segunda-feira, 3 de dezembro de 2001

O crime de escalar montanhas

3 de dezembro de 2001, no.com.br

Anabela Paiva
no.com.br (http://www.no.com.br/).

De traficante do morro da Mangueira a cantor apanhado com um grama de cocaína, o advogado Alexandre Dumans já defendeu todos os tipos de acusados do crime de usar ou vender drogas. "São mais de mil casos", contabiliza Dumans, fumando sem parar cigarros da droga legal embalada pela Souza Cruz. O cilindro de papel e tabaco é um dos seus argumentos na defesa da sua causa favorita: a liberação do uso de drogas. Ou todas as drogas são legais, ou todas são ilegais, incluindo o álcool, raciocina.

É com a lógica afiada em 26 anos de advocacia criminal que o advogado carioca de 50 anos impressiona os alunos de mestrado de Criminologia, Direito Penal e Processo Penal da Universidade Cândido Mendes, onde ensina a origem, contradições e pontos fracos das leis referentes ao uso e tráfico de drogas no Brasil e no mundo. Uma racionalidade que a lei brasileira, que pune o usuário, desafia. "Vamos então punir também o suicida", compara. Dumans comemora a entrada em vigor de uma lei que poderá representar o fim da prisão do usuário e está certo de que o mundo caminha para a liberação das drogas. Mas reconhece que nem só com leis a sociedade pune os transgressores, como mostrou o caso recente da demissão da apresentadora Soninha (19/11/2001). Em tom irônico, diz que nunca viu maconha - depois, admite ter fumado, mas só na época em que o presidente Fernando Henrique também dava seus tapinhas. "Cliente não quer advogado maconheiro."

Anabela Paiva - Afinal, descriminalizaram o uso da maconha ou não?

Alexandre Dumans - Não. O uso continua a ser crime. O artigo 16 da lei 6368 está em vigor. O que acontece é que uma lei federal, que prevê um tratamento processual menos draconiano, vai passar a vigorar e poderá ter repercussão em outros estados, como o Rio.

Anabela Paiva - Explique melhor.

Alexandre Dumans - A lei 9099 criou juizados especiais cíveis e criminais para julgar crimes de pequeno potencial ofensivo. Os autores de delitos deste tipo têm direito a um tratamento mais benevolente. Não há flagrante e ninguém é preso. É feito apenas um termo dos fatos que ocorreram e existe uma negociação que estabelece uma pena alternativa - como a prestação de serviços comunitários ou o pagamento de cestas básicas a uma determinada instituição. Neste caso, o infrator não deixa de ser primário. A lei previa que só poderiam ser julgados nestes juizados delitos cuja pena máxima não ultrapassasse um ano, como ameaça ou violação de correspondência. E o delito de uso de drogas tem pena que vai de seis meses de detenção a dois anos.

Anabela Paiva - Ou seja, não se enquadrava nesta lei mais leniente.

Alexandre Dumans - Pois é, mas vai entrar em vigor em janeiro de 2002 a lei 10259, que dispõe sobre a instituição dos juizados especiais no âmbito da justiça federal. Esta lei aumentou o prazo da pena para dois anos - ou seja, alcançou o delito de uso. Neste caso, como o delito de uso de drogas passou a ser de pequeno potencial ofensivo, acaba a prisão em flagrante e o indivíduo não deixa de ser réu primário. Esta lei, a princípio, seria apenas para delitos julgados na justiça federal. Mas os juízes do Rio de Janeiro estão pensando em aplicar a lei também no âmbito estadual, por analogia. São juízes mais sábios, que sabem que a função da Justiça é conter o poder punitivo do Estado, e não ampliá-lo. A criminalização primária, que é operada pela polícia, vai em massa para o Judiciário. Cabe ao juiz selecionar o que merece punição. Ninguém agüenta mais ver a juventude na cadeia.

Anabela Paiva - A legislação brasileira antidrogas está ultrapassada?

Alexandre Dumans - Ela não está ultrapassada apenas, ela é uma lei cuja origem é espúria, é uma lei servil. Esta lei aparece após 1961, quando se realizou a Convenção Única de Estupefacientes, ratificada por cem países mas basicamente liderada pelos Estados Unidos. A partir dessa convenção, os EUA começam a caracterizar o tráfico de drogas como o inimigo externo que viria a substituir o comunismo. A droga era o inimigo interno da nação e os inimigos externos, o Oriente e a América Latina, como produtores da droga. Em 73, uma comissão de congressistas estadunidenses envolvidos na discussão das drogas fez uma visita à América Latina. Esse grupo foi dividido em quatro grupos: prevenção, tratamento, reabilitação e fiscalização e repressão. Curiosamente, esta é a divisão da nossa lei 6368. Foi um arremedo das idéias desta comissão. Qual foi o produto desta lei ao longo deste tempo? Promover o filicídio, a morte dos nossos filhos, anteriormente só cumprido pela guerra. A falta de parâmetros na lei para separar uso e tráfico, o despreparo da polícia e a confusão do Judiciário levou para os cárceres mulitas que faziam tráfico para subsistência e aqueles que compravam e dividiam entre os amigos. Isso quando se sabe que o tráfico de drogas é feito por grandes grupos internacionais. Hoje, mais de 50% da população carcerária está presa pela imputação de tráfico.

Anabela Paiva - Mas o tráfico emprega essas pessoas para outros crimes graves, assassinatos, seqüestros...

Alexandre Dumans - Mas não os prendem por assassinato e seqüestro, prendem pelo tráfico. Prendem o avião, o pobretão que vai comprar para outro para poder comprar a sua droga ou alguma outra coisa. No entanto, segundo reportagem da caretíssima revista Time, baseada numa agência de monitoramento do uso de drogas na Europa, 45 milhões de europeus fumam maconha. Quando 45 milhões de pessoas violam a lei, as pessoas estão erradas ou é a lei que está errada?

Anabela Paiva - Como o consumo de drogas se tornou crime no Brasil, se até o início do século, havia casas de ópio espalhadas pelo Rio e vendia-se cocaína em farmácia?

Alexandre Dumans - Nas Ordenações Filipinas, a lei penal que funcionava nos tempos coloniais, já se dizia: que ninguém tenha em casa rosalgar, nem o venda, nem outro material venenoso. Era a droga da época. Pena: perda da fazenda e degredo para a África. O código penal do Império, publicado em 1830, nada falava. Já na República, o código de 1890 consagra o chamado delito do boticário. Era delito praticado pelo boticário expor para venda ou ministrar substâncias venenosas sem legítima autorização e sem as formalidades previstas nos regulamentos sanitários. Até aí, as substâncias eram consideradas simplesmente venenosas. O decreto-lei 891 de 1938 é o primeiro modelo legislativo em consonância com o modelo internacional. No artigo 33, condena quem facilitar, instigar por atos ou palavras o uso ou emprego de qualquer substância entorpecente e prevê pena de um a cinco anos de prisão celular. É com o código penal de 40 e o popular artigo 281 que o Brasil ingressa na guerra contra as drogas. Um erro de lógica e filosofia, já que mover guerra contra entorpecentes é como combater um fantasma.

Anabela Paiva - Mas não é uma simples força de expressão?

Alexandre Dumans - Mas as expressões têm sua força, que se consolidam na prática. Se o indivíduo é apanhado comprando um baseado e diz "Não é para mim, é para fulano!", isso faz a diferença entre cadeia e liberdade, entre o simples pagamento de uma multa e uma pena mínima de três anos, sem direito à progressão de regime. Uma pessoa condenada por homicídio simples a uma pena de 18 anos só vai cumprir três anos. Na concepção legalista dessa lei boçal, o avião praticou um crime mais grave do que um homicídio, que tem direito a progressão de regime. O bem jurídico maior, que é a vida, passou a ser menor que a saúde pública, que em tese é o bem tutelado pela lei do tráfico de drogas. Ainda assim, a lógica do direito penal era seguida, até o advento do decreto lei 385 de 68, que passou a punir o usuário.

Anabela Paiva - E o que mudou?

Alexandre Dumans - A prostituta não pode ser punida, pois ela não pratica crime nenhum pelo fato de ser prostituta. A exploração da prostituição é que se constitui crime. O suicídio não constitui crime. Se você tentar se matar e não morrer, não vai ser punida. Mas a instigação ao suicídio é punida. Essa sempre foi a lógica do código penal. Esta lei passou a incriminar a vítima do ato, que seria o usuário. É uma lei fascista. Por que se imiscuir na vida alheia? Se querem proteger a saúde pública, cuidem da água, da qualidade do ar, das moléstias. Qual é a diferença entre fumar maconha e escalar uma montanha? Ambos os comportamentos apresentam riscos, mas só devem preocupar seguradoras e mães, não o Estado democrático. Que ambiente hipócrita é esse?

Anabela Paiva - E como foi impedida a progressão de pena?

Alexandre Dumans - O artigo 5, inciso 43 da Constituição Federal lista como crimes inafiançáveis e impedidos de receber anistia a prática de tortura, o tráfico e os crimes classificados como hediondos. Isso é uma besteirada que foi incluída na Constituição quando seria matéria a ser tratada no Código Penal. Vicente Cernichiaro, que foi ministro do Superior Tribunal de Justiça e hoje é um famoso advogado (como acontece com todos os ministros e magistrados; quando acabam a suas profissões, já preparados, aí sim estão habilitados a exercer a advocacia), nenhuma Constituição anterior especificou delitos que impedissem seus agentes de receber benefícios da anistia.

Anabela Paiva - E que circunstâncias políticas motivaram esse acirramento?

Alexandre Dumans - Ele se deu por conta da perda do inimigo externo pelas superpotências, a transposição do clima de guerra para este campo. Nos filmes, o papel que antes cabia aos agentes soviéticos hoje é dos traficantes colombianos. Nos anos 80, o consumidor era visto como cliente, agora é visto como comparsa. Entretanto, isso está mudando.

Anabela Paiva - Como?

Alexandre Dumans - Afora países que já promoveram a completa descriminalização do uso, a exemplo da Holanda, da Dinamarca e de outros, em nações com a Alemanha e a França, o uso de drogas, embora ainda seja crime, vem sendo tolerado pelas autoridades. A Bélgica recentemente apresentou uma proposta de só punir o usuário quando ele se tornar "problemático"; a Espanha há muito não processa usuário de qualquer espécie de droga, desde que se aplique reservadamente. Portugal em meados deste ano descriminalizou o uso de drogas, impondo ao usuário o pagamento de multa ou prestação de serviço comunitário, mas nunca a prisão. No Canadá, a Polícia Montada admite o porte de pequena quantidade de drogas. E na Inglaterra, o líder do Partido Conservador Britânico, Peter Lylley, propôs a concessão de licença para venda de maconha em lojas especializadas. Soube que já está sendo implantada lá a primeira cofee-shop no estilo das que funcionam em Amsterdã. Sem falar na nova lei brasileira.

Anabela Paiva - A lei pode estar mudando mas existem outros tipos de punições. Recentemente, a apresentadora Soninha foi demitida pela TV Cultura por admitir à revista Época que usa drogas. Ela poderia ter buscado algum recurso legal?

Alexandre Dumans - Tenho certeza de que caberiam todos os recursos. Se a lei trabalhista presta para alguma coisa - e eu acho que não presta, pois a Justiça Trabalhista consome mais dinheiro do que as indenizações que paga - , com certeza ela tem todos os direitos trabalhistas. Quando ela colocou em pauta um assunto como esses ela não fez nenhuma apologia. Se usarmos essa lógica burra, quando alguém sugerir que seria bom para o país a pena de morte, estaria havendo apologia do crime de homicídio.

Anabela Paiva - Mas o chefe dela poderia alegar que ela admitiu ter fumado, e que isso seria um crime.

Alexandre Dumans - Mas ela admitiu o mesmo que o presidente brasileiro e o ex-presidente americano, Bill Clinton, admitiram. Quem ele deseja lá, anjos? Ou prefere a hipocrisia que certamente alimentou a decisão de demiti-la? Isso não é uma televisão, é um beco. Meu senso de Justiça diz que esse cavalheiro deveria ser punido, pois demonstrou preconceito. A Soninha tentou abrir um debate franco - e não existe nada mais profícuo.

Anabela Paiva - Comprar drogas não significa ser cúmplice do tráfico, que comete crimes terríveis para preservar seus mercados? Isso não é uma questão moral?

Alexandre Dumans - O tráfico envolve uma rede de crimes por ser um mercado ilegal. Haverá uma criminalidade circunstancial. Mas como o mercado é muito grande, o consumo é muito grande, esses traficantes de drogas dos morros se encaram como comerciantes e não como bandidos. Alguns deles têm a ética de nunca ter roubado - dizem frases como "Nunca roubei ninguém, meu negócio é vender sacolé". Por isso a pessoa que compra é freguês e não cúmplice. Se o uso fosse mais caseiro e escondido a cumplicidade seria maior, pois o indivíduo para obter a droga teria de teria ter acesso a informação.

Anabela Paiva - O senhor é a favor da liberação de todas as drogas ou só da maconha?

Alexandre Dumans - Minha posição é solitária, é a da autodeterminação dos homens. Acho que tudo deve ser liberado. Ou vamos proibir o uso de todas as drogas, incluindo o álcool, ou liberamos. Por que serei obrigado a me drogar com álcool? A quem interessa esta proibição, se não a policiais corruptos, traficantes de drogas e fabricantes de bebidas, cigarros e outras drogas legais? Minha geração passou anos fumando maconha e brincando de esconder com os PMs. Esses PMs poderiam estar procurando bandidos truculentos, ferrabrases de verdade condenados por homicídio, estupradores de criancinhas. Existem cerca de 100 mil mandados de prisão a pessoas já condenadas. Em vez disso, estão procurando os maconheiros para pegar o arrego!

Anabela Paiva - O senhor fuma maconha?

Alexandre Dumans - Eu nunca fumei maconha.

Anabela Paiva - O senhor acabou de falar da sua geração...

Alexandre Dumans - Minha geração, não eu. Eu nunca vi maconha.

Anabela Paiva - O que é isso?

Alexandre Dumans - Essas respostas parecem mentira, não é? Por quê?

Anabela Paiva - Porque todo mundo vê...

Alexandre Dumans - Se todo mundo vê, por que é proibido?

Anabela Paiva - O senhor já foi advogado de traficantes. Vai ao morro conversar com eles. Então já viu.

Alexandre Dumans - Ah, quando a maconha aparecia eu saía correndo, porque sabia que era proibido pela lei... Veja como essas respostas são cretinas. Mas são respostas juridicamente corretas. Cliente não quer advogado maconheiro. Eu me lembro que eu fui uma vez a um médico. Era muito jovem e fumava maconha - na mesma época que o Fernando Henrique fumou. Fui ao médico e ele mostrou para mim que fumava também, abriu uma caixinha e me deu um cigarro. Eu nunca mais voltei. Era maconheiro e preconceituoso.

Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idArea=1&idSubArea=109

quinta-feira, 29 de novembro de 2001

Pesquisa da maconha é retomada depois de duas décadas

29 de novembro de 2001, The New York Times

Philip J. Hilts
Tradução de George El Khouri Andolfato.

A retomada da pesquisa sobre os usos medicinais da maconha está programada para o início do próximo ano, após duas décadas, com a aprovação por parte do governo de novas experiências para avaliar se fumá-la pode ajudar pacientes com esclerose múltipla ou que sofrem dores nos membros em conseqüência da AIDS.

A nova aprovação, concedida em 28 de novembro pela Drug Enforcement Administration (DEA), a agência americana de combate às drogas, não autoriza aos médicos a prescreverem maconha aos seus pacientes como tratamento; ela apenas autoriza o uso limitado em experiências científicas. Em alguns estados, a lei estadual permite aos médicos prescreverem ou recomendarem a maconha, mas a lei federal proíbe a prática, mesmo nestes estados.

A DEA aprovou duas experiências no final do mês passado, e espera aprovar uma terceira em breve. Autoridades da agência disseram que as aprovações não representam uma mudança de política, já que as experiências para o descobrimento de usos medicinais para a maconha nunca foram proibidas. O que aconteceu, disse Terry Woodworth, vice-diretor de controle, é que os cientistas e órgãos públicos que financiam pesquisas mudaram sua posição em relação ao valor de tais experiências.

Mas Paul Armentano, porta-voz da National Organization for the Reform of Marijuana Laws (NORML, Organização Nacional para Reforma das Leis para Maconha), disse que as aprovações "encerraram duas décadas de proibição federal à pesquisa médica da maconha".

"Ainda não é muita coisa", acrescentou Armentano, "mas é um reconhecimento por parte do governo federal de que não se pode impedir o avanço dos trabalhos".

As experiências com maconha exigem a aprovação de várias agências federais; a aprovação da DEA é a última, a que fornece a licença para os pesquisadores.

As duas experiências que já receberam a aprovação, a terceira que deve recebê-la em breve e outras oito, que no momento estão seguindo os trâmites legais estaduais e federais para aprovação, estão todas programadas para ocorrer na Califórnia e têm sido financiadas pelo Centro para Pesquisa Medicinal de Cannabis da Universidade da Califórnia.

Um dos dois estudos já aprovados tratará de pacientes com esclerose múltipla. Alguns dos pacientes dizem que têm rigidez muscular que não é aliviada eficazmente por outras drogas, e de qualquer forma tais medicamentos possuem efeitos colaterais indesejados. A Drª. Jody Corey-Bloom, que conduzirá o estudo na Universidade da Califórnia em San Diego, cita relatos de que a maconha pode aliviar a dor muscular e a rigidez.

Em outro estudo aprovado, também no campus de San Diego, o Dr. Ronald Ellis tentará determinar se a maconha pode aliviar a dor nas mãos e nos pés, conhecida como neuropatia periférica, que às vezes afeta pacientes com HIV.

O Dr. Donald Abrams também estudará a condição na Universidade da Califórnia em São Francisco, em uma experiência que deverá ser aprovada em breve.

Abrams, que há muito tempo busca realizar estudos com a maconha em pacientes de AIDS, disse que entre os fatores mais importantes que contribuíram para a obtenção da aprovação foram os plebiscitos de cinco anos atrás, nos quais os eleitores da Califórnia e do Arizona transformaram em lei estadual a permissão para doentes utilizarem a maconha no tratamento de suas enfermidades.

Após tais propostas terem sido aprovadas, os comitês científicos governamentais do Instituto de Medicina e dos Institutos Nacionais de Saúde informaram que havia pouca evidência de que a maconha tinha utilidade medicinal, mas que estudos rigorosos seriam válidos.

As futuras experiências compararão os efeitos dos cigarros de maconha com os efeitos de cigarros de placebo (nos quais os ingredientes ativos da maconha serão removidos).

Os cigarros de maconha virão de uma plantação da Universidade do Mississipi com a autorização do Instituto Nacional de Abuso de Drogas, disse Richard Doblin, presidente da Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies (Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos), um grupo que defende a pesquisa de usos medicinais de drogas psicoativas. Ele disse que um problema com a nova pesquisa é o fato da maconha do Mississipi ter uma potência muito baixa, um fator que poderá comprometer os efeitos medicinais.

O Marinol, um medicamento aprovado para venda sob prescrição médica que está disponível há anos, contém um ingrediente ativo da maconha. Mas pesquisadores dizem que as plantas naturais contêm muitos agentes psicoativos que não estão presentes no produto comercial. Além disso, disse Abrams, leva horas para que os efeitos das cápsulas possam ser sentidos, enquanto o fumar da maconha produz efeitos em questão de minutos; logo, a cápsula pode não ser a melhor forma de ministrar o medicamento.

Experiências no uso da maconha como estimulante de apetite e na prevenção da náusea foram realizadas nos Estados Unidos até o início dos anos 80. Depois disso, disse Doblin, posições desaprovadoras do governo federal e em agências de pesquisa levaram os cientistas a acreditar que os financiamentos para estudos medicinais da maconha seriam difíceis de serem obtidos.

Mas após os plebiscitos na Califórnia e no Arizona em 1996, a questão passou a ser se o uso médico poderia ser apoiado por evidências científicas.

Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idArea=1&idSubArea=121

domingo, 25 de novembro de 2001

Um tapa na cara

25 de novembro de 2001, Correio Braziliense

Quem fuma um “baseado” começa a conquistar o perdão da sociedade. Pode dar barato. Pode parecer saudável porque é natural. Mas a Cannabis sativa prejudica o organismo e pode, sim, viciar e causar doenças como câncer.

Guaíra Flor, Rodrigo Caetano e Cristiana Felippe
Colaboraram na reportagem Noéli Nobre, Daniela Guima e Lílian Tahan.

Maconheiro é aquela figura com cara de lerdo, que não fala nada com nada e anda largado pela rua. Ou será uma pessoa comum, que trabalha, estuda e fuma a erva apenas para relaxar? Gente como a apresentadora Sonia Francine, a Soninha, 34 anos. Com cara de menina, ela esbanja competência e conduzia com habilidade um programa de debates para jovens, na TV Cultura. Mas foi demitida, segunda-feira, porque admitiu publicamente fumar maconha. Hipocrisia da chefia, ou reação justa contra uma funcionária que faz uso de droga ilegal?

Durante toda a semana, políticos, médicos e toxicologistas discutiram o assunto. Alguns acham absurdo punir alguém por fumar um “baseado”. “A TV Cultura se comportou como um brucutu”, acusa o deputado Fernando Gabeira (PT-RJ). Outros consideram o castigo muito justo. “Ela foi bode-expiatório, mas uma pessoa que trabalha com jovens não deveria dar uma declaração dessas”, pondera Otávio Brasil, toxicologista de Brasília.

Independente da posição de cada um, a verdade é: a imagem que o brasileiro faz do usuário de maconha mudou. Não dá mais para fingir que só doidão fuma beque. Muitos de nossos vizinhos, parentes e amigos usam a Cannabis sativa. Jovens de 12, 13 anos, já experimentaram. Ou tiveram a possibilidade de fazê-lo.

Embora a sociedade possa perdoar quem fuma maconha, isso não absolve a droga dos males que provoca. Segundo estudos da Organização Mundial da Saúde, 10% dos acidentes de carro estão ligados ao uso da droga. Depois de “fumar unzinho”, a pessoa perde a concentração e fica com os reflexos prejudicados. Em longo prazo, os efeitos são piores. Quem é chegado a um baseado pode ficar estéril; ter câncer de pulmão (os níveis de nicotina da maconha são altíssimos), além de problemas de memória.

Mas falar sobre os efeitos negativos da Cannabis é o mesmo que dizer que cigarro mata. Quem fuma, está cansado de saber. Só não consegue - ou não quer - parar. “Um dependente de maconha, por definição, é uma pessoa doente”, explica o psiquiatra Dartiu Xavier, do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas (Cebrid). “Eles precisam de tratamento, não de castigo.”

Crime

Hoje, quem for pego com um cigarro de maconha pode acabar na cadeia por até dois anos. Quase o mesmo que um traficante preso pela primeira vez. Mas essa história tende a mudar. Na próxima terça-feira, o Senado vota projeto de lei que acaba com essa disparidade. Quem for usuário da droga, cumprirá penas alternativas, como serviços comunitários e multas.

Segundo o senador Romeu Tuma (PFL-SP), a nova lei não descriminalizará a maconha. Apenas punirá, da maneira correta, quem for pego com a droga. “Se colocarmos o usuário na cadeia, aí sim ele se tornará um marginal”, argumenta.

O projeto também prevê que o usuário tenha direito a um tratamento de desintoxicação em clínicas especializadas. Além de receber apoio psicológico. Maconha causa dependência física e psíquica. Isso mesmo. O papo de que “erva natural não pode prejudicar” é bobagem. Existem usuários ocasionais, que fumam um baseado a cada vinte dias. Mas pelo menos 10% das pessoas adeptas a um “cigarrinho” se tornam dependentes. São aqueles que vendem o relógio para comprar maconha e não ficam um dia sem dar um tapinha.

Outros, apesar de não dependentes, desenvolvem distúrbios de personalidade, como a síndrome de pânico. “Alguns dos nossos pacientes chegam aqui totalmente paranóicos e têm de ficar internados até se desintoxicar”, conta a psiquiatra Ana Cecília Marx, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Para os moradores do Distrito Federal, um alerta: a maconha vendida na cidade é ainda pior. Motivo? Ela vem em pedra e não é pura. “Para conseguir essa consistência, os traficantes misturam a Cannabis com merla”, explica Otávio Brasil. A merla é um subproduto da cocaína dissolvida em acetona, querosene, amônia e ácido de bateria. Pode levar o usuário a desmaiar, ter parada cardíaca, rompimento de aneurisma cerebral e até câncer de medula.

Apesar de todos os problemas, ninguém morre de overdose de baseado. “O maior problema da droga não é matar, é destruir a vida de quem usa”, diz o médico Valdi Craveiro, coordenador do Adolescentro - um Centro de Saúde especializado no tratamento de adolescentes. Segundo Valdi, depois de fumar maconha, perde-se completamente o controle dos próprios atos. “A sensação de relaxamento é tanta, que o usuário acha que todo mundo é legal”, afirma. “Por isso, se alguém quiser lhe fazer mal, vai conseguir.”

A estudante K. C., 17 anos, passou por isso. “Eu me deixei estuprar porque estava doidona”, conta. K. Na época com 15 anos, foi a uma festa onde fumou maconha e bebeu álcool. Um rapaz, que ela não conhecia direito, se aproveitou da situação para manter relações com ela. Em um banheiro, sem camisinha. “Eu nem me lembrei do que aconteceu no dia seguinte. Soube de tudo por umas amigas. Depois disso, nunca mais usei maconha.”

O real efeito

O vício da maconha é mais psicológico que químico. Mas o hábito de fumar a Cannabis prejudica o organismo desde a boca até os pulmões. O relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) é o mais completo já feito no mundo. Veja todos os males - comprovados cientificamente - que a droga provoca:

● Dependência - Há evidência de que o usuário freqüente pode perder o controle sobre a droga. O risco de dependência é maior entre os que têm histórico de uso diário. Estima-se que cerca de 50% dos que fumam diariamente a droga se tornarão dependentes. O vício está muito ligado à personalidade de quem fuma. Os mais desmotivados, depressivos ou com baixa auto-estima tornam-se mais vulneráveis ao vício.

● Mais pesadas - É verdade. Meninos e meninas em todo o mundo têm seguido a trilha de partir para experiências mais “alucinantes”. “Nota-se que a experiência com a Cannabis precede o interesse por outras substâncias”, consta no documento da OMS. São as colas de sapateiro, as anfetaminas, a cocaína e a heroína.

ATENÇÃO: Isso não quer dizer que a culpa seja da maconha. O hábito de recorrer à maconha pode estar relacionado a problemas de personalidade ou dificuldades familiares. A busca por outras drogas também pode ter como raiz os mesmos problemas.

● Comportamento - Muda a personalidade depois de cerca de 30 minutos do primeiro trago. Também leva à perda da noção do tempo, ansiedade, tensão, confusão e sensação de estar “alto”, entorpecido.

● Aprendizado - A Cannabis afeta a memória de várias maneiras. A lembrança livre de questões aprendidas é prejudicada quando a droga está presente durante o aprendizado ou durante a tentativa de recordação. A maconha prejudica todas as formas de aprendizado, inclusive os processos associativos e o desempenho psicomotor. As únicas áreas não afetadas são a imaginação e o vocabulário.

● Apetite - Maconha leva ao aumento de consumo de alimentos, especialmente aqueles com alto teor de carboidrato. O curioso é que não se descobriu nenhuma pesquisa que comprove que a droga aumenta o apetite. Até os pesquisadores estranharam a dissociação entre o apetite e o consumo de alimentos.

● Direção - Entre os comportamentos em que o efeito da maconha é especialmente grave está a habilidade de dirigir e manipular máquinas pesadas. Num estudo de fatalidades com rapazes na Califórnia, foi encontrado um índice de 37% de amostras que confirmavam o uso da droga. O risco aumenta quando há associação com álcool. A substância retarda o momento da freada e as reações a luzes vermelhas e outros sinais de perigo.

● Esquizofrenia - É nítida a associação entre o uso da Cannabis e a esquizofrenia. O que não é certo é se a droga provoca o surgimento da doença ou se acelera sua manifestação - ela aconteceria de todo jeito, mas a maconha antecipa o momento.

● Hormônios - Não há comprovação de que o THC reduz os níveis de testosterona nos homens. Nas mulheres, porém, é certo que os ciclos menstruais ficam mais curtos.

● Pulmões - O efeito sobre o aparelho respiratório está mais do que comprovado. Aparecem lesões na traquéia, nos brônquios e, em menor intensidade, em algumas células de defesa do organismo.

● Gravidez - Usar a droga antes ou durante a gestação pode deixar as crianças mais suscetíveis a certos tipos raros de câncer, como a leucemia não-linfoblástica (que contamina o sangue) e o rabdomiosarcoma, que ataca o tecido nervoso. Os futuros bebês também nascem com peso abaixo do normal.

Por onde anda a droga no organismo


Editoria de Arte: Gabriel Góes

Sem servir de exemplo


Sônia Francine (Soninha):
“Fumar maconha é crime; eu nunca compro.”

São Paulo - A vida da apresentadora Sônia Francine, de 34 anos, deu uma reviravolta depois que ela declarou à revista Época que fuma maconha. Foi demitida da TV Cultura e poderá ser investigada pela Justiça. Soninha continua trabalhando em outros três veículos de comunicação. Em entrevista ao Correio, admite que ficaria preocupada se suas filhas usassem a droga.

Cristiana Felippe (Correio Braziliense) - Você perdeu o emprego porque afirmou para a revista Época que fuma maconha. Se pudesse voltar no tempo faria alguma coisa diferente?

Soninha Francine - Sim. Acho importante o diálogo sobre descriminalizar a maconha, por isso não me arrependo do que disse. O maior problema é deturpar o sentido da discussão. Mas, se eu soubesse que minha imagem iria aparecer estampada na capa e nos outdoors, como se fosse anúncio, eu não teria aceitado tirar foto. Só me arrependi de não ter me informado a respeito do que seria feito com a minha fotografia.

Cristiana Felippe (Correio Braziliense) - Como jornalista, você não sabia que esse assunto é delicado e que eles poderiam usar a sua foto para a capa?

Soninha Francine - Eles me avisaram apenas que a matéria poderia ser capa, mas não me disseram que minha foto seria estampada nela e com aquela chamada. Já tenho advogado e vou processar a revista, porque eles usaram indevidamente a minha imagem sem autorização.

Cristiana Felippe (Correio Braziliense) - Você acha que faria alguma diferença se você não estivesse na capa? Em nenhum momento passou pela sua cabeça que você poderia ser demitida de uma TV educativa por admitir que fuma maconha?

Soninha Francine - Acho que daria problema de qualquer jeito, mas não pensei que seria assim. Se minha imagem não estivesse nas ruas, a reação não ia ser tão abrupta. É uma grande bobagem eles pensarem que não daria mais para defender a qualidade da programação depois da entrevista. Não estava induzindo os jovens a fumar, apenas discutindo o assunto. Antes, já havia conduzido vários debates polêmicos, inclusive sobre drogas. Mas mesmo que a Cultura me obrigasse a falar no ar sobre a matéria eu não ia voltar atrás na minha opinião.

Cristiana Felippe (Correio Braziliense) - O que o seu marido achou do seu depoimento?

Soninha Francine - Ele não sabia que eu tinha dado essa entrevista, porque estava viajando e foi pego de surpresa. Quando voltou de viagem ficou contente de ver minha foto estampada nos outdoors, mas levou um susto logo que viu a frase ao lado. Acho que ele engoliu a seco e resolveu não comentar nada naquele momento para poder pensar melhor e conversarmos depois. Mas, nós nos damos muito bem e ele já sabe que sou polêmica. Quando luto por uma causa que acredito sou meio maluca.

Cristiana Felippe (Correio Braziliense) - Suas filhas adolescentes (15 e 17 anos) também ficaram espantadas? Elas já sabiam que você fumava?

Soninha Francine - Minhas filhas não tiveram essa reação porque tomei o cuidado de lhes contar antes da matéria ser publicada. As duas já sabiam que eu fumava, porque conversávamos sobre isso. Elas me disseram que isso daria muito que falar, mas aceitaram a minha decisão. No colégio onde elas estudam, está todo mundo muito curioso. Alguns colegas comentam a matéria, mas elas não dão abertura para eles falarem muito disso.

Cristiana Felippe (Correio Braziliense) - E com a sua mãe, você já tinha conversado sobre maconha?

Soninha Francine - Nunca, e não sabia como ela ia reagir. Como estava muito ocupada essa semana dando entrevistas, demorei a falar com minha mãe. Ela é professora de inglês e quando veio me visitar em casa disse que os alunos da sua escola mandavam abraços. O tema virou debate no local. Fiquei contente com isso.

Cristiana Felippe (Correio Braziliense) - Você deixaria suas filhas usarem maconha?

Soninha Francine - Elas não gostam disso, acham chato até quem bebe demais. Mas se quisessem usar eu ficaria preocupada. Fumar maconha hoje é crime e a polícia poderia pegá-las. Elas poderiam responder processo e até apanhar dos policiais. Além disso, quem vende hoje a droga é bandido. Ficaria preocupada em saber onde elas estão fumando.

Cristiana Felippe (Correio Braziliense) - Não é meio esquisito você dizer que ficaria preocupada se fosse com suas filhas, sendo que você fuma a droga vendida pelos traficantes?

Soninha Francine - É… Essa é uma contradição na minha vida. Não tenho coragem de comprar a droga. Eu fumo apenas se alguém me oferece. Sei que, de qualquer forma, estou consumindo o que eles vendem, mas não tenho nunca em casa, a menos que algum amigo me dê.

Cristiana Felippe (Correio Braziliense) - Com que freqüência você fuma? Todos os dias?

Soninha Francine - Não, fumo muito pouco. Apenas em festas ou casa de amigos.

Cristiana Felippe (Correio Braziliense) - Você conhece os efeitos da droga no organismo?

Soninha Francine - Conheço, mas acho que nem os médicos sabem direito. Sei que a maconha tem maior potencial cancerígeno que o cigarro, mas ninguém fuma tanta maconha quanto cigarro.

Cristiana Felippe (Correio Braziliense) - Por que mesmo assim você fuma?

Soninha Francine - Gosto do efeito da maconha, me dá uma sensação relaxante e não uso para trabalhar ou antes de dirigir. Acho que a sociedade superestima os efeitos da maconha. A pessoa só vai para o caminho errado se for desajustada.

Cristiana Felippe (Correio Braziliense) - Você afirmou que não precisaria passar por um tratamento médico porque não é dependente de maconha? Então o que é ser viciado?

Soninha Francine - Considero dependente o cara que não consegue viver sem a droga. Ele fuma no trabalho, antes de dirigir, para descansar e não consegue mais se divertir sem isso. Se ele está deixando a droga prejudicar sua vida, já virou doença. Defendo a descriminalização, porque assim os dependentes não teriam vergonha de procurar ajuda.

O ponto de vista de quem fuma

A reportagem do Correio colheu o depoimento de 20 jovens usuários de maconha no Distrito Federal. Foram selecionadas cinco das entrevistas que traduzem, nas palavras dos próprios jovens, os porquês de fazer uso da maconha. Prazer e depressão, liberdade e dependência, sentimentos que se confundem nas histórias de vida dessas pessoas. A psiquiatra e toxicologista do Centro de Dependência Química do Hospital Parque Belém em Porto Alegre, Márcia Surdo Pereira, analisa cada um dos depoimentos.

Depoimento 1 (T. F. S., 18 anos, estudante): “Comecei a fumar maconha por curiosidade há quatro anos atrás. Eu gosto de curtir uma onda quando não tenho nada para fazer. O problema é que fico com o raciocínio lento e acabo me atrapalhando todo depois de puxar um baseado. Não consigo, por exemplo, jogar futebol porque a mente não comanda o corpo. Em compensação, a erva me traz uma paz espiritual incrível, por isso não quero parar. Não me considero viciado, porque controlo a minha vontade. Mas se um dia eu quiser largar a maconha e não conseguir, pedirei ajuda.”

Análise 1: Pessoas que se sentem ansiosas, sem paz espiritual, com timidez em excesso ou impulsivas demais podem procurar ajuda, que não o uso de drogas como automedicação. O adolescente deve se conscientizar e parar com a velha história de que “todo mundo usa” e também de “eu paro quando quiser”.

Depoimento 2 (C. P. C., 16 anos, estudante): “Aos 12 anos, estava a fim de ser da roda de algumas pessoas que usavam drogas e acabei me influenciando. Quando você entra para a turma acontece uma coisa engraçada: seus amigos gostam de você, mas a sociedade te recrimina. No começo nem dei idéia, mas a coisa foi ficando mais pesada, matava aula para fumar, cheirar ou beber com os amigos (de segunda a segunda) até que os meus pais perceberam e eu fui internada na clínica de recuperação Vila Harmonia em Minas Gerais. Sabia que precisava do tratamento e estava cansada do excesso de drogas. Passei um mês tomando remédios e aprendi muitas coisas. As coisas têm limite e a disciplina dá uma certa liberdade.”

Análise 2: O que faz o jovem usar drogas é a pressão do grupo, acesso fácil, curiosidade e desinformação. Nesses casos, os pais têm que ficar atentos para perceber que alguma coisa não vai bem com o filho. Ele deixa claro que está com problemas quando começa a faltar aulas compulsivamente, pedir várias vezes dinheiro emprestado e principalmente quando muda drasticamente o humor.

Depoimento 3 (R. C., 21 anos, estudante): “Fumo para trabalhar, estudar, transar… Isso não quer dizer que fico incapacitado se não tiver com um baseado. O fato é que prefiro não estar de cara (lúcido). Comecei com dez anos por influência de um namorado da minha irmã. Logo, experimentei cocaína e passei a beber muito. É difícil ficar só na maconha porque ela abre portas e contatos para o mundo das drogas mais pesadas. Muitas vezes, tive que sair carregado dos lugares porque tem horas que rola um branco geral. O que me fez tentar parar foi a chegada do meu filho, que tem um ano e meio. Se eu puder evitar que ele experimente eu farei, mas não posso recriminá-lo se ele quiser usar. Vou ter um papo sério tentando mostrar o que faz bem e o mal.”

Análise 3: O único motivo pelo qual a maconha é considerada uma droga leve é o fato de ela, diferente de outras drogas, não deixar seqüelas maiores após certo período de interrupção. Mas ao pensar naquele jovem que, após fazer um único experimento de maconha, sofreu um acidente e morreu no trânsito por estar com seus reflexos diminuídos, não se pode considerar a maconha uma droga leve.

Depoimento 4 (R. C., 27 anos, funcionária pública): “Fumo desde moleca porque meus pais eram ripongas e nunca esquentaram. Mas não considero isso uma vantagem. Não tinha ninguém para me dizer que a maconha poderia me fazer mal; pelo contrário, encontrava consentimento justamente em casa. Por isso, acho errado esse papo de querer legalizar a maconha. A maconha é o primeiro passo para as drogas mais pesadas. Cheguei a tomar cocaína na veia. Tem horas que o barato compensa. O problema é quando você tem outras responsabilidades - eu tenho dois filhos - e não consegue largar o vício. Várias vezes arrumei atestado no trabalho para ficar me drogando em casa…”

Análise 4: O uso freqüente da maconha pode fazer com que a pessoa abdique de situações que seriam desejáveis para ela, como namorar, ir ao cinema, estudar, divertir-se e fazer contato social. A maconha pode provocar no adolescente a Síndrome Amotivacional, o que prefiro chamar de a Síndrome do Bundão.

Depoimento 5 (J. P. F., 26 anos, estudante universitário): “Eu fumo maconha porque é um fator altamente socializante e agregador. Além do mais alivia a minha raiva e o estresse. As pessoas fumam com a intenção de celebrar alguma coisa, o que faz ser um momento agradável. Mas com a família o processo é inverso. Tende a arranhar o relacionamento em casa, principalmente se os pais são conservadores. Mas o maior problema é que muita gente acaba usando mais que o previsto por impulso e a leseira que a maconha dá não combina com trabalho que pede concentração.”

Análise 5: O uso continuado da maconha leva a uma diminuição daquelas boas sensações de paz e relaxamento e aumento da sensibilidade obtidos inicialmente. Assim é preciso aumentar a quantidade cada vez mais. Nesse caso, não se fala mais em prazer, mas sim em necessidade (vício = dependência).

Quem se deu mal

Caso 1 (E. H. D., 15 anos, ex-usuário, estudante): “Meu primeiro baseado foi aos 11 anos, na escola. Um amigo ofereceu e eu aceitei. Nunca ninguém da minha família tinha falado que droga fazia mal. Mas eu gostei da experiência de fumar o baseado: tive alucinações, vi pessoas na minha frente. Naquela época, eu trabalhava como jornaleiro em Campo Grande (MS) e fumava mais nos fins de semana. Fumava com os amigos. Só que a maconha foi o primeiro passo para outras drogas. Um belo dia, eu cheirei cocaína e foi isso principalmente que me fez afundar. Virei traficante, e meu chefe no tráfico era meu próprio patrão. O tráfico era sedutor, eu ganhei muito dinheiro fácil. Cada vez que atravessava com carregamento do Paraguai para o Brasil, ganhava uma média de R$ 250. Por causa disso, nunca precisei roubar para comprar a minha droga. Meus pais adotivos descobriram que eu era viciado quando tive minha primeira overdose. As drogas prejudicaram meu sistema nervoso e eu passei a ter dificuldade de coordenar alguns movimentos do corpo. Abandonei a escola. Meu pai me prendeu em casa, apanhei algumas vezes. Até que eles decidiram me internar numa clínica na Cidade Ocidental (GO) e eu aceitei, porque não tinha mais condições de continuar daquele jeito, com minha mãe tendo vergonha de mim. Estou recuperado há um ano. Hoje, ajudo na recuperação de outros jovens dependentes e não penso mais em usar drogas. Voltei a estudar, estou na sexta série, mas meu relacionamento com meus pais ainda não voltou ao normal. Estou pagando o preço da minha rebeldia. A maconha, em si, não é ruim, mas ela é caminho para a merla, para a cocaína. O usuário de maconha também não é um criminoso, mas pode vir a ser, se vier a roubar, traficar e até matar, como tenho amigos que mataram.”

Caso 2 (Luís [nome fictício], 46 anos, funcionário de uma empresa de telecomunicações): “Fui hippie na década de 70. Em 1973, troquei São Paulo pela Bahia. Fui viver de artesanato em Arembepe. A maconha fazia parte do movimento, estava subentendida. Eu tinha entre 16 e 17 anos. O primeiro baseado foi por essa época. Até antes de eu aderir ao movimento hippie: um amigo me ofereceu na saída escola. O que leva as pessoas a experimentar a maconha é a curiosidade. Na época eu achei muito bom e fui usuário durante uns 15 anos. Abandonei a maconha por conta própria e nunca senti falta. Eu não era um viciado. Viciado é aquele que não pode ficar sem cocaína, maconha, álcool ou cigarro. Isso depende de cada pessoa. Resolvi abandonar a maconha, porque não fazia mais sentido continuar. Eu voltei a estudar, me casei e tenho uma filha de 17 anos e três enteados. No trabalho, esse é um assunto sobre o qual ninguém sabe. Existe uma pressão social. E, mais do que isso, eu gosto de ter domínio sobre minhas emoções, a maconha te deixa alterado, te deixa lerdo, você não tem o pleno controle da situação. Ser usuário de maconha foi fase. Não me arrependo, mas acho que não voltaria a fumar. Não tenho mais interesse.”

Outros vícios
Saiba quais são os males ao organismo que outras drogas, legais e ilegais, provocam.

Duas drogas com efeitos mais graves que a maconha têm completo aval da legislação brasileira e são vendidas livremente nos estabelecimentos comerciais do Brasil. Tratam-se do cigarro e do álcool. São altamente perigosos e têm forte poder de viciar. A maconha causa dependência psíquica. Enquanto que ambos - o álcool e a nicotina - levam à dependência física (além da psíquica) e a crises de abstinência da substância.

CIGARRO

Origem: folha do tabaco
Tempo de reação: imediato
Forma de consumo: fumo
Sintomas: estimula o Sistema Nervoso Central (SNC), traz sensação de calma e saciedade
Prejuízos ao organismo: diversos tipos de câncer, sendo mais comuns os de pulmão, boca, laringe, bexiga e garganta. Também causa impotência sexual, além de prejudicar a formação dos fetos de mães fumantes
Vício que provoca: dependência física, psíquica e tolerância(*)

ÁLCOOL

Origem: destilação do açúcar presente na cana-de-açúcar, milho, levedo, uva, madeira, arroz, entre outros
Tempo de reação: depende da quantidade ingerida. Exemplo: uma pessoa que bebe uma cerveja atrás da outra começa a sentir os primeiros efeitos em 30 minutos. Se continuar bebendo, os efeitos podem durar até o dia seguinte
Forma de consumo: ingestão
Sintomas: deprime o SNC. Provoca desinibição e, em alguns casos, impulsividade. No extremo, leva à perda de consciência e coma alcoólico.
Prejuízos ao organismo: impotência sexual, diabetes, hepatite, pancreatite, cirrose hepática, gastrite, atrofia e dormência nas pernas. Também pode deixar a pessoa agressiva e com o raciocínio lento
Vício que provoca: forte dependência física, psíquica e tolerância(*)

COCAÍNA

Origem: droga extraída da folha de coca (Erthroxylon coca), planta comum na região dos Andes
Tempo de reação: o efeito ocorre entre dez e quinze minutos depois da aspiração e dura, em média, uma hora. Quando injetada, os efeitos são sentidos três minutos depois da aplicação e duram de 30 a 45 minutos
Forma de consumo: pó branco, que pode ser aspirado ou injetado na corrente sangüínea
Sintomas: estimula o SNC. Provoca euforia, sensação de coragem e diminuição do sono e apetite. Causa agitação, fala acelerada e pensamentos rápidos; excitação, agressividade, palidez acentuada, pupilas dilatadas, idéias paranóicas, congestão nasal e emagrecimento
Prejuízos ao organismo: seu uso pode causar lesões no nariz, hipertermia (aumento da temperatura corpórea) e hipoglicemia, que traz risco de sérias convulsões. Também pode levar a derrame e infarto agudo no miocárdio, além de insuficiência renal aguda
Vício que provoca: dependência física, psíquica e tolerância(*)

CRACK

Origem: é o derivado mais perigoso da cocaína. Para obter as pedras de crack, adiciona-se água e bicarbonato de sódio à cocaína
Tempo de reação: a substância leva 15 segundos para chegar ao cérebro. O êxtase ocorre em três minutos. A sensação dura cerca de dez minutos
Forma de consumo: fumo
Sintomas: estimula o SNC. Provoca euforia, sensação de coragem, diminuição do sono e apetite. Causa agitação, fala acelerada e pensamentos rápidos; excitação, agressividade, palidez acentuada, pupilas dilatadas, idéias paranóicas, tosse intensa com expectoração escura e emagrecimento
Prejuízos ao organismo: hipertermia e hipoglicemia. Também pode levar a derrame e infarto agudo no miocárdio, além de insuficiência renal aguda. Em apenas um mês, a fumaça do crack pode causar inflamações agudas nos pulmões.
Vício que provoca: dependência física, psíquica e tolerância(*)

MERLA

Origem: é produzida a partir da pasta de cocaína, com acréscimo de querosene, gasolina, metanol ou ácido sulfúrico
Tempo de reação: os efeitos surgem entre 10 e 15 segundos depois da tragada e duram cerca de cinco minutos
Forma de consumo: fumo (normalmente misturado ao tabaco ou à maconha)
Sintomas: estimula o SNC. Provoca euforia, sensação de coragem, diminuição do sono e apetite. Causa agitação, fala acelerada e pensamentos rápidos; excitação, agressividade, palidez acentuada, pupilas dilatadas, idéias paranóicas
Prejuízos ao organismo: provoca problemas respiratórios, feridas, insônia, emagrecimento, além de problemas nos dentes (escurecimento, enfraquecimento e perda). Também causa distúrbios psicológicos, como sentimentos de perseguição, medo e paranóia
Vício que provoca: dependência física, psíquica e tolerância(*)

HEROÍNA

Origem: é obtida por meio da sintetização da morfina
Tempo de reação: seus efeitos duram de seis a oito horas
Forma de consumo: pó de cor que varia do branco ao marrom (depende do grau de impurezas). Pode ser fumado, cheirado ou injetado na corrente sangüínea
Sintomas: deprime o SNC. Causa torpor e tonturas e um sentimento de leveza e euforia. Aumenta o sono e diminui a dor. As primeiras doses podem provocar náuseas e vômitos
Prejuízos ao organismo: Contrai as pupilas, paralisa o estômago, provoca depressão, parada respiratória, cardíaca e estado de coma
Vício que provoca: dependência física, psíquica e tolerância(*)

ECSTASY

Origem: ecstasy é o nome dado ao metileno-dioxi-metanfetamina (MDMA), um psicotrópico perturbador produzido sinteticamente ou a partir de um cacto (o peyote)
Tempo de reação: seu efeito surge depois de 20 minutos e dura, em média, sete horas
Forma de consumo: ingestão de comprimidos com forma e cor variáveis
Sintomas: estimula o SNC. A pessoa fica extremamente excitada, eufórica e com forte desejo de contato físico. Modifica as percepções, mas não provoca alucinações muito fortes
Prejuízos ao organismo: passado o efeito, a pessoa sente enjôo, pânico, cansaço, falta de ar e pode ficar desidratada. Exerce efeitos sobre o hipocampo - parte do cérebro ligada à aprendizagem e consolidação da memória. Pessoas que usam a droga com freqüência podem desenvolver paranóia, epilepsia, comportamento violento, depressão, loucura e delírio. Com vários comprimidos, pode ocorrer febre superior aos 41ºC, provocando coagulação do sangue, convulsões e parada cardíaca
Vício que provoca: não há relatos de dependência ou tolerância entre os usuários(*)

LSD

Origem: é um composto químico semi-sintético produzido em laboratório, derivado do ácido lisérgico
Tempo de reação: seus efeitos surgem 30 minutos até uma hora depois de consumido, e duram de oito a dez horas
Formas de consumo: pode ser encontrado como um pó branco, em tabletes, na forma líquida ou em papel impregnado com a droga (forma mais comum). Os usuários colocam o pedacinho de papel na boca (embaixo da língua), para ser absorvido aos poucos pelo organismo
Sintomas: altera o funcionamento do cérebro, provocando mudanças na percepção. Produz alucinações, delírios, visão de cores mais brilhantes e audição de sons incomuns. Também provoca dilatação de pupilas, suor e aumento da freqüência cardíaca. Os usuários também podem ter alucinações como ver deformidades no próprio corpo. A pessoa pode voltar a sentir os efeitos do LSD meses depois, por meio de um fenômeno conhecido como flashback
Prejuízos ao organismo: provoca aumento da freqüência cardíaca, riscos de aborto e má formação fetal. Provoca perigosas alterações de humor, como ansiedade, depressão, violência, além de tendências suicidas ou de automutilação. O LSD pode levar pessoas psicologicamente frágeis a um estado psicótico (loucura)
Vício que provoca: não causa dependência alguma, mas leva à tolerância(*)

(*) OS GRAUS DO VÍCIO

● Tolerância: o organismo se acostuma com a substância e, para obter os mesmos efeitos, a pessoa tem de aumentar a dosagem. É bastante perigoso pela ameaça da overdose (doses altíssimas que podem levar à parada cardíaca e à morte).

● Dependência física: a droga é necessária para que o corpo funcione normalmente. O organismo desenvolve um outro equilíbrio e, na falta da droga, funciona mal. Sem a substância, a pessoa pode sofrer abstinência - ou seja, cólicas, angústia, dores pelo corpo, letargia, apatia e medo.

● Dependência psíquica: se instala quando a pessoa é tomada por um impulso forte, quase incontrolável, de usar a droga. Sem ela, o indivíduo é tomado de uma forte sensação de angústia e mal-estar intenso (fissura).

Fonte: Instituto de Medicina Social e Criminalística de São Paulo (IMESC-SP)

E se fosse seu filho?

Falar da maconha na terceira pessoa parece ser fácil, basta ter uma opinião formada a respeito. Quando o “ele” torna-se o próprio filho, o tempo fecha e qualquer teoria fica fraca diante da vivência do dia-a-dia. Os pais sofrem com a dependência química dos rebentos. Vêem as pessoas que mais amam à deriva num mundo ameaçado pelo poder das drogas.

O analista de sistemas, Marcos Bonfim, fala sobre dependência química com a experiência de quem conhece de perto o problema. K., o filho mais velho, 15 anos, foi usuário da maconha até agosto deste ano. O garoto, que experimentou a erva pela primeira vez aos doze, faz parte de uma estatística assustadora que aponta o Distrito Federal como o segundo maior estado em número de jovens consumidores da maconha. Oito por cento da população de adolescentes já experimentou, pelo menos uma vez, os efeitos da maconha.

No caso de K., a primeira prova foi apenas o começo de um pesadelo. Ele passava até três dias fora de casa, pedia esmolas e vigiava carros para comprar a droga. “Esse negócio de falar que maconha não faz mal é besteira. Só quando se tem um filho drogado em casa é que se sabe como a barra é pesada”, desabafa o pai.

Para não ver o futuro do filho comprometido, Marcos tomou atitudes drásticas. Recorreu a uma clínica de recuperação e mudou o menino de endereço. Depois de seis meses medicado com antidepressivos e com fortes crises de abstinência, K. parece estar curado. Mesma sorte não teve T., 22 anos. O estudante da Universidade de Brasília (UnB) ainda é viciado. Seus pais são médicos, mas mesmo assim não conseguiram convencer o filho de que o problema merece ser tratado com um especialista.

T. fuma maconha e os pais suspeitam que já experimentou cocaína. A tática de seu Jeremias da Costa, o pai, é diferente da de Marcos. “Não vou obrigar o menino a entrar em uma clínica, porque ele é maior de idade e sabe o que faz. Mas a cada dia perdemos um pouco da personalidade do nosso filho”, lamenta.

Fonte: http://www2.correioweb.com.br/cw/2001-11-25/mat_22138.htm

quarta-feira, 14 de novembro de 2001

Meu pai fuma maconha comigo

14 de novembro de 2001, Veja nº 1726

Ganha corpo o fenômeno do "baseado em família": o de pais que compartilham o uso da droga com os filhos.

Ariel Kostman

Felipe é um dentista de 53 anos. Como tantos outros de sua geração, começou a fumar maconha nos anos 60, quando a erva fazia parte do pacote básico dos jovens que queriam "contestar o sistema" ou apenas "curtir numa boa" (ah, como as gírias se tornam bobocas com o passar do tempo…). Felipe acendia baseados escondido dos pais. Depois de adulto e casado, continuou a fumar os cigarrinhos enrolados em papel de seda, mas sem ocultar o hábito de seus dois meninos. Hoje, a maconha é um item menos presente no cardápio de Felipe. Mas se tornou algo a ser compartilhado com os filhos. No mês passado, ele e Lúcio, o primogênito de 26 anos, introduziram o caçula de 16 na rodinha de fumo caseira. "Nessas ocasiões, ficamos alegres, rimos bastante", diz Felipe.

O fenômeno do "baseado em família" já apresenta proporções suficientes para chamar a atenção dos especialistas no tratamento de dependentes químicos. Nos Estados Unidos, vinte de cada 100 jovens internados em clínicas de desintoxicação tinham o costume de fumar maconha com os pais. Cerca de 5% deles foram apresentados à erva por papai ou mamãe. No Brasil, os números que emergem dos consultórios médicos impressionam. Dos dependentes atendidos pela psicóloga paulista Sueli de Queiroz, uma das mais respeitadas do país, metade é composta de pais que usam a erva com os filhos ou de filhos que dividem o baseado com os pais. O psiquiatra Arthur Guerra de Andrade, diretor do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas da Universidade de São Paulo, lembra a história de um de seus pacientes, um adolescente de 17 anos. Filho de um alto executivo, o rapaz foi expulso da escola depois de ter sido flagrado com um cigarro de maconha. O pai, ao invés de lhe dar uma bronca ou de encaminhá-lo a um psicólogo ou algo que o valha, ensinou-lhe macetes de como fumar sem correr o risco de ser pego.

Para esses pais, fumar maconha é uma experiência inócua, que serve inclusive para estreitar laços. "É como tomar um cálice de vinho ou um copo de cerveja ao lado de quem se gosta", compara a empresária Lúcia, de 45 anos, que de vez em quando enrola um baseado com João, seu filho de 19. É uma visão equivocada. Assim como o álcool e o tabaco, a maconha faz mal, sim, à saúde. Com uma agravante: é droga ilegal. Esse fato, no caso do "baseado em família", tem implicações maiores do que a pena criminal. Uma das funções dos pais é inculcar nos filhos a obediência a determinados códigos. Em muitos pontos, as figuras paterna e materna encarnam as próprias regras sociais, o que é essencial não só para a educação, como para a formação da personalidade da criança e do jovem. "Quando um adulto usa a droga com o filho, está sinalizando que não é preciso respeitar a lei, nenhuma lei. A partir daí, cria-se uma confusão que pode levar a distúrbios psíquicos e de comportamento", critica o psiquiatra gaúcho Sérgio de Paula Ramos. Em resumo, pai é pai, amigo é amigo. O "pai amigo", que até fuma baseado, é uma daquelas modernices que só servem para causar transtornos. Os especialistas são unânimes: se um adulto é usuário de maconha (ou de qualquer outra droga), que a utilize longe da vista de seus filhos. A hipocrisia, aqui, é mesmo um elogio que o vício presta à virtude.

Existe, ainda, um contingente expressivo de pais que, embora não fumem maconha, permitem abertamente que seus filhos o façam dentro de casa – na linha "melhor aqui do que lá fora". Há também aqueles que fingem não ver o que ocorre. Permanecem na sala, tentando ignorar aquele cheirinho de mato que vem do quarto. Esse universo foi abordado num estudo realizado pela antropóloga Rachel Trajber. Durante três meses, Rachel conviveu com sessenta jovens de 12 a 21 anos, de todos os segmentos sociais da cidade de São Paulo. Os jovens de classe média, principalmente, mencionaram um "certo consentimento" dos pais em relação ao uso da erva. Essa atitude não é tão perniciosa quanto consumir a droga ao lado dos filhos, mas ajuda a cristalizar a idéia de que maconha não faz mal e de que é um erro incluí-la no rol dos entorpecentes. A maioria dos pesquisados, aliás, acredita que só as substâncias mais pesadas, como cocaína, crack e ecstasy, podem ser consideradas drogas. Eles, assim como seus pais, deveriam ser informados de que nunca a erva foi tão perigosa. Nos últimos quarenta anos, a concentração de THC, o princípio ativo da maconha, aumentou muito. Conseqüentemente, seu poder de viciar também. Uma pesquisa conduzida pela psicóloga Flávia Jungerman, supervisora do Ambulatório da Maconha da Universidade Federal de São Paulo, traçou o perfil dos usuários no Brasil. Eles começam a fumar por volta dos 14 anos e mais da metade enrola mais de um baseado por dia. "Os jovens precisam que alguém imponha limites", afirma Flávia. Isso cabe a você, pai.

Mais forte e mais perigosa

O princípio ativo da maconha é o THC, sigla de tetrahidrocanabinol. É ele o responsável pelas sensações de relaxamento e desinibição experimentadas por quem fuma a erva. Traduzindo: aquele sorrisinho estereotipado é causado pelo THC. A fome que todo usuário sente depois de fumar – a popular "larica" – também é obra do THC. Nos últimos quarenta anos, a presença dessa substância aumentou muito nos baseados enrolados pela moçada. Na década de 60, um cigarro da erva continha 0,5% de THC. Atualmente, estudos americanos apontam para níveis de até 5%. Há ainda o skank, a supermaconha desenvolvida em laboratório, com 20% de THC. Por causa dessas altas taxas de princípio ativo, a maconha hoje vicia mais e inflige danos ainda maiores ao organismo. O uso freqüente da droga diminui a coordenação motora, altera a memória e a concentração. Pode levar o usuário a crises de ansiedade e depressão. Além disso, prejudica o funcionamento do sistema respiratório – acarreta infecções de garganta e de pulmão. O THC é apenas um dos 400 compostos químicos encontrados em um cigarro de maconha. Alguns deles são cancerígenos, como o alcatrão.

Fonte: http://www.escolavesper.com.br/vejamaconha/fvejamaconha.htm

segunda-feira, 8 de outubro de 2001

Maconha destrói tumores cerebrais

8 de outubro de 2001, Enigmas da Humanidade

Cientistas da Universidade Complutense, de Madri, Espanha, afirmam que o tetrahidrocanabinol (THC), o principal componente ativo da maconha (Cannabis sativa), tem o poder de impedir o crescimento de tumores cerebrais malignos (gliomas). A descoberta de mais uma propriedade medicinal para a maconha poderá fortalecer os movimentos que pedem por sua legalização para uso terapêutico.

Segundo o relato publicado na revista Nature Medicine, os cientistas induziram tumores cerebrais em 45 ratos. Um terço dos animais recebeu doses de THC, outro terço tomou um canabinóide sintético e o restante serviu como grupo de controle. Em 18 dias, o grupo de controle morreu. Os tumores foram destruídos na metade dos sobreviventes e os restantes tiveram uma sobrevida de três a seis semanas.

O Dr. Manuel Guzmán acredita que as experiências abrirão novas perspectivas para o tratamento dos gliomas malignos. A Drª. Daniele Piomelli, farmacologista da Universidade da Califórnia em Irvine, EUA, ficou otimista com os resultados, já que tais tumores costumam ser resistentes às terapias tradicionais. Cirurgia, radiação e quimioterapia ajudam muito pouco. A média de sobrevida dos pacientes não costuma ser maior que um ano.

Os cientistas espanhóis pensam que os canabinóides ajudam a criar ceramidas, que, por sua vez, conduzem a morte programada das células tumorais.

Em 1999, cientistas demonstraram que outro componente da Cannabis, a anandamida, pode ser usada para tratar o Mal de Parkinson e a esquizofrenia. As Cannabis (sativa e indica) contêm mais de 400 componentes ativos, muitos dos quais com efeitos ainda desconhecidos. Talvez isto tenha contribuído para que tantas culturas a considerem uma "planta sagrada".

Fonte: Enigmas da Humanidade (8 de outubro de 2001)

terça-feira, 4 de setembro de 2001

Spray de maconha alivia dor crônica

4 de setembro de 2001, O Globo

David Derbyshire
Do Daily Telegraph.

Glasgow - Uma pesquisa realizada na Grã-Bretanha mostrou que a maconha é capaz de aliviar dores crônicas em vítimas de esclerose múltipla ou de doenças provocadas por lesões na coluna ou nos nervos. Administrado em forma de spray, o THC (princípio ativo da droga), aplicado embaixo da língua, melhorou a qualidade de vida de 17 dos 21 pacientes testados.

De acordo com os cientistas, que apresentaram os resultados preliminares do estudo ontem à Associação Britânica para o Progresso da Ciência, o uso da maconha trouxe basicamente duas vantagens aos seus pacientes: alívio da dor e capacidade de dormir melhor à noite. Willian Norcutt, responsável pela pesquisa no hospital James Paget, em Norfolk, garante que os testes "estão indo muito bem e podem levar a uma nova droga feita à base de maconha".

Apesar de a maconha já ser usada informalmente há muitos anos com o objetivo de aliviar a dor, nenhum estudo comprovou cientificamente a sua eficácia como analgésico - tampouco foi criado um medicamento usando suas propriedades.

Absorção em spray é mais rápida

Enquanto o Canadá tornou-se recentemente o primeiro país do mundo a permitir o uso medicinal da maconha, a Grã-Bretanha é o país que mais realiza pesquisas sobre seus benefícios terapêuticos.

Algumas clínicas britânicas têm autorização para pesquisar medicamentos elaborados a partir da droga, como a GW Pharmaceuticals, responsável pela maconha em spray.

Uma das vantagens de ser administrada em spray é a mais rápida absorção da droga pelo organismo, caindo em poucos minutos na corrente sangüínea. As doses são reguladas de acordo com a necessidade de cada paciente e, segundo Norcutt, "não têm o objetivo de provocar nenhum efeito alucinógeno".

"Preferimos testar a droga em forma de spray porque, ao fumá-la, o pulmão do paciente poderia ser prejudicado", disse o cientista.

O spray foi testado em vítimas de esclerose múltipla, problemas de coluna ou em diferentes nervos do organismo. Os pacientes foram divididos em dois grupos, no qual um recebeu o spray com a droga e o outro, placebo (spray sem o princípio ativo). Os melhores resultados ocorreram no grupo que ingeriu a maconha. A próxima etapa da pesquisa testará 2000 pessoas, entre elas vítimas de câncer e artrite.

Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idArea=1&idSubArea=92

sábado, 1 de setembro de 2001

Cannabis e glaucoma: O caso de Robert Randall

Setembro de 2001, revista Cânhamo

Dr. Ricardo Navarrete

No dia 2 de junho de 2001 falecia, aos 53 anos, em sua residência de Sarasota (Flórida), Robert Randall, doente de glaucoma que, depois de lutar contra o governo, conseguiu, em 1976, ser o primeiro cidadão estadunidense com direito legal ao uso da marijuana com fins terapêuticos, desde sua proibição.

O glaucoma se caracteriza pela existência de um excessivo aumento da pressão do humor aquoso que se encontra no interior do olho, seja por uma maior produção da dita substância ou pela dificuldade em sua drenagem. O aumento constante da pressão recai sobre o nervo ótico, que vai se deteriorando, fazendo com que o paciente sofra uma progressiva perda de visão. O glaucoma, a diabetes e a catarata são os principais motivos atuais de cegueira. Existem bons colírios que diminuem a pressão intra-ocular, mas geralmente com efeitos colaterais e desenvolvimento de tolerância. Isto faz com que, freqüentemente, os doentes acabem necessitando de uma intervenção cirúrgica.

O conhecimento e estudo do glaucoma se devem ao desenvolvimento recente do tonômetro, aparelho que mede a pressão ocular. É compreensível, portanto, que não existam referências à doença na literatura médica clássica; assim como inexistem tratados sobre a Cannabis e suas propriedades terapêuticas. Ao contrário do que aconteceu com o descobrimento de outras indicações, não houve casos de pacientes com glaucoma que afirmassem beneficiar-se do uso da maconha, muito menos oftalmologistas que a recomendassem em suas consultas.

O descobrimento dessa indicação se deve a um acontecimento fortuito. Em 1971, a polícia estadunidense queria utilizar como prova incriminatória a suposta midríase (dilatação da pupila) que se acreditava resultado do uso dessa substância. Para isso, encomendaram um estudo aos doutores Hepler e Frank da Universidade da Califórnia, que mediram diversos parâmetros oculares de voluntários que previamente haviam fumado Cannabis. Constatou-se, em vez de dilatação, uma contração de 25-30% (até 50%, em alguns pacientes), desaparecendo o efeito em 4 ou 5 horas.

A maconha é igualmente eficaz por via inalada, intravenosa e oral, ainda que para a eficácia dessa última sejam necessárias doses mais elevadas, de até 20-25mg. Constatou-se, também, que não somente o THC (tetraidrocanabinol, o princípio ativo da Cannabis) diminuía a pressão ocular, como também outros canabinóides como o delta-8-THC e o 11-hidroxi-THC. Sem dúvida, todos eles são psicoativos e, como o glaucoma requer uma terapia contínua, o paciente necessita consumir permanentemente e estar sempre atento aos efeitos. Este é o grande inconveniente da Cannabis para o glaucoma.

No princípio, se pensou que a queda da pressão do líquido intra-ocular provocado pela marijuana se devia à diminuição de água no olho como conseqüência da hipotensão arterial que a Cannabis provoca, efeito parecido ao exercido pelos diuréticos também empregados nessa patologia. Porém, com o descobrimento recente da existência de receptores específicos CB1 no globo ocular, surgiu a possibilidade de desenvolver colírios que atuem exclusivamente sobre eles, evitando desta maneira o efeito psicoativo indesejado. Os canabinóides naturais não são hidrófilos e, por isso, são inúteis neste tipo de preparados. Atualmente, se está trabalhando com uma molécula resultante da união da anandamida com uma substância denominada ciclodextrina, que permitiria sua estabilidade em meio aquoso e absorção pela córnea. Também o conhecimento da mediação dos receptores CB1 no mecanismo de ação dos canabinóides, diferente da que ocorre com os colírios utilizados nesta enfermidade, leva a pensar em uma nova possibilidade terapêutica: a combinação com outros medicamentos atualmente empregados no tratamento, diminuindo a possibilidade de desenvolver tolerância pelo uso prolongado.

Paciente de glaucoma desde a adolescência, Robert Randall soube por um oftalmologista que logo perderia a visão. Com a ajuda do Dr. Hepler, porém, iniciou um tratamento com Cannabis, que ele mesmo plantava, até que foi detido pela polícia. Exigiu, então, que realizassem testes que provaram que a maconha fumada era mais eficaz que os medicamentos convencionais que utilizava. Com a aprovação da FDA (Administração para Drogas e Alimentos), foi inscrito em um programa (atualmente fechado) de uso permitido de drogas ilegais com fins terapêuticos e acompanhado pelos doutores John Mettitt e Richard North, os quais testemunharam no tribunal que a marijuana fumada o havia ajudado a conservar a visão. A partir de então, até sua morte, recebeu cigarros de Cannabis do Estado.

O testemunho de Randall está documentado no site www.marijuana-as-medicine.org/alliance.htm para informar a outros pacientes suas experiências e difundir os estudos clínicos que existem sobre a marijuana e esta doença.

Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idArea=1&idSubArea=97

Cânhamo natural cura as fobias

Setembro de 2001

LONDRES - Substâncias químicas chamadas canabinóides, semelhantes ao Cannabis, o principio ativo do cânhamo, são produzidas naturalmente pelo cérebro e ajudam a administrar o medo e a ansiedade. A ausência dessas substâncias, segundo os cientistas do Instituto de Psiquiatria Max Planck, em Munique, na Alemanha, pode explicar por que algumas pessoas têm mais dificuldade de esquecer acontecimentos dolorosos e sofrer de fobias , estresse pós-traumático e ataques de pânico.

Em estudo publicado na revista científica Nature desta semana, Beat Lutz e outros pesquisadores relatam testes feitos com camundongos em laboratório e sugerem: medicamentos que simulem no cérebro o papel dos canabinóides podem ajudar os pacientes a esquecer as lembranças e os eventos dolorosos.

Dois tipos de camundongos foram preparados para o estudo: um grupo para produzir mais canabinóides e o outro para produzir menos quantidade da substância. Os ratos, então, foram submetidos a uma série de testes, que envolviam sons altos e choques nas patas. [Leia o texto “Em defesa das cobaias”.]

Os pesquisadores notaram que os ratos que produziam menos canabinóides ficaram estáticos ao ouvir os sons que antecipavam o choque. Já os animais com maior quantidade da substância aparentemente esqueciam de associar o som ao choque, e não ficaram paralisados de medo, antevendo o choque nas patas.

Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idArea=1&idSubArea=134

segunda-feira, 30 de julho de 2001

Canadá legaliza maconha para uso medicinal

30 de julho de 2001, UOL On-Line

O Canadá se torna nesta segunda-feira o primeiro país no mundo a permitir legalmente o uso da maconha para fins medicinais.

Agora os canadenses poderão cultivar maconha e consumir a erva se tiverem receita médica e um documento de autorização emitido pelo governo.

A produção comercial e a venda da maconha para outros fins que não medicinais ainda serão consideradas crime.

A Associação Médica Canadense se opõe à nova lei, dizendo que não foi feita pesquisa científica suficiente para que os médicos possam prescrever a droga, levando em conta a freqüência no uso e o impacto na saúde do paciente que toma outros medicamentos.

O próprio governo agora tem que começar a cultivar a droga para fornecer a pacientes que poderiam se beneficiar de seu uso.

O cultivo será feito em Sasktchewan, numa região no subsolo, em uma mina abandonada. A mina será transformada em uma estufa, com iluminação artificial.

Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idArea=1&idSubArea=80

sábado, 28 de julho de 2001

O confuso planeta maconha

28 de julho de 2001, O Globo

Zuenir Ventura

A primeira e última vez que experimentei maconha foi em 1968, quando era moda provar de tudo a que não se tinha direito: LSD, haxixe, cocaína e, alguns, até heroína. Fumei e traguei - e amarrei um tremendo bode, como se dizia então. Nunca mais. Em compensação, conheço pessoas daquela época que continuam fumando até hoje numa boa - homens normais, do establishment, com emprego, família. Jamais o fumo os impediu de estudar, trabalhar, ter grana e sucesso.

O mesmo eu poderia afirmar em relação à bebida. Muitos companheiros de adolescência, com os quais tomei em Friburgo o meu primeiro porre de Cuba-Libre, continuam bebendo moderadamente, como eu: uma cervejinha no fim de semana, um uisquinho, um vinho. Já outros viraram alcoólatras e morreram de cirrose.

Tudo isso para dizer que há muita confusão entre uso e dependência, entre curtição e submissão, entre recreação e vício. Nem sempre é a droga que cria a dependência, mas é o candidato a ela que vai buscar sujeição em qualquer vício: alcoolismo, jogo, cigarro etc. Da mesma maneira que o inveterado jogador é capaz de jogar até palitinhos de fósforo, se não houver outra possibilidade, o dependente de drogas vai cheirar cola se não encontrar cocaína e o viciado em cigarro vai catar guimba no chão para dar uma tragada.

A dependência química da droga é hoje considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como doença. Portanto, não adianta colocar a ênfase no sintoma. É preciso tratar da enfermidade, curar o doente, atacar a infecção para fazer baixar a febre. Não é o antitérmico que vai resolver, mas o antibiótico. "Ser dependente de droga não é ter o desejo de usar droga", já disse sabiamente o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira Filho, "é não ter a possibilidade de não usá-las".

O problema é que a sociedade quer combater um inimigo sobre o qual sabe muito pouco - não sabe nem se é inimigo mesmo e como ele age. Desconhece os seus efeitos no organismo, ignora se (ou até que ponto) faz mal e costuma omitir o fato de que as drogas dão prazer. As campanhas insistem nos efeitos nocivos, dizem que elas são perigosas, que matam, mas esquecem que, antes de matar, elas constituem um barato maior do que o medo da morte, para quem está mergulhado na angústia ou no desespero.

A visão que o senso comum tem do problema, impregnada de moralismo e preconceito, foi importada dos Estados Unidos, cuja política de repressão e proibição, de "combate", de "guerra", criou a ilusão de que se pode acabar com as drogas a tiro.

O resultado dessa estratégia é que a repressão não impediu que a maconha tivesse se tornado um dos hábitos de consumo mais difundidos entre a juventude. Sem hipocrisia, é preciso admitir que se trata de uma transgressão que virou norma: nas praias, nos shows, nos festivais, só para citar os lugares públicos.

O que ocorreu no show do Planet Hemp é apenas mais um exemplo dessa política de equívocos. A lei, ou seja, a sociedade, obriga que o pobre do juiz aja. Aí ele vai e tenta impedir que milhares de jovens assistam a um espetáculo que os submeteria a uma apologia das drogas, como se eles fossem lá para aprender a fumar e não porque já fumam.

Outra confusão corrente é a de que todas as drogas são iguais, têm a mesma toxicologia e apresentam o mesmo risco letal, quando já há estudos mostrando que o álcool é das drogas mais lesivas e a maconha, a menos agressiva. No livro "Hemp - O uso medicinal e nutricional da maconha", de Chris Conrad, um trabalho sério que a Editora Record acaba de lançar, o autor cita uma respeitada revista científica para garantir que a maconha não é perigosa para a saúde e que mais cedo ou mais tarde todo mundo vai se render a essa evidência. "A Cannabis, em si, não é um risco para a sociedade", ele escreveu, "mas incorporá-la cada vez mais à clandestinidade pode bem o ser".

Há países experimentando soluções que substituam a repressão pela descriminalização ou pela legalização controlada das drogas. Talvez seja cedo para avaliar os resultados. Uma das dificuldades é que esse projeto tem que ser universal para funcionar. Não adianta liberar numa cidade ou num país, se o vizinho não faz o mesmo e a distribuição continua entregue ao tráfico.

Não sei o que fazer - aliás, eu, o governo e a sociedade. Só quem parece saber mesmo são os traficantes. O país não conseguiu criar para as drogas um programa exemplar como o que desenvolveu contra a AIDS. É um dos mais complicados desafios desse confuso mundo moderno. A única certeza é que a política que aí está é um desastre. Não sei se há outra à mão melhor, mas pior certamente não haverá.

Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idArea=1&idSubArea=79

quarta-feira, 4 de julho de 2001

Blair faz teste para liberar maconha

4 de julho de 2001, O Globo (1º Caderno)

Cassia Maria Rodrigues
Correspondente de O Globo em Londres.

LONDRES. Lambeth, distrito de Brixton, no sul de Londres, nunca atraiu turistas. Pelo contrário, sua fama de bairro violento costuma afugentá-los. Com uma já polêmica iniciativa do governo Tony Blair, em vigor desde ontem, provavelmente em pouco tempo o bairro será invadido por levas de turistas interessados em outro tipo de viagem.

É o que profetizam os setores mais conservadores da sociedade inglesa, depois da decisão do primeiro-ministro de abolir a prisão em Lambeth para quem for flagrado fumando maconha.

Habitado, em sua maioria, por imigrantes africanos e jamaicanos, o bairro serve de cenário para o projeto experimental - com a validade de seis meses - do governo Blair. Se for bem sucedido, ele será estendido a outras localidades inglesas com as mesmas características de Lambeth.

O governo alega ser um despropósito desperdiçar o tempo da Scotland Yard, a polícia metropolitana de Londres, e rios de dinheiro com a tramitação na Justiça dos processos envolvendo os portadores da droga que, alegam as autoridades, não representam real perigo para a sociedade. A burocracia com o flagrante e a prisão de usuários de maconha dura, em média, dez horas. Agora, o policial gastará apenas dez minutos com o flagrante. Em vez de o usuário ser preso, a maconha será apreendida.

Quem for apanhado fumando maconha em Lambeth escapará da prisão, e não da advertência formal. Mas isso não basta para a oposição conservadora. A nova legislação em vigor, segundo Ann Widdecombe, ministra do Interior do gabinete paralelo conservador, representa, de fato, um grande passo na direção da descriminalização da droga.

Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idArea=1&idSubArea=78

sexta-feira, 22 de junho de 2001

No caminho certo

22 de junho de 2001, Correio Braziliense

Marina Oliveira

Os brasileiros chegaram a um consenso importante sobre o uso de drogas. A cadeia não é lugar para dependente. A idéia parece estar de acordo com o senso comum vigente, mas demorou dez anos para ter a possibilidade de virar lei, tamanha a resistência encontrada na sociedade.

O projeto de lei do deputado Elias Murad (PSDB-MG), apresentado pela primeira vez à Câmara em 1991, deverá ser aprovado pelo Senado até o final deste mês, com as bênçãos dos partidos governistas e da oposição.

O texto da agora quase lei contém inúmeros remendos feitos ao longo da última década para satisfazer os diferentes discursos antidrogas do país. A nova legislação virá substituir a chamada Lei dos Tóxicos, de 1976.

Hoje, a Justiça faz a diferença entre o usuário e o traficante com base na quantidade de entorpecentes apreendida. As punições reservadas, no entanto, tratam os dois como infratores, ainda que mereçam punição distinta.

O projeto de Murad retrata o dependente como uma pessoa que precisa de tratamento médico e assistência psicológica do Estado e também da família. Prevê, inclusive, a internação em regime ambulatorial ou estabelecimento hospitalar como parte da pena para quem for pego com tóxicos. A posição do secretário nacional antidrogas, general Alberto Cardoso, sobre o assunto é emblemática dessa mudança de postura da sociedade. ''Não há dúvida de que a droga dá prazer, mas faz mal. Por isso, não podemos ficar reféns de princípios morais que ainda não foram testados pela prática'', defendeu na abertura do seminário “Drogas, um problema de saúde pública”, promovido ontem pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

A posição do general tem um aliado inusitado, o deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ), conhecido defensor da liberação da maconha no país. ''O deputado Elias Murad e eu continuamos brigando muito, mas felizmente chegamos ao consenso de que cadeia não é lugar para dependente'', diz Gabeira.

O deputado eleito em grande parte ''por pessoas bem-sucedidas, com o hábito de fumar maconha'' (como ele mesmo diz) também encontrou um aliado impensável nessa discussão: a Igreja Católica. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que este ano escolheu o problema da droga como tema de sua campanha da fraternidade vem tentando trazer os usuários para o tratamento e nunca para a cadeia. ''Temos de promover a dignidade humana e evitar ao máximo a exclusão social e os dependentes químicos estão incluídos nisso'', afirma Luís Antônio Souza, da CNBB.

Isso não significa que as drogas deixaram de ser um tema espinhoso. O próprio projeto de lei de Elias Murad não explica quem irá bancar o tratamento dos usuários. O nome do Sistema Único de Saúde (SUS) responsável por garantir o atendimento à população sequer foi mencionado no texto. A redação também mantém visões preconceituosas sobre os dependentes químicos incluindo entre as penas previstas a internação em hospitais psiquiátricos. Como se consumidores de entorpecentes tivessem distúrbios mentais. O que não diminui a importância de tirar meninos de 18 anos, dependentes químicos da cadeia.

Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idArea=1&idSubArea=77

sexta-feira, 4 de maio de 2001

A tradição de rolar cabeças em Ouro Preto

4 de maio de 2001, O Globo (Opinião)

Fernando Gabeira

Aos que estranham minha ausência no debate sobre a Escola Parque, devo uma explicação. Minha filha estuda lá, há três meses. É uma pessoa com idéias e trajetórias próprias. Não merece nem o mérito nem o estigma que essa luta colou na minha imagem.

Chego, portanto, ao debate não como um deputado garimpando votos, mas como um pai que debateu em casa e obteve um sinal verde para expressar suas idéias. Se não o obtivesse, deixaria passar em branco, como devo ter deixado passar as polêmicas sobre expulsão de meninos com cabelo comprido, meninas de minissaia ou, mais recentemente, meninos usando brinco.

Numa carta publicada no O Globo, Gilberta Axelrod, que trabalha com usuários de droga e se dedica ao estudo do tema, afirmou que a Escola Parque recusou a pedagogia, sua razão de ser, expulsando no lugar de educar, sob o pretexto, válido no geral, de que é necessário impor limites.

Concordo com essa tese de Gilberta. Mas, de um certo modo, considero que há uma visão pedagógica por trás de tudo, se levarmos em conta que existe uma pedagogia da repressão.

Considero-a, nesse caso particular, um subproduto das grandes visões que polarizam no planeta as políticas de droga. A dos Estados Unidos, com ênfase na repressão, e a holandesa, com ênfase na redução de danos. Escolhi a palavra ênfase porque os Estados Unidos também praticam a redução de danos, e a Holanda, a repressão.

A política estadunidense é um fracasso. Milhões de pessoas presas, uma nova penitenciária por semana.

Livros como de Mike Gray dizem isto até no título: como entramos nessa confusão e como podemos sair dela. Ex-presidentes como Jimmy Carter e, recentemente, Bill Clinton, em sua entrevista à "Rolling Stones", consideram um equívoco abarrotar as prisões com usuários de maconha.

Os meninos em Ouro Preto, diante do fascínio da arquitetura barroca, devem ter refletido também sobre a Inconfidência Mineira, perguntado por que rolam cabeças naquelas ruas mágicas e irregulares. Uma delas, a de Tiradentes, exposta concretamente em praça pública.

Precisam saber que o ranço colonial ainda envolve a política de drogas no Brasil, onde as teses estadunidenses predominam. Nossas cadeias estão superlotadas, e, como nos faltam recursos, elas estão explodindo. Seu anacronismo se revela dramaticamente diante de simples instrumentos de nosso moderno cotidiano, como o telefone celular.

Como se não bastasse a inspiração, os estadunidenses nos pressionam para que adotemos a pena de morte, derrubando aviões que não atendam ao comando de aterrissar. Essa gloriosa batalha do bem matou, no Peru, a missionária estadunidense Rony Bowler e sua filha Charity, de sete meses. Foram metralhadas a bordo de um Cessna.

Se fosse só trazer uma batalha aérea para os céus da Amazônia, ainda poderiam buscar alguns argumentos. Mas querem trazer a guerra biológica com o Plano Colômbia, desenvolvendo o fungo Fusarium oxysporum para destruir as plantações de coca, com possíveis repercussões nos rios amazônicos.

A política holandesa de redução de danos tem sido confirmada pelos eleitores. A legalização da maconha, ao contrário do mito, não significou aumento do consumo de outras drogas. Havia 20 mil usuários de heroína. O número se mantém estável e cresce apenas a idade média dos usuários, indicando que as novas gerações não seguiram esse caminho.

A política de redução de danos já desponta em Porto Alegre, onde se trocam seringas de usuários de drogas descartáveis.

Num debate que realizamos segunda-feira na cidade, discutindo a questão da AIDS, ficou claro que um terço dos soropositivos era usuário de droga injetável. A maioria não tinha renda, era analfabeta. Portanto, nossa luta, junto com os africanos do sul e indianos, por um acesso a remédios mais baratos deve ser também a de incluir, criar fontes de renda, educar.

Daí o paradoxo vivido dentro de nossas fronteiras. Os que trabalham com usuários insistindo no verbo educar, os educadores usando o verso expulsar. Esse paradoxo, na verdade, revela como compartilhamos um drama universal e como, aos poucos, os educadores da Escola Parque, vamos nos integrando em processos mais amplos.

Assim como nos Estados Unidos, criamos um czar antidrogas, o general Alberto Cardoso. Admiro sua integridade, mas não deixei de dizer diretamente a ele, na Câmara, que sua ida ao Nordeste para queimar maconha era apenas um ato de terrorismo cultural. Em 525 d.C., queimava-se maconha nos arredores do Cairo. E a maconha sobrevive com revistas especializadas, festivais internacionais, cancioneiro e até um museu em Amsterdã.

Se parassem apenas para perguntar por que não existe um museu da berinjela, do alho-poró, e existe um da Cannabis sativa. Ou por que os estadunidenses produzem o Marinol e são contra a produção desse remédio em Pernambuco, onde os técnicos do estado estão prontos para fazê-lo. Ou por que os estadunidenses não querem que usemos a Cannabis para fins industriais e nos documentos da Casa Branca, disponíveis na Internet, afirmam que a Cannabis é uma planta estratégica que não pode faltar, em caso de guerra.

Com todas essas questões levantadas, creio que o único acerto pedagógico da Escola Parque foi o de escolher Ouro Preto para rolar cabeças. A lição, cada um de nós completa em casa, à sua maneira.

Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idSubArea=74&idArea=1&idArtigo=171

quinta-feira, 19 de abril de 2001

Guerra contra drogas afeta maconha jamaicana

19 de abril de 2001, Agência Estado

Matthew J. Rosenberg
AP

Hanson District, Jamaica - Há tempos, os intensos raios do sol parecem incendiar as plantações de maconha na Jamaica, banhando as plantas em raios avermelhados. Mas um produtor afirma que as plantações da erva nesta nação caribenha foram muito afetadas pela guerra contra as drogas e pela competição mundial. O camponês, que se identificou apenas como Thomas, afirmou em entrevista que a variedade de maconha cultivada em seu campo "é a melhor da Jamaica". "Mas agora cultivo menos do que antes", acrescentou.

O cultivo de maconha perdeu grande parte de seu mercado desde a década de 70, quando aviões vinham buscar o produto para levar diretamente aos Estados Unidos. Naquela época, a maconha do Caribe, produzida sobretudo na Jamaica, alimentava 20% do consumo mundial. Hoje abastece menos de 5%, segundo o Mecanismo Coordenador de Controle da Droga no Caribe, um programa da ONU com sede em Barbados. "A maconha ficou para trás, como tudo o que cultivamos… a banana, o açúcar. A maconha não se vende", disse Thomas, que há 40 anos cultiva a Cannabis em uma parcela de dois hectares na qual seu avô plantava apenas tomates e outros frutos.

O cultivo e o consumo de maconha são ilegais na Jamaica, razão pela qual Thomas e outros produtores não dizem seus sobrenomes. Mas são tolerados. Outra razão para manter o anonimato é um acordo oficial que autoriza os agentes norte-americanos a queimar os cultivos.

Em 1991, a Jamaica produziu 705 toneladas de maconha, segundo o Departamento de Estado norte-americano. Cifras mais recentes indicam para uma produção de 235 toneladas em 1997. "Ganhava-se muito dinheiro naquela época", disse Omar, outro plantador, sobre os "anos dourados" da erva. Eles e Thomas dizem que ganhavam cerca de US$ 4.000 anuais, suficiente para levar uma vida cômoda na Jamaica. Agora, ganham a metade.

No início da década de 80, a maconha era aceita localmente, com a benção dos ídolos do reggae como Bob Marley. Mas seu uso freqüente chamava a atenção dos agentes antidrogas norte-americanos. A aduana dos Estados Unidos estava atenta e os agentes queimaram centenas de hectares no Caribe. Thomas disse que os agentes incendiaram seus campos quatro vezes.

A campanha norte-americana elevou o preço da erva na América do Norte, seu melhor mercado. Consumidores dos Estados Unidos e Canadá começaram a cultivar suas próprias variedades, mais resistentes. A maconha norte-americana "é muito superior à jamaicana", diz Steve Bloom, diretor da revista High Times, a bíblia dos consumidores norte-americanos. "A jamaicana é boa, mas é preciso fumar muito."

A maconha jamaicana é cultivada atualmente em ladeiras remotas, pântanos e lamaçais, onde é difícil de ser detectada, mas onde está sujeita aos caprichos do clima. O México também herdou uma parte do mercado. As autoridades norte-americanas dizem que o aumento do comércio legítimo entre México e Estados Unidos, com o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) também refletiu em maior quantidade de erva procedente do país vizinho. Pelo fato de a maconha mexicana ser tão acessível, os mesmos traficantes jamaicanos que operam nos EUA compram essa variedade para vendê-la.

Apesar da queda da maconha jamaicana no mundo, o mercado local é suficiente para manter o negócio dos produtores nacionais. A planta foi trazida à Jamaica no século 19 por trabalhadores da Índia. Inicialmente, ela era utilizada de forma medicinal. A partir da década de 30, foi difundida pela seita rastafari, que a considerava sagrada. Com o reggae, a maconha começou a atravessar as rígidas barreiras de classe do arquipélago.

Hoje, apesar de ainda ter seus adeptos, já não é mais a rainha das plantações. No entanto, velhos hábitos tardam a morrer. "Nunca deixarei de cultivar a erva", disse Thomas com um sorriso malicioso. "Que mais eu poderia fumar?"

Fonte: http://www.estadao.com.br/agestado/noticias/2001/abr/19/202.htm

sábado, 6 de janeiro de 2001

Cuidando da maconha

6 de fevereiro de 2001, Jornal do Brasil

Walter Maierovitch
Juiz, presidente do Instituto Giovanni Falcone e ex-secretário nacional antidrogas.

A União Européia está oferecendo recursos financeiros para incentivar o cultivo da Cannabis, ou seja, a popular maconha.

Os países membros da UE realizam, assim, uma revisão histórica. Revogam as proibições legais de cultivo da planta, impostas a partir de 1930. Abandonam o modelo legislativo estadunidense. Modelo que não distinguiu o uso lúdico - causador de dependência psicológica e dano social - do cultivo da Cannabis sativa, voltado a finalidades outras, como a terapêutica, a industrial e a comercial.

A adoção de amplo proibicionismo levou à eliminação da então farta Cannabis dos campos europeus. E a adoção de tal linha política privilegiou os magnatas do petróleo, pois havia um interesse comercial internacional subjacente na dilatada proibição.

Quando Fernando Pessoa frisou que "navegar é preciso", retratou um tempo em que as velas das naus eram feitas com as fibras da Cannabis. O mesmo material confeccionou as cordas, redes e bandeiras das caravelas do século XV. As folhas e os sarmentos foram posteriormente empregados na produção de papel, tendo sido extraídos das sementes os óleos alimentar e combustível.

Segundo pesquisa conhecida, o velho Henry Ford teria estudado, por quase 12 anos, as propriedades da Cannabis, para emprego industrial. Construiu protótipo de carroceria vegetal incluindo fibras de Cannabis. Era essa carroceria um terço menos pesada do que as feitas de aço, além de 10 vezes mais resistente ao impacto. Não concluiu os estudos sobre a elaboração de combustível derivado da Cannabis. O motivo foi que entrou em vigor, nos EUA, uma lei até então desconhecida no mundo: a de repressão ao cultivo e ao uso da Cannabis.

Com o cultivo proibido, vingou o nylon, derivado do petróleo. E o asiático bicho-da-seda não suportou a concorrência. Em síntese, vitória de grupos do tipo Du Pont e a consagração de Henry Aslinger, mentor da legislação e vários anos chefe do Federal Bureau of Narcotics and Dangerous Drugs. Aliás, foi colocado no posto por indicação do banqueiro Mellon, que fez fortuna com os negócios do petróleo.

Portanto, a reviravolta promovida pela UE resgata a utilização da Cannabis. Para evitar problemas, estabeleceu-se uma condição para o apoio financeiro: fibras com menos de 0,2% de princípio ativo.

Na cidade italiana de Foggia, com financiamento da UE, explora-se o cultivo da Cannabis. Foram gerados 300 novos postos de trabalho. A produção alcançou a marca de 22 mil toneladas-ano de papel. Empolgou, ainda, o fato de a Cannabis renovar o solo, não promovendo, como sucede com a cana-de-açúcar no Brasil, sua exaustão.

Por outro lado, a indústria farmacêutica renovou seu interesse no uso medicinal da planta, como antes ocorreu com a papoula, geradora da semi-sintética morfina. A maconha vem sendo utilizada, sob controle médico e por exemplo, para aumentar o apetite de aidéticos, melhorando sua resistência física. Também para reduzir, nos casos de câncer, náuseas provocadas pela quimioterapia.

Os ambientalistas, com a alternativa canábica, pretendem evitar os poluentes derivados do petróleo; substituir o quase indestrutível plástico e preservar as madeiras.

Convém sempre observar, ainda, estar a UE incentivando o cultivo condicionado. Não há dúvida de que a maconha é uma droga e o uso faz mal, como tantas outras coisas. O seu uso intenso afeta a capacidade de memorizar e apreender, sendo prudente evitar a disseminação nas escolas. Pode reduzir o desejo sexual e provocar síndrome amotivacional, ou seja, a falta de ânimo para tudo, incluído o trabalho.

Evidentemente, a droga causa prazer. Relaxa, daí sua tolerância pelos diretores de alguns presídios. Potencializa sabores e sons. Amplia as sensações. Não causa dependência física, mas a psicológica pode ocorrer, levando ao aumento do consumo.

No chamado polígono brasileiro da maconha, o governo Fernando Henrique optou, em face da legislação e da destinação da droga ao tráfico, pela introdução de cultivos substitutivos, com financiamentos abertos pelo Banco do Nordeste. Ao que parece, a vigilância policial, o controle por fotografias aéreas e as imagens de satélite não impediram a migração para o Maranhão.

Talvez tenha chegado o momento para novas medidas, apesar de o generoso relatório da ONU, com dados passados pelas autoridades brasileiras, ter apontado para 8 milhões de consumidores de maconha no Brasil. 49% não acreditam nele, conforme consulta feita pelo JB On-Line.

Novas posturas políticas foram recomendadas no relatório de despedida de Clinton e MacCaffrey, depois de tantas trapalhadas, tantos desrespeitos e erros. Pareceu provocação ao conservador W. Bush, que já abusou do álcool.

Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idSubArea=68&idArea=1&idArtigo=165
 

Precisando de ajuda?

Veja o site da Psicóloga e Psicoterapeuta Bianca Galindo que ela faz atendimento online.