31 de maio de 2003, Último Segundo
Paulo Terron
Repórter iG em São Paulo.
A violência urbana dos grandes centros brasileiros deu origem a um novo "movimento": o das pessoas que só consomem maconha plantada particularmente, para consumo próprio, em vez de comprá-la de traficantes e patrocinar o crime organizado. Outros fatores - comodidade, segurança e qualidade - também são considerados por esses "agricultores".
Não que seja comum encontrar grandes plantações da erva em quintais de casas de São Paulo. Mas bastam algumas poucas conversas para se localizar quem tem "uma plantinha ou duas", escondidas em armários ou gavetas.
Éverton*, 31 anos, jornalista, é usuário há 16 anos. Nesse tempo, ele passou por diversas situações peculiares envolvendo o tráfico e o crime organizado que o levaram a pensar em começar um canteiro particular. "Tomei tiro no pé, fugi da polícia, fiquei amigo de travecos, conheci a favela de Paraisópolis nos mínimos detalhes. Andava com uns bandidos no carro", conta.
A compra da droga o levou a momentos de tensão. "Uma vez adquiri um revólver 38, cano longo - que mede quase um metro e meio - e fui trocá-lo numa boca [de fumo] no Morumbi, à noite." Os traficantes aceitaram e pediram que ele esperasse em um terreno baldio. "Pensei 'agora os caras vão pegar munição, voltam para me matar e eu vou ficar jogado aqui'. Mas os caras foram sangue bom, voltaram com 300 gramas e concretizamos a troca."
Luiz Carlos Magno, delegado da Divisão de Prevenção e Educação do Departamento de Investigações Sobre Narcóticos (DENARC), alerta, entretanto, que o plantio de maconha pode ser considerado tráfico de drogas - crime inafiançável com pena que pode ser de até 15 anos de detenção. "Em tese, o artigo 12 - parágrafo II - não especifica quantidade de maconha. Diz só que é crime plantar. Então encontramos casos julgados em que o ato foi considerado tráfico, e casos em que não foi. De qualquer forma, plantar é uma atividade ilícita."
O porte de pequenas quantidades, para consumo, pode dar de seis meses a dois anos de detenção, com direito à fiança. Para Magno, a melhor opção é não comprar de traficantes e também não cultivar em casa. "O melhor conselho que podemos dar é: sepulte esse projeto. O melhor é abandonar, deixar de consumir."
O Observatório Brasileiro de Informações Sobre Drogas (OBID) alerta sobre o malefício do consumo em longo prazo: prejuízo da atenção e da memória para fatos recentes; em alguns casos, o usuário sofre alucinações visuais; pode haver também ansiedade intensa, pânico e paranóia que, com uso durante muito tempo sem parada pode levar a desânimo generalizado. Isso sem contar os prejuízos aos órgãos respiratórios, como o cigarro normal, podendo levar inclusive ao câncer.
A Internet e o cultivo
No caso de Marcos*, 27 anos, a comodidade foi o que o levou ao cultivo. "Comecei a plantar porque soube de outras pessoas que plantavam em casa. Principalmente as que foram para outros países, talvez porque lá as leis sejam menos severas", conta o publicitário. A primeira tentativa foi feita de uma forma simples. "Primeiro joguei umas sementinhas na terra, e depois fui à Internet e digitei 'plantar maconha'. Pronto, apareceu lá o manual completo."
A produção independente está um passo além de outra prática popularizada nos anos 80/90, a do disk drogas. "A partir dos 25 anos, fiquei mais fresco: pagava mais para receber em casa ou pegar com um amigo na casa dele", lembra Éverton. Atualmente ele só fuma skunk, cedido por amigos que já tentaram plantar maconha. "Eles fazem, mas não dá muito certo com sementes brasileiras."
Como assinante da "High Times", o consultor em tecnologia Ricardo*, 31 anos, discorda. "Eu já tinha uma pequena literatura pessoal", ri. A revista americana é publicada mensalmente, com dicas para o cultivo, compra e sobre como agir em caso de flagrante policial. Ele acha que, ao se plantar, garante-se a qualidade. "Você sabe o que está plantando, sabe que não tem outras porcarias ali no meio." Marcos confirma. "É fácil, você pode fechar em um armário e abrir três meses depois que está pronto."
Paulo Roberto Uchôa, Secretario Nacional Antidrogas, reafirma a ilegalidade e os perigos da produção de maconha em casa. "A pessoa tem de ter muito cuidado. A política antidrogas nacional já diz que o consumidor não deve ser preso como traficante. Mas se planta, é."
"Achava errado ir atrás da maconha, ir à boca de fumo, à casa de traficante", diz Ricardo. Ele ganhou a primeira planta, já brotada, de um amigo. "Ele começou a plantar e me deu uma mudinha." Depois, ele ganhou uma semente importada, comprada pelo mesmo amigo em um site estrangeiro e entregue em casa pelo correio.
A Internet é um território praticamente livre para os interessados nesse tipo de agricultura. O Emery Seeds, cuja sede fica em Vancouver (Canadá), tem mais de 250 variedades de sementes - com preços de US$ 25 a US$ 425 por pacotes de dez sementes. Cada tipo é separado pelo tipo de cultivo que exige - ao ar livre, dentro de casa ou em estufas - ou pela "empresa" que o produz. "Não vendemos maconha, apenas as sementes para que você produza a sua", explica um texto do website.
Curiosamente, a afirmação do site canadense o coloca dentro da lei brasileira: comprar ou vender sementes de maconha não é crime. "A semente não possui o princípio ativo da droga [tetrahidrocanabinol, conhecido como THC], que está presente apenas nas folhas da planta", explica o delegado Magno.
Popularidade
Segundo o "1º Levantamento Domiciliar Sobre Uso de Drogas no Brasil", publicado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID) em 2001, a maconha é a terceira droga mais consumida no País, perdendo apenas para as legalizadas (álcool e tabaco). O estudo foi feito em cidades com mais de 200 mil habitantes, e indicou que 6,9% da população já usou a erva. Do total, 15,5% está na faixa etária entre 18 e 24 anos.
Para o deputado federal Fernando Gabeira (PT-RJ), as pessoas devem sempre se lembrar que cultivar maconha em casa tem implicações legais. "O importante é que elas saibam que é uma ação ilegal, sujeita à repreensão legal." O político, no entanto, diz entender a opção de quem planta a droga.
"Acho que de todas as drogas, a maconha é a única que pode dar uma autonomia. É a única que permite ao usuário fazer alguma coisa a respeito [da violência gerada pelo tráfico], de forma independente. Existem revistas especializadas que ensinam como fazer, e têm as técnicas". Gabeira acredita que a legalização evitaria algumas preocupações dos consumidores. "Não há violência alguma em torno da venda de vodca, que também é uma droga, mas é legal."
O estudante Juca*, de 19 anos, acha que a legalização da maconha prejudicaria o crime organizado. "Diversas vezes eu penso que comprando estou alimentando a indústria do crime, mas, se a maconha fosse liberada, isso não aconteceria." Ele nunca plantou a droga em casa, apesar de já ter considerado a hipótese. "Já pensei a respeito, só que aí entra a questão do preconceito. Se eu começar a plantar maconha em casa, meus pais não aceitariam - e ainda corro o risco de ser enquadrado como traficante."
Na opinião do secretário Uchôa, o consumo esporádico não deve levar ao plantio. "Se quiser consumir 'esportivamente' ou por curiosidade, não plante. E se está com medo, o melhor é parar. Plantar é procurar sarna para se coçar."
*Os nomes foram alterados a pedido dos entrevistados.
Fonte: http://ultimosegundo.ig.com.br/useg/brasil/artigo/0,,1219384,00.html
sábado, 31 de maio de 2003
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário