4 de setembro de 2003, Folha Online
O detetive e a maconha
Hélio Schwartsman
Editorialista da Folha. Escreve para a Folha Online às quintas.
Olhos vermelhos, ataques à geladeira no meio da madrugada, sono, falta de concentração, queda no rendimento escolar. Pais modernos já não precisarão ficar atentos à semiologia da maconha para descobrir se seus filhos estão fumando a erva maldita. Chega este mês às farmácias de todo o país Drugwipe, o que há de mais moderno em testes de detecção de drogas ilícitas. Basta encostar a ponta do aparelho num objeto freqüentemente tocado pelo "suspeito" e, em dois minutos, o prodigioso mecanismo, após analisar as gotículas de suor encontradas pelo infalível método da imunocromatografia, indicará se o seu filho fumou ou não fumou maconha.
O texto acima, apesar de ficcional, torna-se perigosamente verossímil. Os aparelhos para detectar substâncias ilícitas Drugwipe, produzidos pela empresa alemã Securetec, foram aprovados pela Vigilância Sanitária e logo estarão ao alcance do público. Cada unidade, que só pode ser utilizada uma vez, deverá custar entre R$ 40,00 e R$ 50,00. É preciso adquirir o aparelho específico para o grupo de drogas que se pretende detectar. Drugwipe existe em quatro versões -- minha tentação é escrever "sabores" --: para canabinóides (maconha, haxixe), opiáceos (heroína, morfina), anfetaminas (incluindo metanfetaminas, como o ecstasy) e derivados da cocaína. Os representantes da Securetec no Brasil esperam comercializar 1,4 milhão de unidades nos próximos dois anos.
O leitor já deve ter percebido que não sou muito simpático a testes como o Drugwipe. Resta-me, então, explicar o porquê. Antes, porém, devo esclarecer que não sou contra o aparelho ou mesmo a idéia de detectar a presença de drogas, só não acho que a utilização da engenhoca deva ser banalizada. Eu seria favorável, por exemplo, a que o Drugwipe ou assemelhados fizessem parte dos arsenais da polícia de trânsito para flagrar motoristas entorpecidos. Está aí um emprego para o teste que me parece, ao mesmo tempo, lícito e correto.
Pelo que sei, porém, não está no plano de nossas autoridades adquirir os aparelhos. Entendo as razões. Os custos seriam elevados para um benefício discutível. O número de motoristas que dirigem sob o efeito de drogas é estatisticamente pequeno. Não se compara nem remotamente à carnificina que condutores bêbados provocam todos os dias. (De resto, existem estudos europeus mostrando que a eficácia dos testes no trânsito não é tão boa quanto querem os fabricantes, mas essa é uma outra questão).
Com a comercialização em massa, os aparelhos Drugwipe acabarão sendo adquiridos por pais preocupados ou por empresas que pretendam estabelecer controles antidrogas.
Analisemos primeiro o caso das companhias que é mais simples. Ainda que a empresa afirme que está interessada na segurança e na saúde de seus funcionários, testes obrigatórios para drogas são em princípio inconstitucionais. Além de violar o direito à intimidade, a Carta garante que ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo. A bela proteção constitucional, contudo, fica um pouco relativizada quando se considera que a recusa em submeter-se ao teste equivale a uma confissão. Se tiver um bom advogado, o ex-empregado cioso de seus direitos constitucionais talvez consiga evitar a justa causa. Isso, é claro, se tiver a carteira assinada.
Mais complicado é o caso de pais e filhos. Pessoalmente, considero que ao menos os menores púberes (com mais de 16 anos) têm direito à intimidade mesmo contra seus pais. Essa, porém, é uma questão para lá de polêmica. Admitamos que os pais tenham o direito legal de testar seus filhos para drogas mesmo à revelia. A pergunta que fica é se devem fazê-lo.
Em primeiro lugar, é preciso tentar compreender o que significa um teste com resultado positivo isoladamente. A resposta é: muito pouco. Embora muitos não concordem, nem toda utilização de droga é patológica. Da mesma forma como é possível tomar uma dose de uísque sem tornar-se um alcoólatra, é possível fumar maconha ou cheirar cocaína de forma eventual, isto é, sem tornar-se um dependente químico. Assim, se o visor do Drugwipe ficar rosa, denunciado a presença de substâncias ilícitas, isso pode significar apenas que o garoto esteve numa festa e, como fazem garotos saudáveis, divertiu-se, ainda que assumindo riscos não-desprezíveis, o que, de resto, jovens saudáveis fazem o tempo todo.
Em favor dos pais, devemos reconhecer que não são todos os jovens que fazem uso não-patológico de drogas. Existem muitos casos de abuso que precisam ser tratados como tal. A questão é que testes não ajudam muito a determinar essas situações. Os critérios mais modernos para definir a dependência são sociais. Deve-se considerar que uma pessoa tem problemas com drogas a partir do instante em que as pessoas que convivem com ela percebem que ela tem um problema com drogas. O raciocínio pode ser meio circular, mas essa definição funciona melhor do que outras supostamente objetivas como tolerância e síndrome de abstinência. O fato é que, à luz do critério social, o teste torna-se pouco útil e por vezes até contraproducente, pois ele tende a criar conflitos desnecessários, prejudicando a abordagem do paciente. Pais que desconfiem de que seus filhos estejam abusando de drogas, em vez de bancar os detetives, poderiam procurar auxílio especializado. Uma abordagem correta nessa hora difícil pode poupar a família de desgastes extras.
Drugwipe chega ao Brasil um pouco na esteira da histeria antidrogas que eclodiu nos anos 70 e 80 nos EUA e se espalhou pelo mundo. É claro que drogas são um seriíssimo problema de saúde pública. Nenhum jovem deveria sentir-se seguro experimentando-as. Mas é uma ilusão acreditar que se possa acabar com elas. Substâncias psicotrópicas acompanham o homem desde que ele desceu das árvores, talvez antes. Mais importante do que tentar eliminá-las é aprender a conviver com elas, tolerando-as na maior parte das vezes e procurando reduzir seus impactos mais deletérios.
Seria um pouco como se dá com o álcool no mundo ocidental. As relações autoritárias e policialescas favorecidas pelos testes antidrogas não são um bom ponto de partida para chegar à utópica era da tolerância, onde cada um, consciente dos riscos que corre e de suas responsabilidades, faria tudo o que desejasse sem incomodar nem ser incomodado por seus semelhantes. Infelizmente, pelo menos por enquanto, só podemos sonhar com essa idade da razão.
Fonte: Folha Online (4 de setembro de 2003)
quinta-feira, 4 de setembro de 2003
segunda-feira, 1 de setembro de 2003
Holanda será o primeiro país a vender maconha em farmácia
1º de setembro de 2003, O Globo
Reuters
AMSTERDÃ - A Holanda vai se tornar nesta semana o primeiro país do mundo a fazer da maconha uma droga que pode ser comprada em farmácias com receita médica para o tratamento de pacientes com doenças crônicas, disse neste domingo uma autoridade holandesa da área de saúde.
O governo holandês deu luz verde às 1.650 farmácias do país para que vendam a maconha a doentes de câncer, AIDS, esclerose múltipla e síndrome de Tourette.
“É uma medida histórica. O original da idéia é que nós estamos disponibilizando-a apenas com receita médica em farmácias”, disse Willem Scholten, chefe do Gabinete de Maconha Medicinal do Ministério da Saúde holandês.
A Holanda, onde a prostituição e a venda de maconha em coffee shops são regularizadas pelo governo, tem um histórico de reformas sociais pioneiras. O país também foi o primeiro a legalizar a eutanásia.
Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idArea=1&idSubArea=208
Reuters
AMSTERDÃ - A Holanda vai se tornar nesta semana o primeiro país do mundo a fazer da maconha uma droga que pode ser comprada em farmácias com receita médica para o tratamento de pacientes com doenças crônicas, disse neste domingo uma autoridade holandesa da área de saúde.
O governo holandês deu luz verde às 1.650 farmácias do país para que vendam a maconha a doentes de câncer, AIDS, esclerose múltipla e síndrome de Tourette.
“É uma medida histórica. O original da idéia é que nós estamos disponibilizando-a apenas com receita médica em farmácias”, disse Willem Scholten, chefe do Gabinete de Maconha Medicinal do Ministério da Saúde holandês.
A Holanda, onde a prostituição e a venda de maconha em coffee shops são regularizadas pelo governo, tem um histórico de reformas sociais pioneiras. O país também foi o primeiro a legalizar a eutanásia.
Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idArea=1&idSubArea=208
quinta-feira, 28 de agosto de 2003
O debate sobre legalização das drogas surge na América Latina
28 de agosto de 2003, The Narco News Bulletin
Matéria publicada na revista Fórum, traduzida por Narco News.
Renato Rovai
Nota do Editor (Al Giordano): O jornalista Renato Rovai, de São Paulo, é um dos maiores especialistas do hemisfério em expor a Guerra às Drogas. Como professor da Escola de Jornalismo Autêntico do Narco News editou a página em português durante sua criação em fevereiro, na cobertura feita à Cúpula sobre Legalização de Drogas realizada em Mérida, México. Sua revista de circulação nacional, Fórum, é considerada no Brasil uma das principais fontes de informação sobre o que acontece dentro do governo e do Partido dos Trabalhadores (PT).
Deste modo, entre os achados significativos desta matéria, publicada na revista Fórum e traduzida por Narco News, estão declarações que saíram da entrevista feita com o czar antidrogas brasileiro, general Paulo Roberto Uchoa - considerado uma “águia” defensora do proibicionismo – que, pela primeira vez abranda sua posição e abre as portas para uma nova política de drogas.
Como documenta Rovai, o novo posicionamento de Uchôa ocorre em meio ao crescimento do movimento antiproibicionista em toda a América Latina, em diversas frentes que raramente se unem, mas que estão cada vez mais próximas – como descrito por vários protagonistas da Colômbia, México, Peru, Argentina, Brasil e de outras partes, entrevistados para esta matéria – unidos contra um inimigo comum: o proibicionismo imposto aos outros países pela política de drogas do governo estadunidense.
Na edição de 26 de julho de 2001, a The Economist, uma das principais vozes do projeto neoliberal, publicou reportagem com 16 páginas defendendo a legalização das drogas. Entre os muitos argumentos, destacava que a guerra das drogas “absorve de 35 a 40 bilhões de dólares ao ano de impostos pagos pelo contribuinte dos EUA” e sustentava que mesmo “com todo esse investimento o preço da cocaína tinha caído pela metade desde 1980 e o da heroína era de 60% do valor da década anterior”. The Economist utilizava a lógica do mercado para decretar o insucesso da política “de guerra às drogas” patrocinada pelo governo dos EUA.
Antes da The Economist assumir essa posição, muitas outras entidades e personalidades já haviam se convencido que a legalização pode vir a ser a única alternativa para desmantelar o aparato criminoso construído pelo narcotráfico.
Em 7 de março de 1992, Gustavo de Greiff assumia a Procuradoria Geral da Colômbia. O grande desafio era desmantelar os cartéis do narcotráfico. Greiff conseguiu o que parecia impossível. Levou à prisão, entre outros, Pablo Escobar. Isso provocou a queda do cartel de Medelin e Greiff tornou-se celebridade.
Em 1994, em uma conferência sobre política de drogas, em Baltimore (EUA), declarou ser a favor da legalização. Virou demônio. Surgiram imediatamente acusações de que teria envolvimento com o tráfico. Hoje, Greiff não pode mais entrar nos EUA. O governo suspendeu o seu visto. A pressão foi tamanha que, em 18 de agosto de 1994, deixou o cargo e a Colômbia e foi para o México, ser professor universitário. Entre outros argumentos o ex-Procurador da Colômbia, de 74 anos, destaca que “a proibição é um desperdício de energia” e que ela está destruindo as forças de segurança pública no mundo inteiro por conta do incrível poder de corrupção dos narcotraficantes. Na sua opinião, quanto mais os Estados vierem a investir no combate à produção, distribuição e ao porte de drogas, mais condições estarão criando para alimentar uma força paramilitar financiada pelas máfias narcotraficantes. A proibição das drogas produz uma guerra que poderia ser totalmente evitada, na sua opinião.
A capa da The Economist e a corajosa opinião de Greiff em pleno EUA são apenas dois momentos do debate a respeito de uma nova forma de se relacionar com as drogas. Em fevereiro deste ano, em meio à crise de segurança pública no Rio de Janeiro, o senador Jefferson Peres também lançou luzes no debate em nível nacional. A questão é que no mundo inteiro há gente se convencendo de que algo precisa ser modificado urgentemente na política de combate às drogas.
Em fevereiro deste ano, acreditamos que pela primeira vez na história, uma conferência promovida entre outros pelo sítio narconews.com e pelo jornal Por Esto!, de Yucatan (México), levou gente do mundo inteiro à cidade mexicana de Mérida para discutir formas de fazer com que esse debate saia das sombras. Há visões de todos os tipos, desde movimentos libertários que utilizam o argumento de que o Estado não pode impedir que o cidadão faça do seu corpo o uso que lhe convier, passando por aqueles defendem apenas a descriminalização da maconha por considerá-la menos ofensiva do que drogas lícitas como o álcool e o tabaco, até os que, como Greiff, defendem a legalização por entender que a grande questão é desmantelar o narcotráfico e controlar o consumo.
Greiff acredita que cada país deve criar sua própria regulamentação, mas defende que companhias privadas e laboratórios fiquem com a produção e a venda das drogas. E que os governos e bancos privados criem fundos para custear a fiscalização da qualidade das substâncias.
Canadá e Argentina
No dia 27 de maio o governo do Canadá apresentou ao Parlamento de Ottawa um projeto de lei descriminalizando o consumo da maconha. No caso dessa lei ser aprovada, a posse de 15 a 30 gramas de maconha deixará de ser um delito e só será penalizada com multas que variarão de 70 a 250 dólares. Se a quantidade apreendida for superior a 30 gramas, o caso será tratado como um delito, mas a imposição das maiores penas será para os produtores e comerciantes. O que torna o projeto canadense de certa forma um marco para uma nova política em relação às drogas na América é também o fato de o país fazer parte do Nafta e ser sócio-vizinho dos EUA.
Não foi à toa que o embaixador norte-americano em Ottawa, Paul Cellucci, reagiu em tom ameaçador: “A aprovação dessa lei pode afetar gravemente o comércio bilateral entre ambos os países, de US$ 1,2 bilhão diários”. Segundo ele, os inspetores de alfândegas estadunidenses poderiam começar a prestar maior atenção nas passagens fronteiriças o que pode reduzir consideravelmente o fluxo das exportações canadenses.
O ministro da justiça canadense acusou o golpe. Ao apresentar o projeto fez questão de dizer que a lei não pode ser vista como legalização. "Quero deixar claro, não estamos legalizando a maconha e não temos planos para fazê-lo", disse Martin Cauchon. Mas completou criticando a política de penalização atual do país que é muito semelhante a do todo-poderoso vizinho. "As sanções atualmente são desproporcionadas. A legislação que apresento hoje garantirá que o castigo seja proporcional à pena", acrescentou.
Alberto Giordano, jornalista estadunidense, é um dos maiores ativistas da legalização das drogas. Editor do narconews.com é impiedoso com o governo de seu país de origem. “A política proibicionista é impulsionada atualmente por uma única nação, os EUA, que chantageiam todos os outros como vem fazendo agora com o Canadá”.
Ele acredita que é na América Latina que o debate a respeito de uma nova política para as drogas está mais avançado. Entre outros motivos porque, na sua opinião, os EUA têm usado a questão do narcotráfico para impor sua política-policial na região. Por isso, sustenta que é fundamental que os países latino-americanos assumam em conjunto a legalização e acredita que há indícios de que isso possa a vir a ocorrer nos próximos anos.
“O debate está bem adiantado ao sul da fronteira gringa e também ao norte, com o Canadá se movimentando para descriminalizar a maconha. Os atuais presidentes do México, Uruguai e Brasil têm falado publicamente contra a política proibicionista. Kirchner nomeou um proeminente juiz antiproibicionista (Eugenio Zaffaroni) para a Corte Suprema. Na Bolívia, os cocaleros são reconhecidos pelo governo como força política importante (nas edições 7 e 8 da Fórum há uma cobertura completa do tema). Na Colômbia, os sonhos gringos de Álvaro Uribe fracassaram em relação à política de droga. E no Peru, como antes na Bolívia, as manifestações dos cocaleros têm levado a uma rebelião mais ampla de muitos setores contra o governo de Toledo e sua política entreguista impulsionada por Washington”, analisou.
Giordano não nos disse, mas seu discurso aponta para uma análise de que o governo estadunidense tem interesses especiais na guerra com o narcotráfico na América Latina. Ou seja, é o que garante espaço para ocupação territorial de grandes áreas dos países andinos e mesmo de intervenções nas políticas do Brasil, Argentina e Uruguai. Qual seria o motivo que levaria os EUA a de certa forma ter suas forças armadas atuando de forma consentida em países como Bolívia, Peru, Colômbia e Equador, por exemplo, se as drogas fossem tratadas como um problema social e de saúde pública?
Claudio Serbale, professor de sociologia da comunicação na Argentina, sustenta que a discussão sobre as drogas no país ainda está distante de caminhar para algo próximo a legalização, mas lembra que no dia 1 de julho a deputada Irmã Parentella apresentou projeto para legalizar o uso médico da maconha. “Por outro lado, o governo central, em certa medida para dar respostas à questão da violência, implementou um serviço telefônico para que qualquer pessoa possa denunciar um lugar onde imagina que se venda drogas”, escreveu em uma entrevista realizada por e-mail. A essas contradições, segundo Serbale, se somam a indicação de Eugenio Zaffaroni para presidir a Corte Suprema de Justiça. “Ele é um penalista que tem reconhecimento unânime por sua honradez e formação e tem se posicionado a favor da despenalização do consumo”, registra.
Na Argentina, fumar maconha é um ato que para a Justiça constitui delito. É suficiente para que a pessoa flagrada passe por um processo judicial. Mesmo existindo uma lei de entorpecentes (nº 23.773) que contempla a intervenção judicial no campo da saúde, o que prevalece são atos, por parte dos aparatos de controle do Estado, policial-judicial, que acabam por criminalizar o consumo.
Silvia Inchaurraga, presidente da Associação de Redução de Danos da Argentina (ARDA) e secretária-executiva da Rede Latino Americana de Redução de Danos (RELARD) diz que na Argentina, como em outras partes do mundo, a demonização não só das drogas, mas também das idéias e dos defensores da antiproibição, são resultados de uma abordagem intelectual confusa por parte de muitos que discutem a questão e, claro, de uma política oficial global estadunidense que não abre espaço para um debate mais amplo.
“Legalizar as drogas não é legalizar as substâncias, é legalizar uma abordagem mais racional, efetiva e humana dos problemas associados a elas e ao seu consumo. É uma alternativa à atual legalização de mentiras como a teoria da escalada (de que se começa consumindo uma droga mais leve até que se chegue às mais pesadas). A legalização é uma alternativa aos danos da proibição: contaminação de AIDS pelo uso de seringa, violência policial, mercado clandestino, adulteração de substâncias e sobredoses”, sustenta.
Inchaurraga admite que partir para a legalização das drogas não pode ser o caminho atual de países como Argentina e Brasil. “Nesses casos, o possível é avançar com a descriminalização do consumo. Mas, em nível internacional, é preciso fortalecer o movimento antiproibicionista que pode avançar para discutir as modalidades possíveis da legalização: aberta ou controlada. O que significaria que as drogas seriam pensadas como mercadorias ou como medicamentos”, posiciona.
México e Peru
O economista e estudioso do narcotráfico Hugo Cabieses, afirma que atualmente o debate a respeito da legalização das drogas em seu país é quase nulo. “Quando alguém propõe um debate a respeito, ou é satanizado ou ignorado, o que é ainda pior”.
Ele sustenta que isso acontece em decorrência das pressões do governo dos EUA, mas que, individualmente, existem ministros e funcionários de alto escalão que pensam que a melhor saída para o problema do narcotráfico é a legalização. “Mas têm medo de se posicionar publicamente”, diz.
No México a defesa da legalização tem mais visibilidade. O deputado do Partido Revolucionário Democrático (PRD), Gregorio Urías, tem sido taxativo: “A guerra contra as drogas é uma guerra perdida”. Ele é de Sinaloa, estado do norte do país, região que sofre grande parte da violência e da corrupção que tem origem no narcotráfico.
"O narcotráfico só tem aumentado, controla mais capital e move maior volume de drogas, o consumo disparou e as conseqüências e a violência engendradas por ele só têm aumentado ano a ano." No ano passado, Urías apresentou ao Congresso projeto de lei para começar o processo para despenalizar o uso da maconha.
Ele não foi o primeiro político a se confrontar abertamente com a política de proibição. Em 1998, a então senadora María del Carmen Bolado del Real, do Partido da Ação Nacional (PAN), do atual presidente, Vicente Fox, propôs um projeto para legalizar e regularizar todas as drogas no México. Até mesmo Vicente Fox teria dito, em 2001, que a despenalização seria inevitável como solução global.
O jornal diário ¡Por Esto!, da região de Yucatan, o terceiro em circulação do país, também tem defendido abertamente a legalização.
Ricardo Sala, do vivecondrogas.com, garante que o movimento a favor da mudança da legislação no país é grande. “Pergunta ao taxista e ele te dirá que é melhor legalizar”.
Brasil
Talvez o Brasil seja o país que mais caminhou silenciosamente para um outro tipo de política na relação com as drogas e os usuários. Evidente que a lei atual ainda coíbe tanto o comércio quanto o uso, mas ao enviar sua primeira mensagem ao Congresso, o presidente Lula destacou como um dos pontos principais no tema Justiça, Segurança e Cidadania, a redução da demanda de drogas. Parece um detalhe, mas Lula poderia ter destacado o combate ao narcotráfico e à sua rede criminosa.
O general Paulo Roberto Uchoa, Secretário Nacional Antidrogas do governo, destaca que isso não foi à toa. Ele garante que a política da SENAD foi homologada em 11 de dezembro de 2001, depois de amplo debate com a sociedade, e contempla muitos aspectos considerados como da modernidade. “É uma política que já define o dependente químico não como um criminoso, mas como um doente que necessita de cuidados. É uma política que determina também que não haja discriminação para o simples fato da pessoa usar drogas. O tratamento com o usuário e dependente tem que ser totalmente diferenciado do traficante, porque o criminoso é o traficante, não é o usuário. É uma política que privilegia a redução da demanda e está em harmonia com a Constituição do Brasil, principalmente no que diz respeito aos direitos humanos. É uma política que é humanista e pragmática”, define.
No que diz respeito a uma política de descriminalização ou legalização, Uchôa diz que o debate ainda não chegou ao conselho nacional antidrogas. “Mas ele vai chegar e com certeza vamos discuti-lo, uma vez que reconhecemos como um tema pontual, mas que é preciso ser colocado com isenção, com espírito aberto, para uma discussão em que sejam ouvidos todos os segmentos de sociedade. Eu quero dizer a você que o governo e a Secretaria Nacional Antidrogas não têm uma posição a tomar nesse assunto. A nossa posição será a de defender com unhas e dentes aquela que a sociedade adotar”, pontua.
Na sociedade, e mesmo na mídia, uma nova relação com a política que deve ser adotada em relação às drogas também vem sendo debatida. Alguns jornalistas e articulistas têm escrito artigos apontando a legalização como uma melhor possibilidade do que a guerra contra as drogas. Entre esses, destaca-se texto de Hélio Schwartzman de 13 de março último publicado na Folha de S. Paulo. Ele destaca que a taxa de homicídios é de 2,4 por 100 mil habitantes na França, contra 23,5 no Brasil. “Nos EUA, a mais embrutecida das nações industrializadas, o número é de 6,6. A Colômbia, se isto serve de consolo, tem taxa bem maior: 60 por 100 mil.”
E continua: “em termos macroeconômicos, portanto, a receita para baixar a violência é muito simples. Basta que evitemos o caminho colombiano da guerra civil e nos tornemos um país rico. Essa solução se torna menos prática quando se considera que o Brasil não chegará, nos próximos 20 ou 30 anos, ao nível de desenvolvimento social verificado no Primeiro Mundo.”
Schwartzman, então, diz que o país tem de buscar outras respostas para essa questão e conclui: “Pode ser que eu esteja absolutamente enganado, mas acredito na tese de que as drogas respondem por boa parte da violência gerada pelo crime organizado. É evidente que, se não existissem entorpecentes ilícitos, as quadrilhas continuariam existindo, só que se dedicando a outras atividades delituosas. Ainda assim, acho que o tráfico está entre as mais rentáveis – e menos expostas – das especialidades criminais. (...) Nos interstícios dessa ampla estrutura, surge espaço para a corrupção de autoridades, contrabando de armas e de produtos químicos que serão usados no processamento da droga. Em termos estritamente lógicos, a saída para minorar o problema da violência associada ao narcotráfico é a legalização das drogas. Perceba o leitor que não estou falando em descriminalizar ou ser tolerante para com os usuários, mas de legalização mesmo. Maconha, cocaína e heroína seriam tributados como bebidas alcoólicas e cigarros e poderiam ser vendidos em pontos específicos.(...) No dia em que as drogas estiverem legalizadas, o poder do traficante não será maior do que o do dono de botequim.”
Fonte: http://www.narconews.com/Issue31/artigo857.html
Matéria publicada na revista Fórum, traduzida por Narco News.
Renato Rovai
Nota do Editor (Al Giordano): O jornalista Renato Rovai, de São Paulo, é um dos maiores especialistas do hemisfério em expor a Guerra às Drogas. Como professor da Escola de Jornalismo Autêntico do Narco News editou a página em português durante sua criação em fevereiro, na cobertura feita à Cúpula sobre Legalização de Drogas realizada em Mérida, México. Sua revista de circulação nacional, Fórum, é considerada no Brasil uma das principais fontes de informação sobre o que acontece dentro do governo e do Partido dos Trabalhadores (PT).
Deste modo, entre os achados significativos desta matéria, publicada na revista Fórum e traduzida por Narco News, estão declarações que saíram da entrevista feita com o czar antidrogas brasileiro, general Paulo Roberto Uchoa - considerado uma “águia” defensora do proibicionismo – que, pela primeira vez abranda sua posição e abre as portas para uma nova política de drogas.
Como documenta Rovai, o novo posicionamento de Uchôa ocorre em meio ao crescimento do movimento antiproibicionista em toda a América Latina, em diversas frentes que raramente se unem, mas que estão cada vez mais próximas – como descrito por vários protagonistas da Colômbia, México, Peru, Argentina, Brasil e de outras partes, entrevistados para esta matéria – unidos contra um inimigo comum: o proibicionismo imposto aos outros países pela política de drogas do governo estadunidense.
Na edição de 26 de julho de 2001, a The Economist, uma das principais vozes do projeto neoliberal, publicou reportagem com 16 páginas defendendo a legalização das drogas. Entre os muitos argumentos, destacava que a guerra das drogas “absorve de 35 a 40 bilhões de dólares ao ano de impostos pagos pelo contribuinte dos EUA” e sustentava que mesmo “com todo esse investimento o preço da cocaína tinha caído pela metade desde 1980 e o da heroína era de 60% do valor da década anterior”. The Economist utilizava a lógica do mercado para decretar o insucesso da política “de guerra às drogas” patrocinada pelo governo dos EUA.
Antes da The Economist assumir essa posição, muitas outras entidades e personalidades já haviam se convencido que a legalização pode vir a ser a única alternativa para desmantelar o aparato criminoso construído pelo narcotráfico.
Em 7 de março de 1992, Gustavo de Greiff assumia a Procuradoria Geral da Colômbia. O grande desafio era desmantelar os cartéis do narcotráfico. Greiff conseguiu o que parecia impossível. Levou à prisão, entre outros, Pablo Escobar. Isso provocou a queda do cartel de Medelin e Greiff tornou-se celebridade.
Em 1994, em uma conferência sobre política de drogas, em Baltimore (EUA), declarou ser a favor da legalização. Virou demônio. Surgiram imediatamente acusações de que teria envolvimento com o tráfico. Hoje, Greiff não pode mais entrar nos EUA. O governo suspendeu o seu visto. A pressão foi tamanha que, em 18 de agosto de 1994, deixou o cargo e a Colômbia e foi para o México, ser professor universitário. Entre outros argumentos o ex-Procurador da Colômbia, de 74 anos, destaca que “a proibição é um desperdício de energia” e que ela está destruindo as forças de segurança pública no mundo inteiro por conta do incrível poder de corrupção dos narcotraficantes. Na sua opinião, quanto mais os Estados vierem a investir no combate à produção, distribuição e ao porte de drogas, mais condições estarão criando para alimentar uma força paramilitar financiada pelas máfias narcotraficantes. A proibição das drogas produz uma guerra que poderia ser totalmente evitada, na sua opinião.
A capa da The Economist e a corajosa opinião de Greiff em pleno EUA são apenas dois momentos do debate a respeito de uma nova forma de se relacionar com as drogas. Em fevereiro deste ano, em meio à crise de segurança pública no Rio de Janeiro, o senador Jefferson Peres também lançou luzes no debate em nível nacional. A questão é que no mundo inteiro há gente se convencendo de que algo precisa ser modificado urgentemente na política de combate às drogas.
Em fevereiro deste ano, acreditamos que pela primeira vez na história, uma conferência promovida entre outros pelo sítio narconews.com e pelo jornal Por Esto!, de Yucatan (México), levou gente do mundo inteiro à cidade mexicana de Mérida para discutir formas de fazer com que esse debate saia das sombras. Há visões de todos os tipos, desde movimentos libertários que utilizam o argumento de que o Estado não pode impedir que o cidadão faça do seu corpo o uso que lhe convier, passando por aqueles defendem apenas a descriminalização da maconha por considerá-la menos ofensiva do que drogas lícitas como o álcool e o tabaco, até os que, como Greiff, defendem a legalização por entender que a grande questão é desmantelar o narcotráfico e controlar o consumo.
Greiff acredita que cada país deve criar sua própria regulamentação, mas defende que companhias privadas e laboratórios fiquem com a produção e a venda das drogas. E que os governos e bancos privados criem fundos para custear a fiscalização da qualidade das substâncias.
Canadá e Argentina
No dia 27 de maio o governo do Canadá apresentou ao Parlamento de Ottawa um projeto de lei descriminalizando o consumo da maconha. No caso dessa lei ser aprovada, a posse de 15 a 30 gramas de maconha deixará de ser um delito e só será penalizada com multas que variarão de 70 a 250 dólares. Se a quantidade apreendida for superior a 30 gramas, o caso será tratado como um delito, mas a imposição das maiores penas será para os produtores e comerciantes. O que torna o projeto canadense de certa forma um marco para uma nova política em relação às drogas na América é também o fato de o país fazer parte do Nafta e ser sócio-vizinho dos EUA.
Não foi à toa que o embaixador norte-americano em Ottawa, Paul Cellucci, reagiu em tom ameaçador: “A aprovação dessa lei pode afetar gravemente o comércio bilateral entre ambos os países, de US$ 1,2 bilhão diários”. Segundo ele, os inspetores de alfândegas estadunidenses poderiam começar a prestar maior atenção nas passagens fronteiriças o que pode reduzir consideravelmente o fluxo das exportações canadenses.
O ministro da justiça canadense acusou o golpe. Ao apresentar o projeto fez questão de dizer que a lei não pode ser vista como legalização. "Quero deixar claro, não estamos legalizando a maconha e não temos planos para fazê-lo", disse Martin Cauchon. Mas completou criticando a política de penalização atual do país que é muito semelhante a do todo-poderoso vizinho. "As sanções atualmente são desproporcionadas. A legislação que apresento hoje garantirá que o castigo seja proporcional à pena", acrescentou.
Alberto Giordano, jornalista estadunidense, é um dos maiores ativistas da legalização das drogas. Editor do narconews.com é impiedoso com o governo de seu país de origem. “A política proibicionista é impulsionada atualmente por uma única nação, os EUA, que chantageiam todos os outros como vem fazendo agora com o Canadá”.
Ele acredita que é na América Latina que o debate a respeito de uma nova política para as drogas está mais avançado. Entre outros motivos porque, na sua opinião, os EUA têm usado a questão do narcotráfico para impor sua política-policial na região. Por isso, sustenta que é fundamental que os países latino-americanos assumam em conjunto a legalização e acredita que há indícios de que isso possa a vir a ocorrer nos próximos anos.
“O debate está bem adiantado ao sul da fronteira gringa e também ao norte, com o Canadá se movimentando para descriminalizar a maconha. Os atuais presidentes do México, Uruguai e Brasil têm falado publicamente contra a política proibicionista. Kirchner nomeou um proeminente juiz antiproibicionista (Eugenio Zaffaroni) para a Corte Suprema. Na Bolívia, os cocaleros são reconhecidos pelo governo como força política importante (nas edições 7 e 8 da Fórum há uma cobertura completa do tema). Na Colômbia, os sonhos gringos de Álvaro Uribe fracassaram em relação à política de droga. E no Peru, como antes na Bolívia, as manifestações dos cocaleros têm levado a uma rebelião mais ampla de muitos setores contra o governo de Toledo e sua política entreguista impulsionada por Washington”, analisou.
Giordano não nos disse, mas seu discurso aponta para uma análise de que o governo estadunidense tem interesses especiais na guerra com o narcotráfico na América Latina. Ou seja, é o que garante espaço para ocupação territorial de grandes áreas dos países andinos e mesmo de intervenções nas políticas do Brasil, Argentina e Uruguai. Qual seria o motivo que levaria os EUA a de certa forma ter suas forças armadas atuando de forma consentida em países como Bolívia, Peru, Colômbia e Equador, por exemplo, se as drogas fossem tratadas como um problema social e de saúde pública?
Claudio Serbale, professor de sociologia da comunicação na Argentina, sustenta que a discussão sobre as drogas no país ainda está distante de caminhar para algo próximo a legalização, mas lembra que no dia 1 de julho a deputada Irmã Parentella apresentou projeto para legalizar o uso médico da maconha. “Por outro lado, o governo central, em certa medida para dar respostas à questão da violência, implementou um serviço telefônico para que qualquer pessoa possa denunciar um lugar onde imagina que se venda drogas”, escreveu em uma entrevista realizada por e-mail. A essas contradições, segundo Serbale, se somam a indicação de Eugenio Zaffaroni para presidir a Corte Suprema de Justiça. “Ele é um penalista que tem reconhecimento unânime por sua honradez e formação e tem se posicionado a favor da despenalização do consumo”, registra.
Na Argentina, fumar maconha é um ato que para a Justiça constitui delito. É suficiente para que a pessoa flagrada passe por um processo judicial. Mesmo existindo uma lei de entorpecentes (nº 23.773) que contempla a intervenção judicial no campo da saúde, o que prevalece são atos, por parte dos aparatos de controle do Estado, policial-judicial, que acabam por criminalizar o consumo.
Silvia Inchaurraga, presidente da Associação de Redução de Danos da Argentina (ARDA) e secretária-executiva da Rede Latino Americana de Redução de Danos (RELARD) diz que na Argentina, como em outras partes do mundo, a demonização não só das drogas, mas também das idéias e dos defensores da antiproibição, são resultados de uma abordagem intelectual confusa por parte de muitos que discutem a questão e, claro, de uma política oficial global estadunidense que não abre espaço para um debate mais amplo.
“Legalizar as drogas não é legalizar as substâncias, é legalizar uma abordagem mais racional, efetiva e humana dos problemas associados a elas e ao seu consumo. É uma alternativa à atual legalização de mentiras como a teoria da escalada (de que se começa consumindo uma droga mais leve até que se chegue às mais pesadas). A legalização é uma alternativa aos danos da proibição: contaminação de AIDS pelo uso de seringa, violência policial, mercado clandestino, adulteração de substâncias e sobredoses”, sustenta.
Inchaurraga admite que partir para a legalização das drogas não pode ser o caminho atual de países como Argentina e Brasil. “Nesses casos, o possível é avançar com a descriminalização do consumo. Mas, em nível internacional, é preciso fortalecer o movimento antiproibicionista que pode avançar para discutir as modalidades possíveis da legalização: aberta ou controlada. O que significaria que as drogas seriam pensadas como mercadorias ou como medicamentos”, posiciona.
México e Peru
O economista e estudioso do narcotráfico Hugo Cabieses, afirma que atualmente o debate a respeito da legalização das drogas em seu país é quase nulo. “Quando alguém propõe um debate a respeito, ou é satanizado ou ignorado, o que é ainda pior”.
Ele sustenta que isso acontece em decorrência das pressões do governo dos EUA, mas que, individualmente, existem ministros e funcionários de alto escalão que pensam que a melhor saída para o problema do narcotráfico é a legalização. “Mas têm medo de se posicionar publicamente”, diz.
No México a defesa da legalização tem mais visibilidade. O deputado do Partido Revolucionário Democrático (PRD), Gregorio Urías, tem sido taxativo: “A guerra contra as drogas é uma guerra perdida”. Ele é de Sinaloa, estado do norte do país, região que sofre grande parte da violência e da corrupção que tem origem no narcotráfico.
"O narcotráfico só tem aumentado, controla mais capital e move maior volume de drogas, o consumo disparou e as conseqüências e a violência engendradas por ele só têm aumentado ano a ano." No ano passado, Urías apresentou ao Congresso projeto de lei para começar o processo para despenalizar o uso da maconha.
Ele não foi o primeiro político a se confrontar abertamente com a política de proibição. Em 1998, a então senadora María del Carmen Bolado del Real, do Partido da Ação Nacional (PAN), do atual presidente, Vicente Fox, propôs um projeto para legalizar e regularizar todas as drogas no México. Até mesmo Vicente Fox teria dito, em 2001, que a despenalização seria inevitável como solução global.
O jornal diário ¡Por Esto!, da região de Yucatan, o terceiro em circulação do país, também tem defendido abertamente a legalização.
Ricardo Sala, do vivecondrogas.com, garante que o movimento a favor da mudança da legislação no país é grande. “Pergunta ao taxista e ele te dirá que é melhor legalizar”.
Brasil
Talvez o Brasil seja o país que mais caminhou silenciosamente para um outro tipo de política na relação com as drogas e os usuários. Evidente que a lei atual ainda coíbe tanto o comércio quanto o uso, mas ao enviar sua primeira mensagem ao Congresso, o presidente Lula destacou como um dos pontos principais no tema Justiça, Segurança e Cidadania, a redução da demanda de drogas. Parece um detalhe, mas Lula poderia ter destacado o combate ao narcotráfico e à sua rede criminosa.
O general Paulo Roberto Uchoa, Secretário Nacional Antidrogas do governo, destaca que isso não foi à toa. Ele garante que a política da SENAD foi homologada em 11 de dezembro de 2001, depois de amplo debate com a sociedade, e contempla muitos aspectos considerados como da modernidade. “É uma política que já define o dependente químico não como um criminoso, mas como um doente que necessita de cuidados. É uma política que determina também que não haja discriminação para o simples fato da pessoa usar drogas. O tratamento com o usuário e dependente tem que ser totalmente diferenciado do traficante, porque o criminoso é o traficante, não é o usuário. É uma política que privilegia a redução da demanda e está em harmonia com a Constituição do Brasil, principalmente no que diz respeito aos direitos humanos. É uma política que é humanista e pragmática”, define.
No que diz respeito a uma política de descriminalização ou legalização, Uchôa diz que o debate ainda não chegou ao conselho nacional antidrogas. “Mas ele vai chegar e com certeza vamos discuti-lo, uma vez que reconhecemos como um tema pontual, mas que é preciso ser colocado com isenção, com espírito aberto, para uma discussão em que sejam ouvidos todos os segmentos de sociedade. Eu quero dizer a você que o governo e a Secretaria Nacional Antidrogas não têm uma posição a tomar nesse assunto. A nossa posição será a de defender com unhas e dentes aquela que a sociedade adotar”, pontua.
Na sociedade, e mesmo na mídia, uma nova relação com a política que deve ser adotada em relação às drogas também vem sendo debatida. Alguns jornalistas e articulistas têm escrito artigos apontando a legalização como uma melhor possibilidade do que a guerra contra as drogas. Entre esses, destaca-se texto de Hélio Schwartzman de 13 de março último publicado na Folha de S. Paulo. Ele destaca que a taxa de homicídios é de 2,4 por 100 mil habitantes na França, contra 23,5 no Brasil. “Nos EUA, a mais embrutecida das nações industrializadas, o número é de 6,6. A Colômbia, se isto serve de consolo, tem taxa bem maior: 60 por 100 mil.”
E continua: “em termos macroeconômicos, portanto, a receita para baixar a violência é muito simples. Basta que evitemos o caminho colombiano da guerra civil e nos tornemos um país rico. Essa solução se torna menos prática quando se considera que o Brasil não chegará, nos próximos 20 ou 30 anos, ao nível de desenvolvimento social verificado no Primeiro Mundo.”
Schwartzman, então, diz que o país tem de buscar outras respostas para essa questão e conclui: “Pode ser que eu esteja absolutamente enganado, mas acredito na tese de que as drogas respondem por boa parte da violência gerada pelo crime organizado. É evidente que, se não existissem entorpecentes ilícitos, as quadrilhas continuariam existindo, só que se dedicando a outras atividades delituosas. Ainda assim, acho que o tráfico está entre as mais rentáveis – e menos expostas – das especialidades criminais. (...) Nos interstícios dessa ampla estrutura, surge espaço para a corrupção de autoridades, contrabando de armas e de produtos químicos que serão usados no processamento da droga. Em termos estritamente lógicos, a saída para minorar o problema da violência associada ao narcotráfico é a legalização das drogas. Perceba o leitor que não estou falando em descriminalizar ou ser tolerante para com os usuários, mas de legalização mesmo. Maconha, cocaína e heroína seriam tributados como bebidas alcoólicas e cigarros e poderiam ser vendidos em pontos específicos.(...) No dia em que as drogas estiverem legalizadas, o poder do traficante não será maior do que o do dono de botequim.”
Fonte: http://www.narconews.com/Issue31/artigo857.html
Assinar:
Postagens (Atom)