4 de maio de 2001, O Globo (Opinião)
Fernando Gabeira
Aos que estranham minha ausência no debate sobre a Escola Parque, devo uma explicação. Minha filha estuda lá, há três meses. É uma pessoa com idéias e trajetórias próprias. Não merece nem o mérito nem o estigma que essa luta colou na minha imagem.
Chego, portanto, ao debate não como um deputado garimpando votos, mas como um pai que debateu em casa e obteve um sinal verde para expressar suas idéias. Se não o obtivesse, deixaria passar em branco, como devo ter deixado passar as polêmicas sobre expulsão de meninos com cabelo comprido, meninas de minissaia ou, mais recentemente, meninos usando brinco.
Numa carta publicada no O Globo, Gilberta Axelrod, que trabalha com usuários de droga e se dedica ao estudo do tema, afirmou que a Escola Parque recusou a pedagogia, sua razão de ser, expulsando no lugar de educar, sob o pretexto, válido no geral, de que é necessário impor limites.
Concordo com essa tese de Gilberta. Mas, de um certo modo, considero que há uma visão pedagógica por trás de tudo, se levarmos em conta que existe uma pedagogia da repressão.
Considero-a, nesse caso particular, um subproduto das grandes visões que polarizam no planeta as políticas de droga. A dos Estados Unidos, com ênfase na repressão, e a holandesa, com ênfase na redução de danos. Escolhi a palavra ênfase porque os Estados Unidos também praticam a redução de danos, e a Holanda, a repressão.
A política estadunidense é um fracasso. Milhões de pessoas presas, uma nova penitenciária por semana.
Livros como de Mike Gray dizem isto até no título: como entramos nessa confusão e como podemos sair dela. Ex-presidentes como Jimmy Carter e, recentemente, Bill Clinton, em sua entrevista à "Rolling Stones", consideram um equívoco abarrotar as prisões com usuários de maconha.
Os meninos em Ouro Preto, diante do fascínio da arquitetura barroca, devem ter refletido também sobre a Inconfidência Mineira, perguntado por que rolam cabeças naquelas ruas mágicas e irregulares. Uma delas, a de Tiradentes, exposta concretamente em praça pública.
Precisam saber que o ranço colonial ainda envolve a política de drogas no Brasil, onde as teses estadunidenses predominam. Nossas cadeias estão superlotadas, e, como nos faltam recursos, elas estão explodindo. Seu anacronismo se revela dramaticamente diante de simples instrumentos de nosso moderno cotidiano, como o telefone celular.
Como se não bastasse a inspiração, os estadunidenses nos pressionam para que adotemos a pena de morte, derrubando aviões que não atendam ao comando de aterrissar. Essa gloriosa batalha do bem matou, no Peru, a missionária estadunidense Rony Bowler e sua filha Charity, de sete meses. Foram metralhadas a bordo de um Cessna.
Se fosse só trazer uma batalha aérea para os céus da Amazônia, ainda poderiam buscar alguns argumentos. Mas querem trazer a guerra biológica com o Plano Colômbia, desenvolvendo o fungo Fusarium oxysporum para destruir as plantações de coca, com possíveis repercussões nos rios amazônicos.
A política holandesa de redução de danos tem sido confirmada pelos eleitores. A legalização da maconha, ao contrário do mito, não significou aumento do consumo de outras drogas. Havia 20 mil usuários de heroína. O número se mantém estável e cresce apenas a idade média dos usuários, indicando que as novas gerações não seguiram esse caminho.
A política de redução de danos já desponta em Porto Alegre, onde se trocam seringas de usuários de drogas descartáveis.
Num debate que realizamos segunda-feira na cidade, discutindo a questão da AIDS, ficou claro que um terço dos soropositivos era usuário de droga injetável. A maioria não tinha renda, era analfabeta. Portanto, nossa luta, junto com os africanos do sul e indianos, por um acesso a remédios mais baratos deve ser também a de incluir, criar fontes de renda, educar.
Daí o paradoxo vivido dentro de nossas fronteiras. Os que trabalham com usuários insistindo no verbo educar, os educadores usando o verso expulsar. Esse paradoxo, na verdade, revela como compartilhamos um drama universal e como, aos poucos, os educadores da Escola Parque, vamos nos integrando em processos mais amplos.
Assim como nos Estados Unidos, criamos um czar antidrogas, o general Alberto Cardoso. Admiro sua integridade, mas não deixei de dizer diretamente a ele, na Câmara, que sua ida ao Nordeste para queimar maconha era apenas um ato de terrorismo cultural. Em 525 d.C., queimava-se maconha nos arredores do Cairo. E a maconha sobrevive com revistas especializadas, festivais internacionais, cancioneiro e até um museu em Amsterdã.
Se parassem apenas para perguntar por que não existe um museu da berinjela, do alho-poró, e existe um da Cannabis sativa. Ou por que os estadunidenses produzem o Marinol e são contra a produção desse remédio em Pernambuco, onde os técnicos do estado estão prontos para fazê-lo. Ou por que os estadunidenses não querem que usemos a Cannabis para fins industriais e nos documentos da Casa Branca, disponíveis na Internet, afirmam que a Cannabis é uma planta estratégica que não pode faltar, em caso de guerra.
Com todas essas questões levantadas, creio que o único acerto pedagógico da Escola Parque foi o de escolher Ouro Preto para rolar cabeças. A lição, cada um de nós completa em casa, à sua maneira.
Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idSubArea=74&idArea=1&idArtigo=171
sexta-feira, 4 de maio de 2001
quinta-feira, 19 de abril de 2001
Guerra contra drogas afeta maconha jamaicana
19 de abril de 2001, Agência Estado
Matthew J. Rosenberg
AP
Hanson District, Jamaica - Há tempos, os intensos raios do sol parecem incendiar as plantações de maconha na Jamaica, banhando as plantas em raios avermelhados. Mas um produtor afirma que as plantações da erva nesta nação caribenha foram muito afetadas pela guerra contra as drogas e pela competição mundial. O camponês, que se identificou apenas como Thomas, afirmou em entrevista que a variedade de maconha cultivada em seu campo "é a melhor da Jamaica". "Mas agora cultivo menos do que antes", acrescentou.
O cultivo de maconha perdeu grande parte de seu mercado desde a década de 70, quando aviões vinham buscar o produto para levar diretamente aos Estados Unidos. Naquela época, a maconha do Caribe, produzida sobretudo na Jamaica, alimentava 20% do consumo mundial. Hoje abastece menos de 5%, segundo o Mecanismo Coordenador de Controle da Droga no Caribe, um programa da ONU com sede em Barbados. "A maconha ficou para trás, como tudo o que cultivamos… a banana, o açúcar. A maconha não se vende", disse Thomas, que há 40 anos cultiva a Cannabis em uma parcela de dois hectares na qual seu avô plantava apenas tomates e outros frutos.
O cultivo e o consumo de maconha são ilegais na Jamaica, razão pela qual Thomas e outros produtores não dizem seus sobrenomes. Mas são tolerados. Outra razão para manter o anonimato é um acordo oficial que autoriza os agentes norte-americanos a queimar os cultivos.
Em 1991, a Jamaica produziu 705 toneladas de maconha, segundo o Departamento de Estado norte-americano. Cifras mais recentes indicam para uma produção de 235 toneladas em 1997. "Ganhava-se muito dinheiro naquela época", disse Omar, outro plantador, sobre os "anos dourados" da erva. Eles e Thomas dizem que ganhavam cerca de US$ 4.000 anuais, suficiente para levar uma vida cômoda na Jamaica. Agora, ganham a metade.
No início da década de 80, a maconha era aceita localmente, com a benção dos ídolos do reggae como Bob Marley. Mas seu uso freqüente chamava a atenção dos agentes antidrogas norte-americanos. A aduana dos Estados Unidos estava atenta e os agentes queimaram centenas de hectares no Caribe. Thomas disse que os agentes incendiaram seus campos quatro vezes.
A campanha norte-americana elevou o preço da erva na América do Norte, seu melhor mercado. Consumidores dos Estados Unidos e Canadá começaram a cultivar suas próprias variedades, mais resistentes. A maconha norte-americana "é muito superior à jamaicana", diz Steve Bloom, diretor da revista High Times, a bíblia dos consumidores norte-americanos. "A jamaicana é boa, mas é preciso fumar muito."
A maconha jamaicana é cultivada atualmente em ladeiras remotas, pântanos e lamaçais, onde é difícil de ser detectada, mas onde está sujeita aos caprichos do clima. O México também herdou uma parte do mercado. As autoridades norte-americanas dizem que o aumento do comércio legítimo entre México e Estados Unidos, com o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) também refletiu em maior quantidade de erva procedente do país vizinho. Pelo fato de a maconha mexicana ser tão acessível, os mesmos traficantes jamaicanos que operam nos EUA compram essa variedade para vendê-la.
Apesar da queda da maconha jamaicana no mundo, o mercado local é suficiente para manter o negócio dos produtores nacionais. A planta foi trazida à Jamaica no século 19 por trabalhadores da Índia. Inicialmente, ela era utilizada de forma medicinal. A partir da década de 30, foi difundida pela seita rastafari, que a considerava sagrada. Com o reggae, a maconha começou a atravessar as rígidas barreiras de classe do arquipélago.
Hoje, apesar de ainda ter seus adeptos, já não é mais a rainha das plantações. No entanto, velhos hábitos tardam a morrer. "Nunca deixarei de cultivar a erva", disse Thomas com um sorriso malicioso. "Que mais eu poderia fumar?"
Fonte: http://www.estadao.com.br/agestado/noticias/2001/abr/19/202.htm
Matthew J. Rosenberg
AP
Hanson District, Jamaica - Há tempos, os intensos raios do sol parecem incendiar as plantações de maconha na Jamaica, banhando as plantas em raios avermelhados. Mas um produtor afirma que as plantações da erva nesta nação caribenha foram muito afetadas pela guerra contra as drogas e pela competição mundial. O camponês, que se identificou apenas como Thomas, afirmou em entrevista que a variedade de maconha cultivada em seu campo "é a melhor da Jamaica". "Mas agora cultivo menos do que antes", acrescentou.
O cultivo de maconha perdeu grande parte de seu mercado desde a década de 70, quando aviões vinham buscar o produto para levar diretamente aos Estados Unidos. Naquela época, a maconha do Caribe, produzida sobretudo na Jamaica, alimentava 20% do consumo mundial. Hoje abastece menos de 5%, segundo o Mecanismo Coordenador de Controle da Droga no Caribe, um programa da ONU com sede em Barbados. "A maconha ficou para trás, como tudo o que cultivamos… a banana, o açúcar. A maconha não se vende", disse Thomas, que há 40 anos cultiva a Cannabis em uma parcela de dois hectares na qual seu avô plantava apenas tomates e outros frutos.
O cultivo e o consumo de maconha são ilegais na Jamaica, razão pela qual Thomas e outros produtores não dizem seus sobrenomes. Mas são tolerados. Outra razão para manter o anonimato é um acordo oficial que autoriza os agentes norte-americanos a queimar os cultivos.
Em 1991, a Jamaica produziu 705 toneladas de maconha, segundo o Departamento de Estado norte-americano. Cifras mais recentes indicam para uma produção de 235 toneladas em 1997. "Ganhava-se muito dinheiro naquela época", disse Omar, outro plantador, sobre os "anos dourados" da erva. Eles e Thomas dizem que ganhavam cerca de US$ 4.000 anuais, suficiente para levar uma vida cômoda na Jamaica. Agora, ganham a metade.
No início da década de 80, a maconha era aceita localmente, com a benção dos ídolos do reggae como Bob Marley. Mas seu uso freqüente chamava a atenção dos agentes antidrogas norte-americanos. A aduana dos Estados Unidos estava atenta e os agentes queimaram centenas de hectares no Caribe. Thomas disse que os agentes incendiaram seus campos quatro vezes.
A campanha norte-americana elevou o preço da erva na América do Norte, seu melhor mercado. Consumidores dos Estados Unidos e Canadá começaram a cultivar suas próprias variedades, mais resistentes. A maconha norte-americana "é muito superior à jamaicana", diz Steve Bloom, diretor da revista High Times, a bíblia dos consumidores norte-americanos. "A jamaicana é boa, mas é preciso fumar muito."
A maconha jamaicana é cultivada atualmente em ladeiras remotas, pântanos e lamaçais, onde é difícil de ser detectada, mas onde está sujeita aos caprichos do clima. O México também herdou uma parte do mercado. As autoridades norte-americanas dizem que o aumento do comércio legítimo entre México e Estados Unidos, com o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) também refletiu em maior quantidade de erva procedente do país vizinho. Pelo fato de a maconha mexicana ser tão acessível, os mesmos traficantes jamaicanos que operam nos EUA compram essa variedade para vendê-la.
Apesar da queda da maconha jamaicana no mundo, o mercado local é suficiente para manter o negócio dos produtores nacionais. A planta foi trazida à Jamaica no século 19 por trabalhadores da Índia. Inicialmente, ela era utilizada de forma medicinal. A partir da década de 30, foi difundida pela seita rastafari, que a considerava sagrada. Com o reggae, a maconha começou a atravessar as rígidas barreiras de classe do arquipélago.
Hoje, apesar de ainda ter seus adeptos, já não é mais a rainha das plantações. No entanto, velhos hábitos tardam a morrer. "Nunca deixarei de cultivar a erva", disse Thomas com um sorriso malicioso. "Que mais eu poderia fumar?"
Fonte: http://www.estadao.com.br/agestado/noticias/2001/abr/19/202.htm
sábado, 6 de janeiro de 2001
Cuidando da maconha
6 de fevereiro de 2001, Jornal do Brasil
Walter Maierovitch
Juiz, presidente do Instituto Giovanni Falcone e ex-secretário nacional antidrogas.
A União Européia está oferecendo recursos financeiros para incentivar o cultivo da Cannabis, ou seja, a popular maconha.
Os países membros da UE realizam, assim, uma revisão histórica. Revogam as proibições legais de cultivo da planta, impostas a partir de 1930. Abandonam o modelo legislativo estadunidense. Modelo que não distinguiu o uso lúdico - causador de dependência psicológica e dano social - do cultivo da Cannabis sativa, voltado a finalidades outras, como a terapêutica, a industrial e a comercial.
A adoção de amplo proibicionismo levou à eliminação da então farta Cannabis dos campos europeus. E a adoção de tal linha política privilegiou os magnatas do petróleo, pois havia um interesse comercial internacional subjacente na dilatada proibição.
Quando Fernando Pessoa frisou que "navegar é preciso", retratou um tempo em que as velas das naus eram feitas com as fibras da Cannabis. O mesmo material confeccionou as cordas, redes e bandeiras das caravelas do século XV. As folhas e os sarmentos foram posteriormente empregados na produção de papel, tendo sido extraídos das sementes os óleos alimentar e combustível.
Segundo pesquisa conhecida, o velho Henry Ford teria estudado, por quase 12 anos, as propriedades da Cannabis, para emprego industrial. Construiu protótipo de carroceria vegetal incluindo fibras de Cannabis. Era essa carroceria um terço menos pesada do que as feitas de aço, além de 10 vezes mais resistente ao impacto. Não concluiu os estudos sobre a elaboração de combustível derivado da Cannabis. O motivo foi que entrou em vigor, nos EUA, uma lei até então desconhecida no mundo: a de repressão ao cultivo e ao uso da Cannabis.
Com o cultivo proibido, vingou o nylon, derivado do petróleo. E o asiático bicho-da-seda não suportou a concorrência. Em síntese, vitória de grupos do tipo Du Pont e a consagração de Henry Aslinger, mentor da legislação e vários anos chefe do Federal Bureau of Narcotics and Dangerous Drugs. Aliás, foi colocado no posto por indicação do banqueiro Mellon, que fez fortuna com os negócios do petróleo.
Portanto, a reviravolta promovida pela UE resgata a utilização da Cannabis. Para evitar problemas, estabeleceu-se uma condição para o apoio financeiro: fibras com menos de 0,2% de princípio ativo.
Na cidade italiana de Foggia, com financiamento da UE, explora-se o cultivo da Cannabis. Foram gerados 300 novos postos de trabalho. A produção alcançou a marca de 22 mil toneladas-ano de papel. Empolgou, ainda, o fato de a Cannabis renovar o solo, não promovendo, como sucede com a cana-de-açúcar no Brasil, sua exaustão.
Por outro lado, a indústria farmacêutica renovou seu interesse no uso medicinal da planta, como antes ocorreu com a papoula, geradora da semi-sintética morfina. A maconha vem sendo utilizada, sob controle médico e por exemplo, para aumentar o apetite de aidéticos, melhorando sua resistência física. Também para reduzir, nos casos de câncer, náuseas provocadas pela quimioterapia.
Os ambientalistas, com a alternativa canábica, pretendem evitar os poluentes derivados do petróleo; substituir o quase indestrutível plástico e preservar as madeiras.
Convém sempre observar, ainda, estar a UE incentivando o cultivo condicionado. Não há dúvida de que a maconha é uma droga e o uso faz mal, como tantas outras coisas. O seu uso intenso afeta a capacidade de memorizar e apreender, sendo prudente evitar a disseminação nas escolas. Pode reduzir o desejo sexual e provocar síndrome amotivacional, ou seja, a falta de ânimo para tudo, incluído o trabalho.
Evidentemente, a droga causa prazer. Relaxa, daí sua tolerância pelos diretores de alguns presídios. Potencializa sabores e sons. Amplia as sensações. Não causa dependência física, mas a psicológica pode ocorrer, levando ao aumento do consumo.
No chamado polígono brasileiro da maconha, o governo Fernando Henrique optou, em face da legislação e da destinação da droga ao tráfico, pela introdução de cultivos substitutivos, com financiamentos abertos pelo Banco do Nordeste. Ao que parece, a vigilância policial, o controle por fotografias aéreas e as imagens de satélite não impediram a migração para o Maranhão.
Talvez tenha chegado o momento para novas medidas, apesar de o generoso relatório da ONU, com dados passados pelas autoridades brasileiras, ter apontado para 8 milhões de consumidores de maconha no Brasil. 49% não acreditam nele, conforme consulta feita pelo JB On-Line.
Novas posturas políticas foram recomendadas no relatório de despedida de Clinton e MacCaffrey, depois de tantas trapalhadas, tantos desrespeitos e erros. Pareceu provocação ao conservador W. Bush, que já abusou do álcool.
Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idSubArea=68&idArea=1&idArtigo=165
Walter Maierovitch
Juiz, presidente do Instituto Giovanni Falcone e ex-secretário nacional antidrogas.
A União Européia está oferecendo recursos financeiros para incentivar o cultivo da Cannabis, ou seja, a popular maconha.
Os países membros da UE realizam, assim, uma revisão histórica. Revogam as proibições legais de cultivo da planta, impostas a partir de 1930. Abandonam o modelo legislativo estadunidense. Modelo que não distinguiu o uso lúdico - causador de dependência psicológica e dano social - do cultivo da Cannabis sativa, voltado a finalidades outras, como a terapêutica, a industrial e a comercial.
A adoção de amplo proibicionismo levou à eliminação da então farta Cannabis dos campos europeus. E a adoção de tal linha política privilegiou os magnatas do petróleo, pois havia um interesse comercial internacional subjacente na dilatada proibição.
Quando Fernando Pessoa frisou que "navegar é preciso", retratou um tempo em que as velas das naus eram feitas com as fibras da Cannabis. O mesmo material confeccionou as cordas, redes e bandeiras das caravelas do século XV. As folhas e os sarmentos foram posteriormente empregados na produção de papel, tendo sido extraídos das sementes os óleos alimentar e combustível.
Segundo pesquisa conhecida, o velho Henry Ford teria estudado, por quase 12 anos, as propriedades da Cannabis, para emprego industrial. Construiu protótipo de carroceria vegetal incluindo fibras de Cannabis. Era essa carroceria um terço menos pesada do que as feitas de aço, além de 10 vezes mais resistente ao impacto. Não concluiu os estudos sobre a elaboração de combustível derivado da Cannabis. O motivo foi que entrou em vigor, nos EUA, uma lei até então desconhecida no mundo: a de repressão ao cultivo e ao uso da Cannabis.
Com o cultivo proibido, vingou o nylon, derivado do petróleo. E o asiático bicho-da-seda não suportou a concorrência. Em síntese, vitória de grupos do tipo Du Pont e a consagração de Henry Aslinger, mentor da legislação e vários anos chefe do Federal Bureau of Narcotics and Dangerous Drugs. Aliás, foi colocado no posto por indicação do banqueiro Mellon, que fez fortuna com os negócios do petróleo.
Portanto, a reviravolta promovida pela UE resgata a utilização da Cannabis. Para evitar problemas, estabeleceu-se uma condição para o apoio financeiro: fibras com menos de 0,2% de princípio ativo.
Na cidade italiana de Foggia, com financiamento da UE, explora-se o cultivo da Cannabis. Foram gerados 300 novos postos de trabalho. A produção alcançou a marca de 22 mil toneladas-ano de papel. Empolgou, ainda, o fato de a Cannabis renovar o solo, não promovendo, como sucede com a cana-de-açúcar no Brasil, sua exaustão.
Por outro lado, a indústria farmacêutica renovou seu interesse no uso medicinal da planta, como antes ocorreu com a papoula, geradora da semi-sintética morfina. A maconha vem sendo utilizada, sob controle médico e por exemplo, para aumentar o apetite de aidéticos, melhorando sua resistência física. Também para reduzir, nos casos de câncer, náuseas provocadas pela quimioterapia.
Os ambientalistas, com a alternativa canábica, pretendem evitar os poluentes derivados do petróleo; substituir o quase indestrutível plástico e preservar as madeiras.
Convém sempre observar, ainda, estar a UE incentivando o cultivo condicionado. Não há dúvida de que a maconha é uma droga e o uso faz mal, como tantas outras coisas. O seu uso intenso afeta a capacidade de memorizar e apreender, sendo prudente evitar a disseminação nas escolas. Pode reduzir o desejo sexual e provocar síndrome amotivacional, ou seja, a falta de ânimo para tudo, incluído o trabalho.
Evidentemente, a droga causa prazer. Relaxa, daí sua tolerância pelos diretores de alguns presídios. Potencializa sabores e sons. Amplia as sensações. Não causa dependência física, mas a psicológica pode ocorrer, levando ao aumento do consumo.
No chamado polígono brasileiro da maconha, o governo Fernando Henrique optou, em face da legislação e da destinação da droga ao tráfico, pela introdução de cultivos substitutivos, com financiamentos abertos pelo Banco do Nordeste. Ao que parece, a vigilância policial, o controle por fotografias aéreas e as imagens de satélite não impediram a migração para o Maranhão.
Talvez tenha chegado o momento para novas medidas, apesar de o generoso relatório da ONU, com dados passados pelas autoridades brasileiras, ter apontado para 8 milhões de consumidores de maconha no Brasil. 49% não acreditam nele, conforme consulta feita pelo JB On-Line.
Novas posturas políticas foram recomendadas no relatório de despedida de Clinton e MacCaffrey, depois de tantas trapalhadas, tantos desrespeitos e erros. Pareceu provocação ao conservador W. Bush, que já abusou do álcool.
Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idSubArea=68&idArea=1&idArtigo=165
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