11 de junho de 2002, O Globo
LONDRES. Os britânicos em breve poderão fumar maconha sem medo de serem presos. O ministro do Interior, David Blunkett, anunciou ontem ao Parlamento que vai reclassificar a droga, passando-a da categoria B para a C, o que tornará a posse de pequenas quantidades e o consumo em ambiente particular ofensas punidas, na maioria das vezes, apenas com advertência da polícia ou a apreensão da droga.
Apesar do esforço de Blunkett para explicar que a maconha continuará sendo uma droga ilegal, sua declaração acirrou as críticas da oposição conservadora ao governo trabalhista e levou o ex-czar das drogas Keith Hellawell a renunciar ao cargo de conselheiro do governo. Indignado, ele disse que não poderia concordar com a decisão do ministro, que vem sendo apontado como candidato à sucessão do primeiro-ministro Tony Blair.
“Estão indo mais longe na descriminalização do que qualquer outro país do mundo”, disse Hellawell.
O porta-voz do Partido Conservador, Oliver Letwin, disse ao Parlamento que a medida enviará "mensagens profundamente confusas" aos consumidores de maconha e assegurará aos traficantes o controle da droga, já que a polícia daria as costas para o problema. Mas o argumento do governo é que, com a facilitação do uso de maconha, a polícia poderá se dedicar mais à repressão de drogas pesadas, como heroína e crack. Blunkett afirmou que em Brixton, bairro de Londres onde a polícia parou de reprimir o consumo de drogas leves, o percentual de traficantes presos aumentou 10% e a criminalidade diminuiu.
“Temos de concentrar nossos esforços nas drogas que causam mais danos”, disse.
Maconha estará na mesma classe dos antidepressivos
Com a mudança, a maconha estará no mesmo nível de periculosidade dos esteróides anabolizantes, dos hormônios de crescimento e dos antidepressivos. Atualmente, está na classe dos barbitúricos e das anfetaminas.
A nova lei deverá ser adotada em julho do ano que vem, após uma aprovação previsivelmente fácil no Parlamento de maioria trabalhista. Blunkett disse que a polícia continuará a prender consumidores em casos de ameaça à ordem pública ou de situações de risco para crianças.
Para o governo, a medida é uma resposta ao aumento acentuado do consumo de maconha no país nas duas últimas duas décadas, indicado por dados oficiais. Estima-se que cinco milhões de pessoas na Grã-Bretanha fumam maconha regularmente.
A medida deverá ser acompanhada de um aumento da pena máxima para traficantes de cinco anos para 14. Tentando afastar críticas de que o governo adota uma política leve para drogas, Blunkett assinalou:
“Não vamos legalizar ou descriminalizar qualquer droga, nem vislumbrar uma época em que isso será apropriado. A mensagem é clara. Drogas são perigosas. Vamos educar, persuadir e, quando necessário, direcionar jovens para longe do uso de drogas.”
Segundo uma pesquisa divulgada no ano passado, a maconha é a droga ilícita mais usada nos países da União Européia (UE), onde pelo menos um em cada dez adultos já a consumiu. O percentual de adultos que já consumiram a droga varia de 10% na Finlândia até 20% a 25% em Grã-Bretanha, França, Espanha e outros.
Blunkett rejeitou pedidos de que o ecstasy seja retirado da categoria A (de mais alto risco), considerando esta droga, além de crack e heroína, "um flagelo da nossa época".
“É uma droga que pode matar”, disse.
O ministro dedicou a maior parte de sua declaração à condenação às drogas pesadas. A Grã-Bretanha é o país da UE que registra o maior número de mortes relacionadas a drogas. A estimativa oficial é de que haja no país 250 mil consumidores de drogas considerados problemáticos, na maioria viciados em heroína.
Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idSubArea=132&idArea=1&idArtigo=299
terça-feira, 11 de junho de 2002
quinta-feira, 25 de abril de 2002
Guerra perdida
25 de abril de 2002, Folha de S. Paulo (Tendências e Debates)
Julita Lemgruber
Julita Lemgruber, 57, socióloga, é diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes. Foi diretora do Sistema Penitenciário (1991-94) e ouvidora de Polícia (1999-2000) no Estado do Rio de Janeiro.
"Cresce o cultivo de coca na Colômbia", dizia manchete do caderno Mundo no dia 9 de março último. De acordo com relatório da CIA (agência de inteligência dos EUA), o cultivo da coca, planta utilizada para a produção da cocaína, cresceu 24,7% na Colômbia no último ano, a despeito do Plano Colômbia, de combate ao narcotráfico, para o qual os EUA contribuem com US$ 1,3 bilhão. Ao final, informa o texto que "o subsecretário de Estado para assuntos de narcotráfico, Rand Beers, admitiu que a política americana de combate às drogas não tem significado uma redução na oferta de drogas".
Aliás, Barry McCaffrey, antecessor de Beers, ao deixar seu posto, reconheceu que, a despeito dos bilhões de dólares gastos nessa luta na era Clinton, nunca as drogas haviam estado tão puras, tão baratas e tão acessíveis em seu país. Ora, tem a "guerra contra as drogas", inspirada no modelo ditado por Washington, alguma chance de vitória?
Entre 1980 e 2000 o orçamento federal estadunidense para o combate às drogas passou de US$ 1 bilhão para US$ 18,5 bilhões.
Estimativas conservadoras mostram que, nos Estados Unidos, entre 1981 e 1998, o preço do grama de cocaína caiu de US$ 191 para US$ 44 e o grama de heroína passou de US$ 1.194 para US$ 317. No mesmo período, a pureza cresceu: passou de 60% para 66%, no caso da cocaína, e de 19% para 51%, no caso da heroína.
Quanto à acessibilidade, pesquisa de 1999 revelou que estudantes secundários consideram fácil adquirir drogas ilícitas nos Estados Unidos: 88% dos entrevistados disseram que é fácil comprar maconha e 47% afirmaram poder comprar cocaína sem dificuldades.
Anualmente morrem, nos Estados Unidos, aproximadamente 500 mil pessoas em conseqüência do uso de drogas lícitas (400 mil têm mortes relacionadas ao uso do tabaco e 100 mil morrem em conseqüência da ingestão de álcool); e apenas 20 mil mortes relacionam-se ao uso de drogas ilícitas. Ora, dirão alguns, esses números não servem para condenar as drogas lícitas, pois a quantidade de pessoas que usam álcool e tabaco é infinitamente maior, logo o número de mortes também deve ser, necessariamente, maior.
No entanto a ponderação pelo número de usuários revela que as drogas lícitas são de fato muito mais letais: morrem 506 pessoas em cada 100 mil usuários de álcool e tabaco, contra 166 em cada 100 mil usuários de maconha, cocaína, crack e heroína.
Além de não impedir que as drogas se tornassem mais baratas, puras e acessíveis, o modelo estadunidense de combate ao narcotráfico contribuiu para abarrotar as prisões, aumentando exponencialmente os gastos da Justiça e do sistema penitenciário. Pior: recente estudo realizado nos Estados Unidos mostrou que 36% de todos os presos condenados por crimes relacionados com drogas eram pequenos infratores, sem nenhum registro anterior de comportamento violento.
A violência que acompanha a expansão do mercado de drogas, nos EUA ou em outras partes do mundo, decorre em grande medida do próprio modelo repressivo adotado, que pode ser descrito, no mínimo, como esquizofrênico: proíbem-se as drogas, mas não as armas de fogo; criminaliza-se o comércio de substâncias menos letais do que o álcool e o tabaco; colocam-se na cadeia milhares de usuários e pequenos traficantes sem nenhuma periculosidade; e, ao mesmo tempo, incentiva-se a guerra generalizada dentro do tráfico e contra ele, o armamento até das polícias e da população, a mobilização de exércitos, a resolução à bala de disputas comerciais.
Um estudo do Ministério da Justiça estadunidense admite que os conflitos no interior do mercado de drogas ilícitas, junto com a proliferação das armas de fogo, estão entre os principais determinantes da violência letal naquele país; admite ainda que grande parcela dos homicídios se relaciona ao tráfico e que cerca de dois terços desses homicídios são cometidos com armas de fogo.
Mas, mesmo assim, continua a aposta na "guerra" como solução para o problema das drogas. Uma guerra perdida, que gera mais morte e destruição do que evita, que estimula não só a violência, como a corrupção da polícia e dos políticos, contra um mercado capaz de movimentar no mundo US$ 400 bilhões por ano só com a venda de drogas, sem contar os ganhos da indústria de armas. Será isso esquizofrenia ou hipocrisia?
O Brasil é hoje exemplo no mundo quando se fala em política de combate à AIDS. O sucesso dessa política foi resultado de campanhas corajosas e agressivas, ao longo das quais superamos preconceitos e enfrentamos interesses poderosos. Está mais do que na hora de iniciar um debate sério sobre a descriminalização das drogas, lembrando que, através de campanhas educacionais, também corajosas e honestas, poderemos evitar que pessoas morram pelo abuso de drogas pesadas. Não é com a repressão policial violenta, com gastos de somas fabulosas (que não temos!) ou com campanhas mentirosas que estaremos criando um mundo livre de drogas.
Muitas drogas ilícitas já foram legais no passado. Vamos ter que aprender a conviver com elas e desenvolver uma política consistente e conseqüente de redução dos danos das drogas pesadas. Mais ousadia e menos hipocrisia é do que precisamos para avançar nessa área, como conseguimos indiscutivelmente avançar na luta contra a AIDS.
Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idArea=1&idSubArea=126
Julita Lemgruber
Julita Lemgruber, 57, socióloga, é diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes. Foi diretora do Sistema Penitenciário (1991-94) e ouvidora de Polícia (1999-2000) no Estado do Rio de Janeiro.
"Cresce o cultivo de coca na Colômbia", dizia manchete do caderno Mundo no dia 9 de março último. De acordo com relatório da CIA (agência de inteligência dos EUA), o cultivo da coca, planta utilizada para a produção da cocaína, cresceu 24,7% na Colômbia no último ano, a despeito do Plano Colômbia, de combate ao narcotráfico, para o qual os EUA contribuem com US$ 1,3 bilhão. Ao final, informa o texto que "o subsecretário de Estado para assuntos de narcotráfico, Rand Beers, admitiu que a política americana de combate às drogas não tem significado uma redução na oferta de drogas".
Aliás, Barry McCaffrey, antecessor de Beers, ao deixar seu posto, reconheceu que, a despeito dos bilhões de dólares gastos nessa luta na era Clinton, nunca as drogas haviam estado tão puras, tão baratas e tão acessíveis em seu país. Ora, tem a "guerra contra as drogas", inspirada no modelo ditado por Washington, alguma chance de vitória?
Entre 1980 e 2000 o orçamento federal estadunidense para o combate às drogas passou de US$ 1 bilhão para US$ 18,5 bilhões.
Estimativas conservadoras mostram que, nos Estados Unidos, entre 1981 e 1998, o preço do grama de cocaína caiu de US$ 191 para US$ 44 e o grama de heroína passou de US$ 1.194 para US$ 317. No mesmo período, a pureza cresceu: passou de 60% para 66%, no caso da cocaína, e de 19% para 51%, no caso da heroína.
Quanto à acessibilidade, pesquisa de 1999 revelou que estudantes secundários consideram fácil adquirir drogas ilícitas nos Estados Unidos: 88% dos entrevistados disseram que é fácil comprar maconha e 47% afirmaram poder comprar cocaína sem dificuldades.
Anualmente morrem, nos Estados Unidos, aproximadamente 500 mil pessoas em conseqüência do uso de drogas lícitas (400 mil têm mortes relacionadas ao uso do tabaco e 100 mil morrem em conseqüência da ingestão de álcool); e apenas 20 mil mortes relacionam-se ao uso de drogas ilícitas. Ora, dirão alguns, esses números não servem para condenar as drogas lícitas, pois a quantidade de pessoas que usam álcool e tabaco é infinitamente maior, logo o número de mortes também deve ser, necessariamente, maior.
No entanto a ponderação pelo número de usuários revela que as drogas lícitas são de fato muito mais letais: morrem 506 pessoas em cada 100 mil usuários de álcool e tabaco, contra 166 em cada 100 mil usuários de maconha, cocaína, crack e heroína.
Além de não impedir que as drogas se tornassem mais baratas, puras e acessíveis, o modelo estadunidense de combate ao narcotráfico contribuiu para abarrotar as prisões, aumentando exponencialmente os gastos da Justiça e do sistema penitenciário. Pior: recente estudo realizado nos Estados Unidos mostrou que 36% de todos os presos condenados por crimes relacionados com drogas eram pequenos infratores, sem nenhum registro anterior de comportamento violento.
A violência que acompanha a expansão do mercado de drogas, nos EUA ou em outras partes do mundo, decorre em grande medida do próprio modelo repressivo adotado, que pode ser descrito, no mínimo, como esquizofrênico: proíbem-se as drogas, mas não as armas de fogo; criminaliza-se o comércio de substâncias menos letais do que o álcool e o tabaco; colocam-se na cadeia milhares de usuários e pequenos traficantes sem nenhuma periculosidade; e, ao mesmo tempo, incentiva-se a guerra generalizada dentro do tráfico e contra ele, o armamento até das polícias e da população, a mobilização de exércitos, a resolução à bala de disputas comerciais.
Um estudo do Ministério da Justiça estadunidense admite que os conflitos no interior do mercado de drogas ilícitas, junto com a proliferação das armas de fogo, estão entre os principais determinantes da violência letal naquele país; admite ainda que grande parcela dos homicídios se relaciona ao tráfico e que cerca de dois terços desses homicídios são cometidos com armas de fogo.
Mas, mesmo assim, continua a aposta na "guerra" como solução para o problema das drogas. Uma guerra perdida, que gera mais morte e destruição do que evita, que estimula não só a violência, como a corrupção da polícia e dos políticos, contra um mercado capaz de movimentar no mundo US$ 400 bilhões por ano só com a venda de drogas, sem contar os ganhos da indústria de armas. Será isso esquizofrenia ou hipocrisia?
O Brasil é hoje exemplo no mundo quando se fala em política de combate à AIDS. O sucesso dessa política foi resultado de campanhas corajosas e agressivas, ao longo das quais superamos preconceitos e enfrentamos interesses poderosos. Está mais do que na hora de iniciar um debate sério sobre a descriminalização das drogas, lembrando que, através de campanhas educacionais, também corajosas e honestas, poderemos evitar que pessoas morram pelo abuso de drogas pesadas. Não é com a repressão policial violenta, com gastos de somas fabulosas (que não temos!) ou com campanhas mentirosas que estaremos criando um mundo livre de drogas.
Muitas drogas ilícitas já foram legais no passado. Vamos ter que aprender a conviver com elas e desenvolver uma política consistente e conseqüente de redução dos danos das drogas pesadas. Mais ousadia e menos hipocrisia é do que precisamos para avançar nessa área, como conseguimos indiscutivelmente avançar na luta contra a AIDS.
Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idArea=1&idSubArea=126
segunda-feira, 1 de abril de 2002
Reflexões sobre uma indústria altamente rentável
Abril de 2002, Ciência Hoje
Especial "Drogas" - 1ª parte
Alicia Ivanissevich
A variedade de opiniões sobre como abordar o problema do crescente consumo de drogas no Brasil e no mundo é imensa. Mas existe consenso pelo menos quanto a um ponto: trata-se de uma das indústrias mais rentáveis do planeta, ultrapassando inclusive a de petróleo. A venda mundial de entorpecentes para usuários é estimada em US$ 150 bilhões - quantia próxima à gasta pelos consumidores de cigarro (US$ 204 bilhões) e do álcool (US$ 252 bilhões). É, com certeza, o mercado ilícito que mais movimenta dinheiro.
Em todo o mundo, o consumo de drogas não pára de crescer. Os Estados Unidos são certamente o maior consumidor, sobretudo de cocaína e anfetaminas (as vendas chegam a US$ 60 bilhões), seguidos de perto pela Europa. Paquistão, Tailândia, Irã e China respondem pelo maior número de usuários de heroína - os preços baixos, entretanto, impedem que as vendas atinjam US$ 10 bilhões. Em países ricos, como a Grã-Bretanha, as drogas que mais atraem os jovens são as consumidas ocasionalmente, como a maconha, o ecstasy, as anfetaminas e a cocaína.
Ninguém gasta mais com uma política antidrogas do que os Estados Unidos: US$ 35 a 40 bilhões anuais. Os resultados, no entanto, não são nada animadores. A repressão tem ajudado a inchar as prisões e a tornar mais corrupta a polícia norte-americana. Milhares de jovens negros e hispânicos acabam na cadeia: há mais deles na prisão do que na escola. Apesar de o governo insistir em afirmar que a estratégia de combate está funcionando (o consumo ocasional caiu e o uso de drogas pesadas se estabilizou, segundo órgãos oficiais), um terço dos norte-americanos com mais de 12 anos de idade admitiu já ter experimentado drogas no último ano.
Ainda sobre o modelo norte-americano, devemos lembrar que, nos Estados Unidos, o tabaco mata proporcionalmente mais fumantes do que a heroína destrói a vida de seus usuários; da mesma forma, o álcool faz mais vítimas fatais do que a cocaína.
A avaliação das estatísticas e das experiências conduzidas em diversos países aponta para uma questão central: as políticas atuais para o controle de entorpecentes não parecem adequadas. É importante aqui recordar as conseqüências da instituição da Lei Seca nos Estados Unidos (1920-1933), que proibia a venda de álcool e só admitia o consumo dentro de casa. Nesses 13 anos, ocorreu, na verdade, uma distorção do sentido original da lei: a proibição acabou encorajando a formação de gangues, aumentando a corrupção policial e disseminando o crime por todo o território norte-americano.
Em uma extensa análise publicada em julho/agosto de 2001, a revista inglesa The Economist destaca a necessidade de rever a legalização das drogas - não apenas a posse e o uso, como também o comércio - para reverter radicalmente o quadro de corrupção policial, danos à saúde, crimes e prejuízos sociais a elas associados.
Motivado pela repercussão do artigo da The Economist, nosso conselho editorial decidiu refletir sobre a questão, convidando, para comentá-lo, alguns especialistas no assunto. São pesquisadores de diversas áreas do conhecimento que apresentam suas argumentações em prol ou contra a descriminalização das drogas, ponderando os danos causados tanto aos usuários de drogas ilícitas quanto à sociedade. Suas opiniões não refletem necessariamente o pensamento dos editores.
Este especial pretende funcionar como um caleidoscópio, através do qual o leitor de Ciência Hoje poderá construir, a partir dos fragmentos por ele escolhidos, sua própria avaliação sobre o tema. Para isso vale ter em mente: as políticas antidrogas de alguns governos são, muitas vezes, mais prejudiciais para a sociedade do que as próprias drogas.
Fonte: Ciência Hoje nº 181 (Abril de 2002)
Especial "Drogas" - 1ª parte
Alicia Ivanissevich
A variedade de opiniões sobre como abordar o problema do crescente consumo de drogas no Brasil e no mundo é imensa. Mas existe consenso pelo menos quanto a um ponto: trata-se de uma das indústrias mais rentáveis do planeta, ultrapassando inclusive a de petróleo. A venda mundial de entorpecentes para usuários é estimada em US$ 150 bilhões - quantia próxima à gasta pelos consumidores de cigarro (US$ 204 bilhões) e do álcool (US$ 252 bilhões). É, com certeza, o mercado ilícito que mais movimenta dinheiro.
Em todo o mundo, o consumo de drogas não pára de crescer. Os Estados Unidos são certamente o maior consumidor, sobretudo de cocaína e anfetaminas (as vendas chegam a US$ 60 bilhões), seguidos de perto pela Europa. Paquistão, Tailândia, Irã e China respondem pelo maior número de usuários de heroína - os preços baixos, entretanto, impedem que as vendas atinjam US$ 10 bilhões. Em países ricos, como a Grã-Bretanha, as drogas que mais atraem os jovens são as consumidas ocasionalmente, como a maconha, o ecstasy, as anfetaminas e a cocaína.
Ninguém gasta mais com uma política antidrogas do que os Estados Unidos: US$ 35 a 40 bilhões anuais. Os resultados, no entanto, não são nada animadores. A repressão tem ajudado a inchar as prisões e a tornar mais corrupta a polícia norte-americana. Milhares de jovens negros e hispânicos acabam na cadeia: há mais deles na prisão do que na escola. Apesar de o governo insistir em afirmar que a estratégia de combate está funcionando (o consumo ocasional caiu e o uso de drogas pesadas se estabilizou, segundo órgãos oficiais), um terço dos norte-americanos com mais de 12 anos de idade admitiu já ter experimentado drogas no último ano.
Ainda sobre o modelo norte-americano, devemos lembrar que, nos Estados Unidos, o tabaco mata proporcionalmente mais fumantes do que a heroína destrói a vida de seus usuários; da mesma forma, o álcool faz mais vítimas fatais do que a cocaína.
A avaliação das estatísticas e das experiências conduzidas em diversos países aponta para uma questão central: as políticas atuais para o controle de entorpecentes não parecem adequadas. É importante aqui recordar as conseqüências da instituição da Lei Seca nos Estados Unidos (1920-1933), que proibia a venda de álcool e só admitia o consumo dentro de casa. Nesses 13 anos, ocorreu, na verdade, uma distorção do sentido original da lei: a proibição acabou encorajando a formação de gangues, aumentando a corrupção policial e disseminando o crime por todo o território norte-americano.
Em uma extensa análise publicada em julho/agosto de 2001, a revista inglesa The Economist destaca a necessidade de rever a legalização das drogas - não apenas a posse e o uso, como também o comércio - para reverter radicalmente o quadro de corrupção policial, danos à saúde, crimes e prejuízos sociais a elas associados.
Motivado pela repercussão do artigo da The Economist, nosso conselho editorial decidiu refletir sobre a questão, convidando, para comentá-lo, alguns especialistas no assunto. São pesquisadores de diversas áreas do conhecimento que apresentam suas argumentações em prol ou contra a descriminalização das drogas, ponderando os danos causados tanto aos usuários de drogas ilícitas quanto à sociedade. Suas opiniões não refletem necessariamente o pensamento dos editores.
Este especial pretende funcionar como um caleidoscópio, através do qual o leitor de Ciência Hoje poderá construir, a partir dos fragmentos por ele escolhidos, sua própria avaliação sobre o tema. Para isso vale ter em mente: as políticas antidrogas de alguns governos são, muitas vezes, mais prejudiciais para a sociedade do que as próprias drogas.
Fonte: Ciência Hoje nº 181 (Abril de 2002)
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