Trabalham com cobertura diplomática, movem-se País afora sem controle algum, apesar dos protocolos em contrário estabelecidos em Acordos e Convênios que apenas escancaram as portas, no mínimo, em troca de alguns milhões de dólares e equipamentos: computadores, tecnologia para escutas, etc., etc.
CIA E DEA PRESSIONAVAM O GOVERNO
Junto à Presidência, os Serviços Secretos e a embaixada dos EUA tramavam a queda do secretário Wálter Maierovitch…
CartaCapital: O senhor dirigiu a coordenação da repressão às drogas? Quem o convidou? Que reações o senhor enfrentou?
Wálter Fanganiello Maierovitch: Fui o primeiro secretário Nacional para o fenômeno das drogas ilícitas. A Secretaria ficava na Presidência da República. Permaneci na Secretaria de novembro de 1998 ao início de março de 2000, com status de ministro. O convite foi formulado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. A Secretaria tinha, dentre outras, a tarefa de coordenar as ações de repressão ao narcotráfico. Quando saí da secretaria, o presidente FHC, em face da pressão norte-americana (embaixada, DEA e CIA) e da Polícia Federal, entendeu em tirar essa sua original atribuição. Justificou alegando sobreposição de funções. Àquela altura, a ação de inconstitucionalidade da Secretaria – argüida por instância da direção da Polícia Federal – já havia sido rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal.
Como se percebe, a própria Polícia Federal pressionava o presidente Fernando Henrique, alegando ter ele cometido uma inconstitucionalidade, ao criar a Secretaria Nacional Antidrogas.
No Palácio do Planalto corria a notícia de que o então delegado-geral da Polícia Federal (Vicente Chelotti) havia “grampeado”, com a CIA, o presidente Fernando Henrique. Não se tratava de corrupção, mas de conversas pessoais do presidente, com flagrante violação ao seu direito de intimidade.
Numa articulação montada pela CIA, o delegado Chelotti viajou para o Caribe a pretexto de investigar o presidente. Voltou de mãos vazias e nenhum processo administrativo foi iniciado contra ele. O presidente sabia tratar-se de jogo de pressão da Polícia Federal e CIA, pois nunca teve contas no paraíso fiscal. A PF, aliás, também tentou derrubar o general Alberto Cardoso, chefe da Casa Militar.
CartaCapital: Como foi sua relação com a CIA, a DEA e a embaixada norte-americana?
Wálter Fanganiello Maierovitch: A embaixada norte-americana, a CIA e a DEA pressionavam para a minha saída da Secretaria, pois, quando assumi, declarei ao Grupo de Dublin (reunido na embaixada norte-americana e composto de todos os embaixadores servindo no Brasil) que a política para as drogas seguiria o modelo europeu e, a partir daquele momento, estava dado o adeus à linha norte-americana.
A NAS tinha uma linha diferente e até forneceu computadores para a instalação, na Secretaria, de um serviço telefônico de apoio aos usuários.
Quando assumiu o FBI no Brasil, o doutor Carlos Costa foi muito correto e leal. Avisou-me de que o seu governo estava inconformado com as novas diretrizes da Secretaria que eu dirigia e, por isso, não haveria nenhuma cooperação ou diálogo.
CartaCapital: Os americanos procuraram retaliar decisões suas?
Wálter Fanganiello Maierovitch: A minha recusa em apresentar ao presidente FHC uma proposta de regulamentação da lei sobre tiro de destruição de aeronaves suspeitas gerou retaliações, como o corte do fornecimento, para o Brasil, de informações sobre navegação aérea obtidas pelo Comando Sul (KeyWest) e as bases norte-americanas de combate ao narcotráfico de Curaçao, Aruba e Iquitos.
O governo norte-americano impôs a tal lei para a América Latina. Era uma espécie de pena de morte, como se comprovou depois, com a derrubada de um avião com uma missionária norte-americana no espaço aéreo peruano. O avião do qual partiram os disparos estava sendo monitorado por um caça norte-americano: eles seguiam ao lado os aviões colombianos, peruanos e bolivianos, para verificar se as “ordens” eram cumpridas. Regra: quem passa a informação tem o direito de assistir ao abate.
No particular, o presidente deu total apoio ao não abate. Mas a pressão foi tamanha, a ponto de o embaixador brasileiro, Rubens Barbosa, ter de entrar em campo. Após uma reunião com a secretária de Estado do presidente Clinton, Madeleine Albright, o embaixador me avisou que, temporariamente, eles não mais tocariam no assunto.
CartaCapital: O senhor topou com agentes secretos norte-americanos atuando livremente no Brasil? Representou à Presidência da República pedindo providências?
Wálter Fanganiello Maierovitch: No início de 1999, tive a primeira oportunidade de inverter a pressão e contei com o apoio de muitos delegados da Polícia Federal, inconformados com a intromissão norte-americana e a divisão grupo Chelotti-CIA e o grupo pró-DEA.
Esses delegados da Polícia Federal apoiavam a linha da Secretaria no sentido de não admitir confusão entre cooperação e cooptação. Iniciei uma contrapressão para enquadrar os serviços secretos dos EUA, que queriam seguir atuando livremente. Aproveitei o momento de renovação do acordo de cooperação Brasil-EUA para tentar colocar freios na CIA, DEA e companhia. Antes de propor ao presidente a prorrogação, por parecer, solicitei, por ofício, ao embaixador norte-americano em exercício no Brasil (a embaixada permaneceu vaga durante muito tempo) um relatório custo-benefício. Ou seja, DEA e CIA, a pretexto das drogas, tinham posto o pé no Brasil durante o regime militar. Até as fontes dos palácios e embaixadas sabiam que a oferta de drogas e o consumo tinham aumentado de forma espantosa no Brasil, além das facilidades com a lavagem do dinheiro do narcotráfico. Portanto, era mais do que recomendado, antes de se prorrogar a cooperação, saber se aquilo valia a pena.
Devo acrescentar, ainda, ter encontrado em Tabatinga (na região onde o Brasil faz fronteira com a Colômbia e o Peru) e no aeroporto de Manaus agentes da CIA e da DEA. Uma meia dúzia deles. Eles não estavam acompanhados pela Polícia Federal, como manda o protocolo e os Acordos. Chegaram a comentar que haviam captado transmissões radiofônicas na região amazônica. Todos forneceram cartões de visita. Informaram que, formalmente, constavam da lista de funcionários da embaixada, em serviços burocráticos, ou seja, fingiam não ser da DEA e da CIA.
Do meu ofício constou, ainda, pedido de relação desses agentes e recomendação para não saírem de Brasília sem autorização e comunicação à Secretaria Nacional Antidrogas.
A “guerra” entre a Secretaria Nacional Antidrogas e a embaixada norte-americana pode ser aferida pelo relatório que apresentei e que a revista agora publica. E era uma “guerra” para tentar enquadrar CIA e DEA, acostumadas a desrespeitar a soberania nacional. Regra: quem tem dinheiro é que manda.
CartaCapital: Não houve um episódio de uma aeronave lotada de agentes secretos?
Wálter Fanganiello Maierovitch: Sim. Foi uma tentativa de pouso de aeronave em território brasileiro, também objeto do relatório que enviei ao general Cardoso. Neguei a autorização de pouso. O avião teve de deixar o espaço aéreo brasileiro. Evidentemente, exigi, antes de decidir pela não-autorização, informações sobre a tal operação de repressão ao narcotráfico. Foi-me dito que a operação era tão secreta que só os que estavam no avião sabiam.
Essa falsa “esperteza” da CIA e da DEA, e elas não percebem isso, leva à falta de confiança. Como agora, nessa história de tentar desqualificar o ex-chefe do FBI que deu entrevista à CartaCapital. Bobagem pura. O Carlos Costa era um deles e tinha poder, mas com uma diferença. Ao contrário de muitos dos seus pares, portava-se com educação e lealdade. Aliás, como idiotas portavam-se uns três agentes secretos que distribuíam cartões de visita, até no Club Athletico Paulistano, que freqüentam por convênio e quando soltos por São Paulo. Até os catadores de bola nas quadras de tênis sabem quem eles são.
Fonte: http://cartacapital.terra.com.br/site/tiosam.htm
quarta-feira, 31 de março de 2004
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