22 de junho de 2001, Correio Braziliense
Marina Oliveira
Os brasileiros chegaram a um consenso importante sobre o uso de drogas. A cadeia não é lugar para dependente. A idéia parece estar de acordo com o senso comum vigente, mas demorou dez anos para ter a possibilidade de virar lei, tamanha a resistência encontrada na sociedade.
O projeto de lei do deputado Elias Murad (PSDB-MG), apresentado pela primeira vez à Câmara em 1991, deverá ser aprovado pelo Senado até o final deste mês, com as bênçãos dos partidos governistas e da oposição.
O texto da agora quase lei contém inúmeros remendos feitos ao longo da última década para satisfazer os diferentes discursos antidrogas do país. A nova legislação virá substituir a chamada Lei dos Tóxicos, de 1976.
Hoje, a Justiça faz a diferença entre o usuário e o traficante com base na quantidade de entorpecentes apreendida. As punições reservadas, no entanto, tratam os dois como infratores, ainda que mereçam punição distinta.
O projeto de Murad retrata o dependente como uma pessoa que precisa de tratamento médico e assistência psicológica do Estado e também da família. Prevê, inclusive, a internação em regime ambulatorial ou estabelecimento hospitalar como parte da pena para quem for pego com tóxicos. A posição do secretário nacional antidrogas, general Alberto Cardoso, sobre o assunto é emblemática dessa mudança de postura da sociedade. ''Não há dúvida de que a droga dá prazer, mas faz mal. Por isso, não podemos ficar reféns de princípios morais que ainda não foram testados pela prática'', defendeu na abertura do seminário “Drogas, um problema de saúde pública”, promovido ontem pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
A posição do general tem um aliado inusitado, o deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ), conhecido defensor da liberação da maconha no país. ''O deputado Elias Murad e eu continuamos brigando muito, mas felizmente chegamos ao consenso de que cadeia não é lugar para dependente'', diz Gabeira.
O deputado eleito em grande parte ''por pessoas bem-sucedidas, com o hábito de fumar maconha'' (como ele mesmo diz) também encontrou um aliado impensável nessa discussão: a Igreja Católica. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que este ano escolheu o problema da droga como tema de sua campanha da fraternidade vem tentando trazer os usuários para o tratamento e nunca para a cadeia. ''Temos de promover a dignidade humana e evitar ao máximo a exclusão social e os dependentes químicos estão incluídos nisso'', afirma Luís Antônio Souza, da CNBB.
Isso não significa que as drogas deixaram de ser um tema espinhoso. O próprio projeto de lei de Elias Murad não explica quem irá bancar o tratamento dos usuários. O nome do Sistema Único de Saúde (SUS) responsável por garantir o atendimento à população sequer foi mencionado no texto. A redação também mantém visões preconceituosas sobre os dependentes químicos incluindo entre as penas previstas a internação em hospitais psiquiátricos. Como se consumidores de entorpecentes tivessem distúrbios mentais. O que não diminui a importância de tirar meninos de 18 anos, dependentes químicos da cadeia.
Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idArea=1&idSubArea=77
sexta-feira, 22 de junho de 2001
sexta-feira, 4 de maio de 2001
A tradição de rolar cabeças em Ouro Preto
4 de maio de 2001, O Globo (Opinião)
Fernando Gabeira
Aos que estranham minha ausência no debate sobre a Escola Parque, devo uma explicação. Minha filha estuda lá, há três meses. É uma pessoa com idéias e trajetórias próprias. Não merece nem o mérito nem o estigma que essa luta colou na minha imagem.
Chego, portanto, ao debate não como um deputado garimpando votos, mas como um pai que debateu em casa e obteve um sinal verde para expressar suas idéias. Se não o obtivesse, deixaria passar em branco, como devo ter deixado passar as polêmicas sobre expulsão de meninos com cabelo comprido, meninas de minissaia ou, mais recentemente, meninos usando brinco.
Numa carta publicada no O Globo, Gilberta Axelrod, que trabalha com usuários de droga e se dedica ao estudo do tema, afirmou que a Escola Parque recusou a pedagogia, sua razão de ser, expulsando no lugar de educar, sob o pretexto, válido no geral, de que é necessário impor limites.
Concordo com essa tese de Gilberta. Mas, de um certo modo, considero que há uma visão pedagógica por trás de tudo, se levarmos em conta que existe uma pedagogia da repressão.
Considero-a, nesse caso particular, um subproduto das grandes visões que polarizam no planeta as políticas de droga. A dos Estados Unidos, com ênfase na repressão, e a holandesa, com ênfase na redução de danos. Escolhi a palavra ênfase porque os Estados Unidos também praticam a redução de danos, e a Holanda, a repressão.
A política estadunidense é um fracasso. Milhões de pessoas presas, uma nova penitenciária por semana.
Livros como de Mike Gray dizem isto até no título: como entramos nessa confusão e como podemos sair dela. Ex-presidentes como Jimmy Carter e, recentemente, Bill Clinton, em sua entrevista à "Rolling Stones", consideram um equívoco abarrotar as prisões com usuários de maconha.
Os meninos em Ouro Preto, diante do fascínio da arquitetura barroca, devem ter refletido também sobre a Inconfidência Mineira, perguntado por que rolam cabeças naquelas ruas mágicas e irregulares. Uma delas, a de Tiradentes, exposta concretamente em praça pública.
Precisam saber que o ranço colonial ainda envolve a política de drogas no Brasil, onde as teses estadunidenses predominam. Nossas cadeias estão superlotadas, e, como nos faltam recursos, elas estão explodindo. Seu anacronismo se revela dramaticamente diante de simples instrumentos de nosso moderno cotidiano, como o telefone celular.
Como se não bastasse a inspiração, os estadunidenses nos pressionam para que adotemos a pena de morte, derrubando aviões que não atendam ao comando de aterrissar. Essa gloriosa batalha do bem matou, no Peru, a missionária estadunidense Rony Bowler e sua filha Charity, de sete meses. Foram metralhadas a bordo de um Cessna.
Se fosse só trazer uma batalha aérea para os céus da Amazônia, ainda poderiam buscar alguns argumentos. Mas querem trazer a guerra biológica com o Plano Colômbia, desenvolvendo o fungo Fusarium oxysporum para destruir as plantações de coca, com possíveis repercussões nos rios amazônicos.
A política holandesa de redução de danos tem sido confirmada pelos eleitores. A legalização da maconha, ao contrário do mito, não significou aumento do consumo de outras drogas. Havia 20 mil usuários de heroína. O número se mantém estável e cresce apenas a idade média dos usuários, indicando que as novas gerações não seguiram esse caminho.
A política de redução de danos já desponta em Porto Alegre, onde se trocam seringas de usuários de drogas descartáveis.
Num debate que realizamos segunda-feira na cidade, discutindo a questão da AIDS, ficou claro que um terço dos soropositivos era usuário de droga injetável. A maioria não tinha renda, era analfabeta. Portanto, nossa luta, junto com os africanos do sul e indianos, por um acesso a remédios mais baratos deve ser também a de incluir, criar fontes de renda, educar.
Daí o paradoxo vivido dentro de nossas fronteiras. Os que trabalham com usuários insistindo no verbo educar, os educadores usando o verso expulsar. Esse paradoxo, na verdade, revela como compartilhamos um drama universal e como, aos poucos, os educadores da Escola Parque, vamos nos integrando em processos mais amplos.
Assim como nos Estados Unidos, criamos um czar antidrogas, o general Alberto Cardoso. Admiro sua integridade, mas não deixei de dizer diretamente a ele, na Câmara, que sua ida ao Nordeste para queimar maconha era apenas um ato de terrorismo cultural. Em 525 d.C., queimava-se maconha nos arredores do Cairo. E a maconha sobrevive com revistas especializadas, festivais internacionais, cancioneiro e até um museu em Amsterdã.
Se parassem apenas para perguntar por que não existe um museu da berinjela, do alho-poró, e existe um da Cannabis sativa. Ou por que os estadunidenses produzem o Marinol e são contra a produção desse remédio em Pernambuco, onde os técnicos do estado estão prontos para fazê-lo. Ou por que os estadunidenses não querem que usemos a Cannabis para fins industriais e nos documentos da Casa Branca, disponíveis na Internet, afirmam que a Cannabis é uma planta estratégica que não pode faltar, em caso de guerra.
Com todas essas questões levantadas, creio que o único acerto pedagógico da Escola Parque foi o de escolher Ouro Preto para rolar cabeças. A lição, cada um de nós completa em casa, à sua maneira.
Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idSubArea=74&idArea=1&idArtigo=171
Fernando Gabeira
Aos que estranham minha ausência no debate sobre a Escola Parque, devo uma explicação. Minha filha estuda lá, há três meses. É uma pessoa com idéias e trajetórias próprias. Não merece nem o mérito nem o estigma que essa luta colou na minha imagem.
Chego, portanto, ao debate não como um deputado garimpando votos, mas como um pai que debateu em casa e obteve um sinal verde para expressar suas idéias. Se não o obtivesse, deixaria passar em branco, como devo ter deixado passar as polêmicas sobre expulsão de meninos com cabelo comprido, meninas de minissaia ou, mais recentemente, meninos usando brinco.
Numa carta publicada no O Globo, Gilberta Axelrod, que trabalha com usuários de droga e se dedica ao estudo do tema, afirmou que a Escola Parque recusou a pedagogia, sua razão de ser, expulsando no lugar de educar, sob o pretexto, válido no geral, de que é necessário impor limites.
Concordo com essa tese de Gilberta. Mas, de um certo modo, considero que há uma visão pedagógica por trás de tudo, se levarmos em conta que existe uma pedagogia da repressão.
Considero-a, nesse caso particular, um subproduto das grandes visões que polarizam no planeta as políticas de droga. A dos Estados Unidos, com ênfase na repressão, e a holandesa, com ênfase na redução de danos. Escolhi a palavra ênfase porque os Estados Unidos também praticam a redução de danos, e a Holanda, a repressão.
A política estadunidense é um fracasso. Milhões de pessoas presas, uma nova penitenciária por semana.
Livros como de Mike Gray dizem isto até no título: como entramos nessa confusão e como podemos sair dela. Ex-presidentes como Jimmy Carter e, recentemente, Bill Clinton, em sua entrevista à "Rolling Stones", consideram um equívoco abarrotar as prisões com usuários de maconha.
Os meninos em Ouro Preto, diante do fascínio da arquitetura barroca, devem ter refletido também sobre a Inconfidência Mineira, perguntado por que rolam cabeças naquelas ruas mágicas e irregulares. Uma delas, a de Tiradentes, exposta concretamente em praça pública.
Precisam saber que o ranço colonial ainda envolve a política de drogas no Brasil, onde as teses estadunidenses predominam. Nossas cadeias estão superlotadas, e, como nos faltam recursos, elas estão explodindo. Seu anacronismo se revela dramaticamente diante de simples instrumentos de nosso moderno cotidiano, como o telefone celular.
Como se não bastasse a inspiração, os estadunidenses nos pressionam para que adotemos a pena de morte, derrubando aviões que não atendam ao comando de aterrissar. Essa gloriosa batalha do bem matou, no Peru, a missionária estadunidense Rony Bowler e sua filha Charity, de sete meses. Foram metralhadas a bordo de um Cessna.
Se fosse só trazer uma batalha aérea para os céus da Amazônia, ainda poderiam buscar alguns argumentos. Mas querem trazer a guerra biológica com o Plano Colômbia, desenvolvendo o fungo Fusarium oxysporum para destruir as plantações de coca, com possíveis repercussões nos rios amazônicos.
A política holandesa de redução de danos tem sido confirmada pelos eleitores. A legalização da maconha, ao contrário do mito, não significou aumento do consumo de outras drogas. Havia 20 mil usuários de heroína. O número se mantém estável e cresce apenas a idade média dos usuários, indicando que as novas gerações não seguiram esse caminho.
A política de redução de danos já desponta em Porto Alegre, onde se trocam seringas de usuários de drogas descartáveis.
Num debate que realizamos segunda-feira na cidade, discutindo a questão da AIDS, ficou claro que um terço dos soropositivos era usuário de droga injetável. A maioria não tinha renda, era analfabeta. Portanto, nossa luta, junto com os africanos do sul e indianos, por um acesso a remédios mais baratos deve ser também a de incluir, criar fontes de renda, educar.
Daí o paradoxo vivido dentro de nossas fronteiras. Os que trabalham com usuários insistindo no verbo educar, os educadores usando o verso expulsar. Esse paradoxo, na verdade, revela como compartilhamos um drama universal e como, aos poucos, os educadores da Escola Parque, vamos nos integrando em processos mais amplos.
Assim como nos Estados Unidos, criamos um czar antidrogas, o general Alberto Cardoso. Admiro sua integridade, mas não deixei de dizer diretamente a ele, na Câmara, que sua ida ao Nordeste para queimar maconha era apenas um ato de terrorismo cultural. Em 525 d.C., queimava-se maconha nos arredores do Cairo. E a maconha sobrevive com revistas especializadas, festivais internacionais, cancioneiro e até um museu em Amsterdã.
Se parassem apenas para perguntar por que não existe um museu da berinjela, do alho-poró, e existe um da Cannabis sativa. Ou por que os estadunidenses produzem o Marinol e são contra a produção desse remédio em Pernambuco, onde os técnicos do estado estão prontos para fazê-lo. Ou por que os estadunidenses não querem que usemos a Cannabis para fins industriais e nos documentos da Casa Branca, disponíveis na Internet, afirmam que a Cannabis é uma planta estratégica que não pode faltar, em caso de guerra.
Com todas essas questões levantadas, creio que o único acerto pedagógico da Escola Parque foi o de escolher Ouro Preto para rolar cabeças. A lição, cada um de nós completa em casa, à sua maneira.
Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idSubArea=74&idArea=1&idArtigo=171
quinta-feira, 19 de abril de 2001
Guerra contra drogas afeta maconha jamaicana
19 de abril de 2001, Agência Estado
Matthew J. Rosenberg
AP
Hanson District, Jamaica - Há tempos, os intensos raios do sol parecem incendiar as plantações de maconha na Jamaica, banhando as plantas em raios avermelhados. Mas um produtor afirma que as plantações da erva nesta nação caribenha foram muito afetadas pela guerra contra as drogas e pela competição mundial. O camponês, que se identificou apenas como Thomas, afirmou em entrevista que a variedade de maconha cultivada em seu campo "é a melhor da Jamaica". "Mas agora cultivo menos do que antes", acrescentou.
O cultivo de maconha perdeu grande parte de seu mercado desde a década de 70, quando aviões vinham buscar o produto para levar diretamente aos Estados Unidos. Naquela época, a maconha do Caribe, produzida sobretudo na Jamaica, alimentava 20% do consumo mundial. Hoje abastece menos de 5%, segundo o Mecanismo Coordenador de Controle da Droga no Caribe, um programa da ONU com sede em Barbados. "A maconha ficou para trás, como tudo o que cultivamos… a banana, o açúcar. A maconha não se vende", disse Thomas, que há 40 anos cultiva a Cannabis em uma parcela de dois hectares na qual seu avô plantava apenas tomates e outros frutos.
O cultivo e o consumo de maconha são ilegais na Jamaica, razão pela qual Thomas e outros produtores não dizem seus sobrenomes. Mas são tolerados. Outra razão para manter o anonimato é um acordo oficial que autoriza os agentes norte-americanos a queimar os cultivos.
Em 1991, a Jamaica produziu 705 toneladas de maconha, segundo o Departamento de Estado norte-americano. Cifras mais recentes indicam para uma produção de 235 toneladas em 1997. "Ganhava-se muito dinheiro naquela época", disse Omar, outro plantador, sobre os "anos dourados" da erva. Eles e Thomas dizem que ganhavam cerca de US$ 4.000 anuais, suficiente para levar uma vida cômoda na Jamaica. Agora, ganham a metade.
No início da década de 80, a maconha era aceita localmente, com a benção dos ídolos do reggae como Bob Marley. Mas seu uso freqüente chamava a atenção dos agentes antidrogas norte-americanos. A aduana dos Estados Unidos estava atenta e os agentes queimaram centenas de hectares no Caribe. Thomas disse que os agentes incendiaram seus campos quatro vezes.
A campanha norte-americana elevou o preço da erva na América do Norte, seu melhor mercado. Consumidores dos Estados Unidos e Canadá começaram a cultivar suas próprias variedades, mais resistentes. A maconha norte-americana "é muito superior à jamaicana", diz Steve Bloom, diretor da revista High Times, a bíblia dos consumidores norte-americanos. "A jamaicana é boa, mas é preciso fumar muito."
A maconha jamaicana é cultivada atualmente em ladeiras remotas, pântanos e lamaçais, onde é difícil de ser detectada, mas onde está sujeita aos caprichos do clima. O México também herdou uma parte do mercado. As autoridades norte-americanas dizem que o aumento do comércio legítimo entre México e Estados Unidos, com o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) também refletiu em maior quantidade de erva procedente do país vizinho. Pelo fato de a maconha mexicana ser tão acessível, os mesmos traficantes jamaicanos que operam nos EUA compram essa variedade para vendê-la.
Apesar da queda da maconha jamaicana no mundo, o mercado local é suficiente para manter o negócio dos produtores nacionais. A planta foi trazida à Jamaica no século 19 por trabalhadores da Índia. Inicialmente, ela era utilizada de forma medicinal. A partir da década de 30, foi difundida pela seita rastafari, que a considerava sagrada. Com o reggae, a maconha começou a atravessar as rígidas barreiras de classe do arquipélago.
Hoje, apesar de ainda ter seus adeptos, já não é mais a rainha das plantações. No entanto, velhos hábitos tardam a morrer. "Nunca deixarei de cultivar a erva", disse Thomas com um sorriso malicioso. "Que mais eu poderia fumar?"
Fonte: http://www.estadao.com.br/agestado/noticias/2001/abr/19/202.htm
Matthew J. Rosenberg
AP
Hanson District, Jamaica - Há tempos, os intensos raios do sol parecem incendiar as plantações de maconha na Jamaica, banhando as plantas em raios avermelhados. Mas um produtor afirma que as plantações da erva nesta nação caribenha foram muito afetadas pela guerra contra as drogas e pela competição mundial. O camponês, que se identificou apenas como Thomas, afirmou em entrevista que a variedade de maconha cultivada em seu campo "é a melhor da Jamaica". "Mas agora cultivo menos do que antes", acrescentou.
O cultivo de maconha perdeu grande parte de seu mercado desde a década de 70, quando aviões vinham buscar o produto para levar diretamente aos Estados Unidos. Naquela época, a maconha do Caribe, produzida sobretudo na Jamaica, alimentava 20% do consumo mundial. Hoje abastece menos de 5%, segundo o Mecanismo Coordenador de Controle da Droga no Caribe, um programa da ONU com sede em Barbados. "A maconha ficou para trás, como tudo o que cultivamos… a banana, o açúcar. A maconha não se vende", disse Thomas, que há 40 anos cultiva a Cannabis em uma parcela de dois hectares na qual seu avô plantava apenas tomates e outros frutos.
O cultivo e o consumo de maconha são ilegais na Jamaica, razão pela qual Thomas e outros produtores não dizem seus sobrenomes. Mas são tolerados. Outra razão para manter o anonimato é um acordo oficial que autoriza os agentes norte-americanos a queimar os cultivos.
Em 1991, a Jamaica produziu 705 toneladas de maconha, segundo o Departamento de Estado norte-americano. Cifras mais recentes indicam para uma produção de 235 toneladas em 1997. "Ganhava-se muito dinheiro naquela época", disse Omar, outro plantador, sobre os "anos dourados" da erva. Eles e Thomas dizem que ganhavam cerca de US$ 4.000 anuais, suficiente para levar uma vida cômoda na Jamaica. Agora, ganham a metade.
No início da década de 80, a maconha era aceita localmente, com a benção dos ídolos do reggae como Bob Marley. Mas seu uso freqüente chamava a atenção dos agentes antidrogas norte-americanos. A aduana dos Estados Unidos estava atenta e os agentes queimaram centenas de hectares no Caribe. Thomas disse que os agentes incendiaram seus campos quatro vezes.
A campanha norte-americana elevou o preço da erva na América do Norte, seu melhor mercado. Consumidores dos Estados Unidos e Canadá começaram a cultivar suas próprias variedades, mais resistentes. A maconha norte-americana "é muito superior à jamaicana", diz Steve Bloom, diretor da revista High Times, a bíblia dos consumidores norte-americanos. "A jamaicana é boa, mas é preciso fumar muito."
A maconha jamaicana é cultivada atualmente em ladeiras remotas, pântanos e lamaçais, onde é difícil de ser detectada, mas onde está sujeita aos caprichos do clima. O México também herdou uma parte do mercado. As autoridades norte-americanas dizem que o aumento do comércio legítimo entre México e Estados Unidos, com o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) também refletiu em maior quantidade de erva procedente do país vizinho. Pelo fato de a maconha mexicana ser tão acessível, os mesmos traficantes jamaicanos que operam nos EUA compram essa variedade para vendê-la.
Apesar da queda da maconha jamaicana no mundo, o mercado local é suficiente para manter o negócio dos produtores nacionais. A planta foi trazida à Jamaica no século 19 por trabalhadores da Índia. Inicialmente, ela era utilizada de forma medicinal. A partir da década de 30, foi difundida pela seita rastafari, que a considerava sagrada. Com o reggae, a maconha começou a atravessar as rígidas barreiras de classe do arquipélago.
Hoje, apesar de ainda ter seus adeptos, já não é mais a rainha das plantações. No entanto, velhos hábitos tardam a morrer. "Nunca deixarei de cultivar a erva", disse Thomas com um sorriso malicioso. "Que mais eu poderia fumar?"
Fonte: http://www.estadao.com.br/agestado/noticias/2001/abr/19/202.htm
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