domingo, 1 de junho de 2003

Drogas legais

Junho de 2003, Caros Amigos

Antonio Lancetti
Psicanalista.

Como bateria uma carreira de pó se fosse legal cheirar?

Que aconteceria entre pais e filhos, mestres e alunos, médicos e pacientes se voltasse a ser vendida cocaína pura nas farmácias? Ou se fosse possível obtê-la num centro de saúde?

E se fosse permitido plantar um ou dois pés de cannabis no quintal em vez de comprar do traficante?

Que aconteceria se cheirar ou puxar fumo fossem atos que não nos colocassem do outro lado? Que aconteceria com a barreira que separa caretas de malucos se o ato de se drogar não fosse mais da ordem do proibido?

Que aconteceria com o tráfico se as drogas fossem vendidas legalmente?

Continuar imaginando que se possam eliminar as drogas pela via da proibição é ignorância, superstição, hipocrisia ou simplesmente a alma do negócio?

As campanhas do tipo “diga não às drogas” só as promoveram. É a melhor maneira de promover o uso de drogas porque dessa forma se ligam ao proibido, à sexualidade e à morte. Elas nadam como peixes nas águas do mercado.

O drogado não é aquele que consome drogas mas aquele que está com falta de drogas, o fissurado. E os hipócritas, amparados em superstições moralistas ou em academias, não gostam de aceitar que existem inúmeras pessoas que, havendo experimentado drogas ilícitas como cocaína e maconha ou ácido lisérgico, não se tornaram dependentes. A esmagadora maioria das pessoas que usaram ou usam drogas se auto-regulam.

O drogado, como disse Gilles Deleuze num texto precioso (“Duas Questões”, publicado na SaúdeLoucura 3 da editora Hucitec), é o eterno abstinente, aquele que está parando sempre.

O modelo mais aperfeiçoado de controle social vigente no chamado capitalismo mundial integrado foi fornecido pela experiência suicidária das drogas e consiste na inversão da relação consumo-produto. O produto não é a cocaína ou a heroína, mas o dependente, aquele que faz qualquer coisa pela sua dose. Nada mais funcional ao capitalismo contemporâneo e à chamada sociedade de controle.

É ilusório acreditar que se possa enfrentar o problema das drogas ligadas ao tráfico por via da proibição ou pelo combate policial, pois dessa maneira só se expandem até se constituírem num problema social de primeira ordem.

O primeiro passo para enfrentar a questão é aceitar que todos os povos usaram algum tipo de droga e que é próprio do sujeito submetido à civilização sair de si. Que as drogas produzem prazer, diminuem momentaneamente a dor e prolongam ou encurtam nossas vidas. Legais ou ilegais, ampliando a percepção, enriquecendo espiritualmente os homens ou submetendo-os a dependência abjeta, fazem parte da nossa existência.

O segundo passo foi dado recentemente pelo Ministério da Saúde quando considerou, pela primeira vez na história sanitária brasileira, o uso prejudicial de drogas como um problema de saúde pública. Também devemos aceitar que o trato dos drogados como problema de saúde é recente. Os convênios médicos, por exemplo, não cobrem internações clínicas de alcoólatras apesar de a abstinência implicar sérios riscos.

Ao adotar a filosofia da mal chamada redução de danos, o governo Lula não só optou pela única política pública que mostrou eficácia até o presente, mas abriu um caminho que permitirá tratar o problema com a complexidade que lhe é própria.

Mal chamada redução de danos, pois a prática do Programa de Redução de Danos mereceria ser chamada de ampliação da vida. Junto com as seringas descartáveis e as caixas coletoras, os redutores de danos fazem educação sanitária, promovem a solidariedade com os usuários e os filhos órfãos de ex-drogados, e sem a isso se propor conseguem que muitos substituam progressivamente drogas pesadas por outras menos nocivas.

Trabalhava na equipe do então secretário de Saúde da prefeitura de Santos o saudoso David Capistrano, quando foi iniciada, no Brasil, a experiência prática da redução de danos. Na época, David foi processado judicialmente e a experiência teve de ser suspensa.

Anos depois, tive a sorte de acompanhar em Porto Alegre o trabalho liderado por Domiciano Siqueira. Testemunhei grupos de redutores que sem nenhuma pregação antidrogas estavam sem usar havia meses e anos, vi o trânsito dos redutores entre traficantes, policiais, drogados e até igrejas. Com suas injeções de vida, os redutores de danos transitam pelo seio das bocadas e conseguem organizar, em comunidades de alto risco, consensos em favor da vida. Eles constroem ilhas de paz.

Outra experiência bem-sucedida, que também adotou a filosofia da redução de danos, é a da saúde mental associada ao Programa de Saúde da Família: equipes volantes de técnicos de saúde mental, junto com médicos, enfermeiros e agentes comunitários de saúde, conseguem reduzir as mortes por causas violentas, como homicídio e suicídio, numa região como a Vila Brasilândia.

O que há de comum entre a saúde mental do Programa de Saúde da Família e a redução de danos é que, atendendo primeiro os mais graves, conquistam a confiança de todos. São um exército sanitário de defensores e ampliadores da vida. Todos são pacientes. Policiais ou traficantes são seres humanos. Principalmente esses de carne e osso que sobrevivem nas nossas tristes periferias.

A liberação das drogas não somente facilitaria a vida de nós, terapeutas, como abriria uma possibilidade de parar de tratar de maneira simplificada fenômenos tão complexos.

A tarefa de assistir, organizar a vida e elevar a cidadania de nossas populações mais arrasadas pelo capitalismo é bem mais urgente que a repressão policial.

Fonte: Caros Amigos nº 75 (junho de 2003)

sábado, 31 de maio de 2003

Para evitar relação com o tráfico, usuários começam a plantar maconha

31 de maio de 2003, Último Segundo

Paulo Terron
Repórter iG em São Paulo.

A violência urbana dos grandes centros brasileiros deu origem a um novo "movimento": o das pessoas que só consomem maconha plantada particularmente, para consumo próprio, em vez de comprá-la de traficantes e patrocinar o crime organizado. Outros fatores - comodidade, segurança e qualidade - também são considerados por esses "agricultores".

Não que seja comum encontrar grandes plantações da erva em quintais de casas de São Paulo. Mas bastam algumas poucas conversas para se localizar quem tem "uma plantinha ou duas", escondidas em armários ou gavetas.

Éverton*, 31 anos, jornalista, é usuário há 16 anos. Nesse tempo, ele passou por diversas situações peculiares envolvendo o tráfico e o crime organizado que o levaram a pensar em começar um canteiro particular. "Tomei tiro no pé, fugi da polícia, fiquei amigo de travecos, conheci a favela de Paraisópolis nos mínimos detalhes. Andava com uns bandidos no carro", conta.

A compra da droga o levou a momentos de tensão. "Uma vez adquiri um revólver 38, cano longo - que mede quase um metro e meio - e fui trocá-lo numa boca [de fumo] no Morumbi, à noite." Os traficantes aceitaram e pediram que ele esperasse em um terreno baldio. "Pensei 'agora os caras vão pegar munição, voltam para me matar e eu vou ficar jogado aqui'. Mas os caras foram sangue bom, voltaram com 300 gramas e concretizamos a troca."

Luiz Carlos Magno, delegado da Divisão de Prevenção e Educação do Departamento de Investigações Sobre Narcóticos (DENARC), alerta, entretanto, que o plantio de maconha pode ser considerado tráfico de drogas - crime inafiançável com pena que pode ser de até 15 anos de detenção. "Em tese, o artigo 12 - parágrafo II - não especifica quantidade de maconha. Diz só que é crime plantar. Então encontramos casos julgados em que o ato foi considerado tráfico, e casos em que não foi. De qualquer forma, plantar é uma atividade ilícita."

O porte de pequenas quantidades, para consumo, pode dar de seis meses a dois anos de detenção, com direito à fiança. Para Magno, a melhor opção é não comprar de traficantes e também não cultivar em casa. "O melhor conselho que podemos dar é: sepulte esse projeto. O melhor é abandonar, deixar de consumir."

O Observatório Brasileiro de Informações Sobre Drogas (OBID) alerta sobre o malefício do consumo em longo prazo: prejuízo da atenção e da memória para fatos recentes; em alguns casos, o usuário sofre alucinações visuais; pode haver também ansiedade intensa, pânico e paranóia que, com uso durante muito tempo sem parada pode levar a desânimo generalizado. Isso sem contar os prejuízos aos órgãos respiratórios, como o cigarro normal, podendo levar inclusive ao câncer.

A Internet e o cultivo

No caso de Marcos*, 27 anos, a comodidade foi o que o levou ao cultivo. "Comecei a plantar porque soube de outras pessoas que plantavam em casa. Principalmente as que foram para outros países, talvez porque lá as leis sejam menos severas", conta o publicitário. A primeira tentativa foi feita de uma forma simples. "Primeiro joguei umas sementinhas na terra, e depois fui à Internet e digitei 'plantar maconha'. Pronto, apareceu lá o manual completo."

A produção independente está um passo além de outra prática popularizada nos anos 80/90, a do disk drogas. "A partir dos 25 anos, fiquei mais fresco: pagava mais para receber em casa ou pegar com um amigo na casa dele", lembra Éverton. Atualmente ele só fuma skunk, cedido por amigos que já tentaram plantar maconha. "Eles fazem, mas não dá muito certo com sementes brasileiras."

Como assinante da "High Times", o consultor em tecnologia Ricardo*, 31 anos, discorda. "Eu já tinha uma pequena literatura pessoal", ri. A revista americana é publicada mensalmente, com dicas para o cultivo, compra e sobre como agir em caso de flagrante policial. Ele acha que, ao se plantar, garante-se a qualidade. "Você sabe o que está plantando, sabe que não tem outras porcarias ali no meio." Marcos confirma. "É fácil, você pode fechar em um armário e abrir três meses depois que está pronto."

Paulo Roberto Uchôa, Secretario Nacional Antidrogas, reafirma a ilegalidade e os perigos da produção de maconha em casa. "A pessoa tem de ter muito cuidado. A política antidrogas nacional já diz que o consumidor não deve ser preso como traficante. Mas se planta, é."

"Achava errado ir atrás da maconha, ir à boca de fumo, à casa de traficante", diz Ricardo. Ele ganhou a primeira planta, já brotada, de um amigo. "Ele começou a plantar e me deu uma mudinha." Depois, ele ganhou uma semente importada, comprada pelo mesmo amigo em um site estrangeiro e entregue em casa pelo correio.

A Internet é um território praticamente livre para os interessados nesse tipo de agricultura. O Emery Seeds, cuja sede fica em Vancouver (Canadá), tem mais de 250 variedades de sementes - com preços de US$ 25 a US$ 425 por pacotes de dez sementes. Cada tipo é separado pelo tipo de cultivo que exige - ao ar livre, dentro de casa ou em estufas - ou pela "empresa" que o produz. "Não vendemos maconha, apenas as sementes para que você produza a sua", explica um texto do website.

Curiosamente, a afirmação do site canadense o coloca dentro da lei brasileira: comprar ou vender sementes de maconha não é crime. "A semente não possui o princípio ativo da droga [tetrahidrocanabinol, conhecido como THC], que está presente apenas nas folhas da planta", explica o delegado Magno.

Popularidade

Segundo o "1º Levantamento Domiciliar Sobre Uso de Drogas no Brasil", publicado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID) em 2001, a maconha é a terceira droga mais consumida no País, perdendo apenas para as legalizadas (álcool e tabaco). O estudo foi feito em cidades com mais de 200 mil habitantes, e indicou que 6,9% da população já usou a erva. Do total, 15,5% está na faixa etária entre 18 e 24 anos.

Para o deputado federal Fernando Gabeira (PT-RJ), as pessoas devem sempre se lembrar que cultivar maconha em casa tem implicações legais. "O importante é que elas saibam que é uma ação ilegal, sujeita à repreensão legal." O político, no entanto, diz entender a opção de quem planta a droga.

"Acho que de todas as drogas, a maconha é a única que pode dar uma autonomia. É a única que permite ao usuário fazer alguma coisa a respeito [da violência gerada pelo tráfico], de forma independente. Existem revistas especializadas que ensinam como fazer, e têm as técnicas". Gabeira acredita que a legalização evitaria algumas preocupações dos consumidores. "Não há violência alguma em torno da venda de vodca, que também é uma droga, mas é legal."

O estudante Juca*, de 19 anos, acha que a legalização da maconha prejudicaria o crime organizado. "Diversas vezes eu penso que comprando estou alimentando a indústria do crime, mas, se a maconha fosse liberada, isso não aconteceria." Ele nunca plantou a droga em casa, apesar de já ter considerado a hipótese. "Já pensei a respeito, só que aí entra a questão do preconceito. Se eu começar a plantar maconha em casa, meus pais não aceitariam - e ainda corro o risco de ser enquadrado como traficante."

Na opinião do secretário Uchôa, o consumo esporádico não deve levar ao plantio. "Se quiser consumir 'esportivamente' ou por curiosidade, não plante. E se está com medo, o melhor é parar. Plantar é procurar sarna para se coçar."

*Os nomes foram alterados a pedido dos entrevistados.

Fonte: http://ultimosegundo.ig.com.br/useg/brasil/artigo/0,,1219384,00.html

terça-feira, 27 de maio de 2003

Viver para negar

27 de maio de 2003, The Narco News Bulletin

Luis Gómez
Chefe da Oficina Andina do Narco News.

Na segunda, dia 19 de maio, o mundo inteiro comentou a notícia: Gabriel García Márquez, o famoso escritor colombiano, havia defendido a legalização das drogas como uma solução para os conflitos gerados pelo narcotráfico e o Plano Colômbia sustentado pelos Estados Unidos.

O jornal El Colombiano, em sua edição desse dia, publicou aquilo que era uma conferência dada pelo escritor – associado com o boom literário do realismo mágico de seus romances "O outono do patriarca", "Amor em tempos de cólera", "Cem anos de solidão", "Ninguém escreve ao coronel" (que foi levado ao cinema em 1999 com Salma Hayek e outros), assim como o recente sucesso de suas memórias "Viver para contar" – por um vídeo enviado de sua casa, na cidade de México, à Universidade Antioquía, na Colômbia, que completa 200 anos de atividade acadêmica. Várias agências de notícias internacionais fizeram a cobertura do sucesso (incluindo a agência espanhola EFE e a francesa AFP) e todas diziam o mesmo: ele realmente havia dito o que havia dito…

Tanto na transmissão da TV no domingo, dia 18, como no texto do jornal El Colombiano podia-se ler a seguinte frase:

"Não é possível imaginar o fim da violência na Colômbia sem a eliminação do narcotráfico e não é imaginável o fim do narcotráfico sem a legalização da droga, mais próspera a cada instante que é mais proibida."

Bem simples e clara, a idéia expressa era, sem dúvidas, uma alegação a favor da legalização.

É um argumento que ele já havia utilizado no passado, mas agora que o autor tem 76 anos e sofre de sérios problemas de saúde, suas palavras tiveram uma importância ainda maior e fizeram com que o presidente Álvaro Uribe preferisse "não comentar" o tema.

Entretanto, enquanto o público apenas ia digerindo o significado e a importância de que um prêmio Nobel de Literatura fizesse tal afirmação, García Márquez já fazia declarações na Radio Cadena Nacional de Colombia (RCN) negando que tivesse defendido a legalização, queixando-se da falta de ética do jornalismo atual e indo mais longe no tema: "Ao contrário do que dizem os jornalistas, sou contra a legalização das drogas e contra o consumo de drogas. O que disse é que o drama colombiano consiste, precisamente, no fato de que é imaginável que se acabe com o narcotráfico sem que haja a legalização do consumo".

De fato, o texto na íntegra de García Márquez foi publicado na primeira página do jornal A Jornada em sua edição de terça-feira, dia 20, acompanhado de sua assinatura, caso houvesse alguma dúvida. Portanto, nessa terça feira, o mundo "sabia": García Márquez nunca disse o que disse, ainda que logo depois, para esclarecer, disse que "o drama colombiano consiste, precisamente, no fato de que é imaginável que se acabe com o narcotráfico sem que haja a legalização do consumo". Ou seja, o argumento a favor da legalização não existia. O que havia, na realidade, é o fato de que García Márquez não vê outra solução, ainda que não goste da idéia de legalizar as drogas.

Do real maravilhoso

"A polêmica sobre a droga não deveria seguir ligada entre a guerra e a liberdade, mas sim, trabalhar a questão pela raiz e discutir os diversos modos possíveis de administrar a legalização. Ou seja, colocar fim na guerra de interesses, desastrosa e inútil, que nos impuseram os países consumidores e enfrentar o problema das drogas no mundo como um assunto primordial de natureza ética e de caráter político, que só pode se definir com um acordo universal com os Estados Unidos. E, sem dúvida com compromissos sérios dos países consumidores para com os países produtores. Já que não seria justo, ainda que seja provável, que nós que sofremos as terríveis conseqüências da guerra não possamos depois desfrutar dos benefícios da paz. Ou seja, que não aconteça conosco o que ocorreu na Nicarágua, onde a guerra foi prioridade absoluta e a paz passou a estar no final da agenda." Adivinhem, caros leitores, quem é o autor dessas palavras. É… Gabriel García Márquez.

Em um artigo intitulado "Apuntes para un debate nuevo sobre las drogas" (Notas para um novo debate sobre as drogas), publicado na revista Cambio 16 em sua edição colombiana, no dia 29 de novembro de 1993, (mais exatamente nas páginas 67 e 68), García Márquez não somente publicou um lúcido argumento a favor da legalização, como também criticou abertamente os métodos de combate ao problema das drogas e do narcotráfico, em sua maioria impostos por Washington, "por seu presidente Ronald Reagan em 1982". Tais métodos são, afirmou sem sombra de dúvida García Márquez, "mais que a própria droga, os que causaram, complicaram ou agravaram os maiores males que recaem tanto nos países produtores como nos países produtores".

E não é aí que termina a coisa. Na mesma edição da revista Cambio 16 apareceu também um manifesto, assumido pela publicação, cuja representante na Colômbia, Patricia Lara, lançou como o início de uma campanha a favor da legalização. O texto do manifesto é na verdade a parte final do texto de García Márquez e começa assim: "A proibição fez com que o negócio da droga se tornasse mais atrativo e frutífero, fomentando a criminalidade e a corrupção em todos os níveis". Mais adiante, se repete o argumento para "administrar a legalização". O melhor é que não somente tem a assinatura de García Márquez, como também firmam o documento (na página 69 da mesma revista) Carlos Fuentes, Fernando Savater, Antonio Escohotado, Manuel Vázquez Montalbán, Joan Manuel Serrat, Terenci Moix, Xavier Rubert de Ventós, Rosa Montero, além de vários outros artistas e intelectuais de todo mundo hispânico. Uma maravilha, não é mesmo?

Um detalhe, talvez decisivo para entender o caso, é que García Márquez era e é o principal acionista da publicação (atualmente editada com o nome Cambio, que em espanhol significa Mudança). Então não seria verossímil acreditar que a editora da revista utilizou ou interpretou mal as palavras do escritor, muito menos sem seu conhecimento, não é dom Gabriel?

García Márquez, agora mais que nunca, não é somente um escritor ou um artista: é um homem de negócios, com interesses financeiros, que além de possuir uma revista internacional, está envolvido na produção de filmes e de séries de TV, entre outros negócios e projetos. Talvez isso – ou a raiva de Uribe e seus poderosos amigos estadunidenses (E o que pensarão os paramilitares sobre essa recente declaração enviada a eles e a base política de Uribe em Medelín?) – explique sua repentina e pobremente argumentada mudança de posição sobre o tema da legalização.

Vale também lembrar que, na mesma semana de novembro de 1993, em outra revista (Semana, de Bogotá) apareceu uma nota com o mesmo tema, em que Gustavo de Greiff, então Procurador Geral da Colômbia, fez afirmações semelhantes, o que ao fim lhe custou não somente a perda de seu cargo como seu visto de entrada nos Estados Unidos. De Greiff disse abertamente que "no contexto da legalização do consumo, sou um simpatizante da legalização do narcotráfico". Isso custou a De Greiff um ostracismo político, mas a uma estrela da literatura como García Márquez não impediu, por exemplo, de voltar de tempos em tempos a Washington para assistir sem contratempos as cenas organizadas pelo ex-presidente Bill Clinton. Mas isso tudo já passou, e todos sabem disso.

A noite do eclipse

O que passou na mente do outonal escritor colombiano nos últimos dez anos, as mudanças drásticas de opinião, é algo que o mundo não sabe. Mas esse domingo, 19 de maio, na Universidade de Antioquía, García Márquez parecia (pelo menos de acordo com suas palavras) o mesmo de sempre. Inclusive o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, presente no evento, evitou comentar as palavras sobre o narcotráfico de García Márquez porque, afirmou a agência EFE, "é um tema muito controverso".

Não houve necessidade de Uribe defender sua política e o Plano Colômbia, porque nem um dia havia passado quando seu conterrâneo afirmava aos quatro ventos que não, que "não disse que se deve legalizar as drogas, nem fiz semelhante proposta ao governo da Colômbia", que "não consegui fazer com que meus colegas jornalistas transcrevessem com exatidão o que digo, o que escrevo, ao invés de me atribuir declarações inverossímeis, pensamentos que não tenho e posições que detesto". Será que aos 76 anos ele já pensou melhor? Que a proibição é mais saudável em sua opinião? Por que será? Porque é impossível negar que alguma vez ele tenha se manifestado a favor da legalização, ainda que agora deteste a idéia, fazendo com que suas palavras fossem a pedra de arranque de um movimento a favor da legalização na Colômbia, ainda que agora ele não faça esse tipo de propostas.

Talvez, como é seu costume, e por isso ganha prêmios há quatro décadas, Gabriel García Márquez estava contando um conto: um com um senhor já velho e com um nariz muito grande. Ou deixou de aparecer em dez anos sem avisar ao mundo. Falar a favor da legalização em 1993 e uma década depois ser contra isso pode se ajustar ao velho ditado: "Es de sabios cambiar de opinión" (É dos sábios a mudança de opinião). Mas, a verdade é que ser a favor a proibição só ajuda os criminosos de colarinho branco. Ou, como diria García Márquez, quando propôs legalizar as drogas para acabar com as imposições dos Estados Unidos e sua guerra contra as drogas: "O problema é uma questão fundamental de ética e política", e não um conto fantástico…

Fonte: http://www.narconews.com/Issue30/artigo795.html
 

Precisando de ajuda?

Veja o site da Psicóloga e Psicoterapeuta Bianca Galindo que ela faz atendimento online.