http://dn.sapo.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1319088
por LUÍS MANETA, Évora. Hoje
Só nos últimos dois meses, a GNR deteve 20 suspeitos de fazer plantações caseiras de 'cannabis.' Os números reflectem um fenómeno que é crescente e alastra em todo o País.
A GNR deteve em Junho e Julho mais de 20 pessoas suspeitas de cultivarem plantas de cannabis. A quantidade de plantas, folhas e sementes apreendidas daria para "muitos milhares de doses", avançou fonte da instituição, esclarecendo que se trata de um fenómeno "generalizado" a todo o País, que preocupa as autoridades.
Em declarações ao DN, o director da investigação criminal da GNR, tenente-coronel Albano Pereira, confirma que o número de autos por suspeita de plantação ilegal de cannabis "aumentou 39%" no primeiro semestre deste ano, comparativamente com idêntico período de 2008.
Entre Janeiro e Junho deste ano foram levantados 32 autos e detidas nove pessoas. Em Julho, o número de detenções já "disparou" para cerca de 13, na sua maioria homens com mais de 30 anos.
Uma das maiores operações decorreu na zona de Santo Tirso, tendo sido identificadas quatro pessoas (três homens e uma mulher) e apreendidas 70 plantas de cannabis. Dias antes, próximo de Vilar Formoso, era detido um indivíduo com 48 plantas e 174 sementes. Embora reconhecendo a existência de "dados que apontam para o cultivo de cannabis como forma de obter algum grau de produção elevada e com mecanismos para escoar a droga", fonte policial garante que essa realidade "não corresponde" à maioria dos casos: "O que normalmente se encontra são pessoas que cultivam para consumir."
Foi através de uma denúncia que os militares da Guarda chegaram a um armazém, nos arredores de Viana do Alentejo, transformado numa estufa com condições ideais para o cultivo de cannabis. "Para além das plantas propriamente ditas e em várias fases de crescimento, encontrámos 88 gramas de plantas secas e fertilizante específico", referiu ao DN um dos agentes envolvidos na operação, revelando terem sido descobertos indícios que apontam para a aquisição de sementes através da Internet (uma pesquisa no Google por cannabis shop devolve mais de 4,3 milhões de resultados).
"Não é fácil encontrar na rua quem dispense sementes mas através de alguns sites especializados sempre se conseguem arranjar algumas para iniciar", diz M., 27 anos, que confessa ter feito "pequenos cultivos" para consumo próprio na varanda do apartamento onde residia durante o período em que estudou na Universidade de Évora.
terça-feira, 28 de julho de 2009
sábado, 25 de julho de 2009
Maconha, a nova fonte de renda dos EUA
http://oglobo.globo.com/blogs/sobredrogas/posts/2009/07/25/maconha-nova-fonte-de-renda-dos-eua-208346.asp
O Globo, Enviado por Sobredrogas - 25.7.2009 | 19h00m
Reportagem publicada na edição deste domingo do Globo pela correspondente Marília Martins mostra que a maconha virou fonte renda municipal nos Estados Unidos. Confira abaixo a matéria e deixe o seu comentário!
Os eleitores de Oakland, cidadezinha perto de São Francisco, encontraram uma solução para melhorar as receitas da prefeitura: taxar o comércio da maconha. Isto mesmo! Desde que se tornou o primeiro estado a legalizar a maconha para fins medicinais em 1996, a Califórnia viu crescer uma indústria que hoje tem seu valor — nos negócios legalizados e nos ilegais — estimado em US$ 17 bilhões por ano. Por isto, os eleitores de Oakland decidiram que já é hora de a maconha legal passar a contribuir para melhorar as finanças municipais, deterioradas com a crise.
— Esta foi uma decisão histórica, que vai ajudar a cidade a se recuperar em tempos difíceis — diz Steve DeAngelo, líder dos produtores de cannabis em Oakland e promotor de uma campanha para convencer agricultores a colaborarem com as finanças municipais.
A cidade teve queda de arrecadação da ordem de US$ 83 milhões por causa da recessão americana e espera levantar pelo menos US$ 300 mil nos negócios de maconha legal do município. Para incrementar o comércio, a Apple acabar de lançar um aplicativo para iPhone, chamado Cannabis, que localiza em segundos pontos de venda e profissionais que ajudam consumidores a obter maconha legal. A base de dados é fornecida pela ONG Ajnag, que defende a legalização da erva.
Opositores da medida, reunidos na ONG Coalition for a Drug Free California, protestaram contra a decisão dos eleitores:
— É incrível que num momento de recessão econômica o município se volte para recolher impostos de uma droga que o país ainda considera illegal. A comunidade não deveria aceitar tornar-se dependente de uma produção agrícola tão discutível — avalia Paul Chabot, líder da ONG.
Para comprar maconha legalmente na Califórnia é preciso ter receita médica e adquirir o produto num dos postos de distribuição autorizados. Aceita-se pagamento com cartão de crédito, e cerca de 3,5 gramas da erva saem por US$ 102, incluindo entrega a domicílio. A maconha é receitada pelos médicos californianos em várias circunstâncias, como, por exemplo, no caso de pacientes com elevado índice de insônia ou para tratar determinados casos de alergia, em que o chá feito com a erva é indicado. O cultivo pelos produtores é fiscalizado pelas diversas prefeituras, e exige-se que a produção seja orgânica, o que eleva a qualidade da erva.
— Para aqueles que têm receita médica, o produto que recebem é de boa qualidade. As lojas são fiscalizadas e as quantidades vendidas da erva também. Ainda existe maconha vendida no mercado clandestino, mas a legalização do produto para uso médico fez com que a diferença de qualidade fosse sensível entre aquilo que é comercializado legalmente e o que se compra de forma ilegal — avalia o promotor Meredith Lintott, do condado de Mendocino, uma das regiões produtoras de maconha legal na Califórnia.
A Apple já vendeu mais de mil aplicativos Cannabis para iPhone e já existem mais de 30 serviços de twitter para informar consumidores sobre as notícias mais recentes da droga. A Califórnia é o estado pioneiro na taxação da maconha legal, mas desde que aprovou o comercio da maconha para uso medicinal, há 13 anos, outros 12 estados americanos já adotaram legislação semelhante.
De início, muitos pacientes foram autorizados a ter uma pequena plantação em vasos domésticos, para consumo individual, mas com o tempo a industrialização foi se impondo. Numa pesquisa feita com 2.500 pacientes de tratamentos à base de maconha na região de Berkeley, em São Francisco, o advogado Tod Mikuriya constatou que mais de dois terços dos pacientes apresentavam melhoria de seu quadro clínico, ligado a doenças de pele relacionadas a condições nervosas alteradas. Há também os chamados clubes fechados, os pot-clubs, que são resenhados por especialistas para atestar a qualidade dos serviços. Um deles, WeedesMaps.com, faturou cerca de US$ 250 mil em um ano de funcionamento.
Vereadores de São Francisco querem agora seguir o exemplo de Oakland. O democrata Tom Ammino, por exemplo, acha que se a mesma lei for aprovada em sua cidade, a prefeitura poderá arrecadar cerca de US$ 349 milhões por ano.
— Esta é uma indústria que está crescendo e chegou a hora de ver os produtores contribuírem para as finanças da prefeitura, especialmente num momento de crise. E o dinheiro poderá inclusive ser usado para ajudar a polícia a combater o tráfico ilegal da erva — avalia Ammino.
O Globo, Enviado por Sobredrogas - 25.7.2009 | 19h00m
Reportagem publicada na edição deste domingo do Globo pela correspondente Marília Martins mostra que a maconha virou fonte renda municipal nos Estados Unidos. Confira abaixo a matéria e deixe o seu comentário!
— Esta foi uma decisão histórica, que vai ajudar a cidade a se recuperar em tempos difíceis — diz Steve DeAngelo, líder dos produtores de cannabis em Oakland e promotor de uma campanha para convencer agricultores a colaborarem com as finanças municipais.
A cidade teve queda de arrecadação da ordem de US$ 83 milhões por causa da recessão americana e espera levantar pelo menos US$ 300 mil nos negócios de maconha legal do município. Para incrementar o comércio, a Apple acabar de lançar um aplicativo para iPhone, chamado Cannabis, que localiza em segundos pontos de venda e profissionais que ajudam consumidores a obter maconha legal. A base de dados é fornecida pela ONG Ajnag, que defende a legalização da erva.
Opositores da medida, reunidos na ONG Coalition for a Drug Free California, protestaram contra a decisão dos eleitores:
— É incrível que num momento de recessão econômica o município se volte para recolher impostos de uma droga que o país ainda considera illegal. A comunidade não deveria aceitar tornar-se dependente de uma produção agrícola tão discutível — avalia Paul Chabot, líder da ONG.
Para comprar maconha legalmente na Califórnia é preciso ter receita médica e adquirir o produto num dos postos de distribuição autorizados. Aceita-se pagamento com cartão de crédito, e cerca de 3,5 gramas da erva saem por US$ 102, incluindo entrega a domicílio. A maconha é receitada pelos médicos californianos em várias circunstâncias, como, por exemplo, no caso de pacientes com elevado índice de insônia ou para tratar determinados casos de alergia, em que o chá feito com a erva é indicado. O cultivo pelos produtores é fiscalizado pelas diversas prefeituras, e exige-se que a produção seja orgânica, o que eleva a qualidade da erva.
— Para aqueles que têm receita médica, o produto que recebem é de boa qualidade. As lojas são fiscalizadas e as quantidades vendidas da erva também. Ainda existe maconha vendida no mercado clandestino, mas a legalização do produto para uso médico fez com que a diferença de qualidade fosse sensível entre aquilo que é comercializado legalmente e o que se compra de forma ilegal — avalia o promotor Meredith Lintott, do condado de Mendocino, uma das regiões produtoras de maconha legal na Califórnia.
A Apple já vendeu mais de mil aplicativos Cannabis para iPhone e já existem mais de 30 serviços de twitter para informar consumidores sobre as notícias mais recentes da droga. A Califórnia é o estado pioneiro na taxação da maconha legal, mas desde que aprovou o comercio da maconha para uso medicinal, há 13 anos, outros 12 estados americanos já adotaram legislação semelhante.
De início, muitos pacientes foram autorizados a ter uma pequena plantação em vasos domésticos, para consumo individual, mas com o tempo a industrialização foi se impondo. Numa pesquisa feita com 2.500 pacientes de tratamentos à base de maconha na região de Berkeley, em São Francisco, o advogado Tod Mikuriya constatou que mais de dois terços dos pacientes apresentavam melhoria de seu quadro clínico, ligado a doenças de pele relacionadas a condições nervosas alteradas. Há também os chamados clubes fechados, os pot-clubs, que são resenhados por especialistas para atestar a qualidade dos serviços. Um deles, WeedesMaps.com, faturou cerca de US$ 250 mil em um ano de funcionamento.
Vereadores de São Francisco querem agora seguir o exemplo de Oakland. O democrata Tom Ammino, por exemplo, acha que se a mesma lei for aprovada em sua cidade, a prefeitura poderá arrecadar cerca de US$ 349 milhões por ano.
— Esta é uma indústria que está crescendo e chegou a hora de ver os produtores contribuírem para as finanças da prefeitura, especialmente num momento de crise. E o dinheiro poderá inclusive ser usado para ajudar a polícia a combater o tráfico ilegal da erva — avalia Ammino.
sábado, 27 de junho de 2009
Drogas: meu bem, meu mal
http://historia.abril.com.br/comportamento/drogas-meu-bem-meu-mal-480695.shtml
Aventuras na História, Editora Abril.
A maconha, a cocaína e o LSD estão hoje no centro do crime organizado. Mas já foram recomendados por médicos e considerados sinônimo de elegância
por Heitor Pitombo
Há 21 anos, o pesqueiro panamenho Solana Star, perseguido pela Polícia Federal, despejou 22 toneladas de maconha no litoral brasileiro. Durante meses, as praias do Sul e Sudeste foram invadidas por gente que pescava enlouquecidamente um exemplar que fosse da droga, acondicionada em latas de alumínio. Assim como no período conhecido como "verão da lata", os primeiros carregamentos de Cannabis chegaram ao Brasil por mar. Embarcadas em caravelas portuguesas, em 1549, as mudas foram trazidas por escravos e marinheiros apresentados a elas na Índia. Agora, um século após o primeiro acordo internacional contra drogas, um encontro da ONU, em Viena, vai rever a lista de substâncias proibidas em todo o mundo.
A maconha faz parte. Mas nem sempre foi assim. No Brasil do século 16, fumava-se o bangue. Esse cânhamo, subproduto da planta, servia para fazer tecidos de velas, um mercado aquecido na era das navegações e que despertou o interesse da coroa portuguesa pela Cannabis. E os colonos trataram de espalhar sementes da erva por todo o território. Em 1785, o vice-rei Luiz de Vasconcellos e Souza enviou a São Paulo um ofício (com 16 sacas de sementes e um manual de cultivo), pedindo encarecidamente aos agricultores que plantassem maconha. No século 19, ela vira remédio, como se vê na propaganda mais antiga de maconha, feita pela Grimault e Cia., de Paris, em 1885 (ao lado). Encontrada pelo pesquisador Guido Fonseca, apregoava efeitos terapêuticos dos cigarros índios, à base de Cannabis indica, uma variedade da erva.
Cachimbo de pobre
O uso entre ex-escravos estigmatizou o hábito entre os brancos
Com a abolição da escravidão, em 1888, os negros ganharam autonomia, mas continuaram a sofrer com desqualificação social. A capoeira foi proibida no ano seguinte à Lei Áurea, e, em 1890, o governo da República criou a Seção de Entorpecentes Tóxicos e Mistificação, para impedir o denominado "baixo espiritismo". Ou seja, o uso da maconha em rituais de origem africana, como o candomblé. À medida que se enraizava nas tradições populares, entre ex-escravos, índios e repentistas do Nordeste, aumentava a repressão ao consumo. A primeira lei restritiva é de 1830, quando a "venda e o uso do pito de pango" (cachimbo de barro para maconha) foram proibidos no Rio de Janeiro - três dias de cadeia para o negro que pitasse. Textos de cunho racista, de 1916, passaram a defender a tese de que a Cannabis levava negros e nordestinos ao crime. Um dos propagadores dessa teoria foi o médico Rodrigues Dória: "Um indivíduo já propenso ao crime, pelo efeito exercido pela droga, privado de inibições e de controle normal, com o juízo deformado, leva à prática seus projetos criminosos". Vários médicos com ideias de pureza racial temiam que o uso da maconha contaminasse os cidadãos brancos. Assim, a partir de 1917, a receita médica passou a ser obrigatória para comprar a Cannabis. E, em 1932, ela entrou na lista de substâncias proscritas. O Estado Novo de Getúlio Vargas institucionalizou a repressão e estabeleceu pena de prisão para os usuários. O governo também negociou com os fiéis do candomblé a retirada da maconha dos cultos, em troca da legalização da religião.
Pó de rico
Ele veio com a modernização, na busca louca pela euforia
Bem menos popular, a cocaína também passou de remédio à posição de droga criminalizada e antissocial, embora se saiba que o pó circula hoje ferozmente pela classe média brasileira. Ela surgiu como analgésico e começou a ser consumida no Brasil em meados dos anos de 1910. Laboratórios como o Grimault indicavam o vinho de coca para "pessoas fracas" e "jovens pálidas e delicadas". Há registros de consumo da folha de coca de mais de 1200 anos na América do Sul. E seu chá era vendido no século 19 na Europa e na América do Norte. Mas seu princípio ativo, a cocaína, só foi isolado em 1860, pelo químico alemão Albert Niemann. E, em pouco tempo, revelou efeitos colaterais, como arritmias cardíacas, problemas respiratórios e neurológicos. Por isso, lei de 1882 exigiu, no Brasil, receita médica na compra de pó. Mas o século 20 disseminou o consumo, recomendado até pelo pai da psicanálise, Sigmund Freud. Em 1914, o jornal O Estado de S. Paulo advertia: "Há hoje em nossa cidade muitos filhos de família, cujo grande prazer é tomar cocaína e deixar-se arrastar até aos declives mais perigosos deste vício. Quando atentam... é tarde demais para um recuo". Três anos depois, o Código Sanitário determinou o fechamento das farmácias (que eram, com os bordéis, os maiores distribuidores da droga) que vendessem cocaína sem receita. Para a pesquisadora Beatriz Rezende, organizadora do livro Cocaína: Literatura e Outros Companheiros de Ilusão, o Brasil respirava os ares da Primeira República, e "o entusiasmo pela modernização vai fazer com que a ideia de decadência de costumes frequentemente ligada ao ópio e ao haxixe seja substituída pela ambição da euforia encontrada no éter e na cocaína". Era usada por poetas e outras artistas. Na crônica A Favela (1922), Orestes Barbosa escreveu que, nos morros cariocas, traficantes vendiam a droga "malhada" (misturada a outras substâncias). E no samba A Cocaína (1923), de Sinhô, surgem sinais de alerta: "Mais que a flor purpurina é o vício arrogante de tomar cocaína. Quando estou cabisbaixa chorando sentida, bem entristecida, é que o vício da vida deixa a alma perdida. Sou capaz de roubar, mesmo estrangular, para o vício afogar." Até que, em 1938, decreto-lei proibiu nacionalmente a cocaína, mesmo para fins médicos.
O dia da bicicleta
Os anos 60 e 70 viveram o desbunde psicodélico e o fortalecimento do tráfico
Nos anos 60, o movimento hippie e a contracultura deram às drogas status de experiência libertária. Acaba o estigma da maconha como "droga de pobre" e o LSD (dietilamina do ácido lisérgico) entra na moda. Ele foi sintetizado a partir de um fungo do centeio em 1938, pelo suíço Albert Hofmann, nos laboratórios Sandoz. Mas só em 1943 o cientista descobriu seus efeitos psicoativos, ao absorver na pele uma pequena quantidade da substância. Foi no dia 19 de abril, conhecido como o "dia da bicicleta", quando ele experimentou delírios caleidoscópicos ao pedalar até em casa. O LSD teria surgido das pesquisas da CIA para criar armas de controle mental e foi aplicado na psiquiatria. Mas ganhou fama entre os anos 60 e 70. O cantor Tim Maia, após viagem a Londres, nos anos 70, foi visitar a Philips (sua gravadora na época) para oferecer ácido a todos: "Isto aqui é um LSD, que vai abrir sua cabeça, melhorar a sua vida, fazer de você uma pessoa feliz", conta o jornalista Nelson Motta, no livro Vale Tudo - O Som e a Fúria de Tim Maia. Também nessa época, o tráfico começou a se profissionalizar. No presídio da ilha Grande (RJ), militantes políticos e presos comuns trocaram experiências sobre táticas de luta, o que teria contribuído para a criação das atuais facções do narcotráfico. Desde então, o Brasil viu o avanço do ecstasy, a droga das raves da classe média, e do crack, a pedra dos meninos de rua de São Paulo. Mas a verdade é que, por razões existenciais, religiosas, de mercado ou de poder, a humanidade nunca deixou de conviver com as drogas.
Combate internacional
As medidas de controle começaram com o ópio, na China
O primeiro acordo internacional sobre drogas é de 1909, após a Comissão do Ópio de Xangai, e proibiu o ópio, pivô da primeira e da segunda Guerra do Ópio (1839-1842 e 1850-1860), entre britânicos e chineses. Os ingleses haviam introduzido a droga ilegalmente na China para pressionar pela compra de produtos ocidentais. Mas a Convenção de Drogas e Narcóticos das Nações Unidas, de 1961, assinada hoje por todos os países da ONU, foi o primeiro consenso mundial de que substâncias psicoativas deveriam ser coibidas, por causar dependência e danos à saúde. Este mês, 100 anos depois do acordo do ópio, acontece a Reunião Especial sobre Drogas da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Viena.
Saiba mais
LIVROS
Pequena Enciclopédia da História das Drogas e Bebidas: Histórias e Curiosidades sobre as Mais Variadas Drogas e Bebidas, Henrique Carneiro, Campus/Elsevier, 2005
Cerca de 140 verbetes sobre diferentes substâncias psicoativas, enfocando seu significado cultural e simbólico ao longo da História.
Cocaína: Literatura e Outros Companheiros de Ilusão, Beatriz Rezende (org.), Casa da Palavra, 2006
Textos literários que mostram a evolução do pó da inspiração boêmia às páginas policiais.
SITE
www.neip.info/
Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos, reúne pesquisadores de vários centros universitários, teses e bibliografia sobre o tema.
Aventuras na História, Editora Abril.
A maconha, a cocaína e o LSD estão hoje no centro do crime organizado. Mas já foram recomendados por médicos e considerados sinônimo de elegância
por Heitor Pitombo
Há 21 anos, o pesqueiro panamenho Solana Star, perseguido pela Polícia Federal, despejou 22 toneladas de maconha no litoral brasileiro. Durante meses, as praias do Sul e Sudeste foram invadidas por gente que pescava enlouquecidamente um exemplar que fosse da droga, acondicionada em latas de alumínio. Assim como no período conhecido como "verão da lata", os primeiros carregamentos de Cannabis chegaram ao Brasil por mar. Embarcadas em caravelas portuguesas, em 1549, as mudas foram trazidas por escravos e marinheiros apresentados a elas na Índia. Agora, um século após o primeiro acordo internacional contra drogas, um encontro da ONU, em Viena, vai rever a lista de substâncias proibidas em todo o mundo.
A maconha faz parte. Mas nem sempre foi assim. No Brasil do século 16, fumava-se o bangue. Esse cânhamo, subproduto da planta, servia para fazer tecidos de velas, um mercado aquecido na era das navegações e que despertou o interesse da coroa portuguesa pela Cannabis. E os colonos trataram de espalhar sementes da erva por todo o território. Em 1785, o vice-rei Luiz de Vasconcellos e Souza enviou a São Paulo um ofício (com 16 sacas de sementes e um manual de cultivo), pedindo encarecidamente aos agricultores que plantassem maconha. No século 19, ela vira remédio, como se vê na propaganda mais antiga de maconha, feita pela Grimault e Cia., de Paris, em 1885 (ao lado). Encontrada pelo pesquisador Guido Fonseca, apregoava efeitos terapêuticos dos cigarros índios, à base de Cannabis indica, uma variedade da erva.
Cachimbo de pobre
O uso entre ex-escravos estigmatizou o hábito entre os brancos
Com a abolição da escravidão, em 1888, os negros ganharam autonomia, mas continuaram a sofrer com desqualificação social. A capoeira foi proibida no ano seguinte à Lei Áurea, e, em 1890, o governo da República criou a Seção de Entorpecentes Tóxicos e Mistificação, para impedir o denominado "baixo espiritismo". Ou seja, o uso da maconha em rituais de origem africana, como o candomblé. À medida que se enraizava nas tradições populares, entre ex-escravos, índios e repentistas do Nordeste, aumentava a repressão ao consumo. A primeira lei restritiva é de 1830, quando a "venda e o uso do pito de pango" (cachimbo de barro para maconha) foram proibidos no Rio de Janeiro - três dias de cadeia para o negro que pitasse. Textos de cunho racista, de 1916, passaram a defender a tese de que a Cannabis levava negros e nordestinos ao crime. Um dos propagadores dessa teoria foi o médico Rodrigues Dória: "Um indivíduo já propenso ao crime, pelo efeito exercido pela droga, privado de inibições e de controle normal, com o juízo deformado, leva à prática seus projetos criminosos". Vários médicos com ideias de pureza racial temiam que o uso da maconha contaminasse os cidadãos brancos. Assim, a partir de 1917, a receita médica passou a ser obrigatória para comprar a Cannabis. E, em 1932, ela entrou na lista de substâncias proscritas. O Estado Novo de Getúlio Vargas institucionalizou a repressão e estabeleceu pena de prisão para os usuários. O governo também negociou com os fiéis do candomblé a retirada da maconha dos cultos, em troca da legalização da religião.
Pó de rico
Ele veio com a modernização, na busca louca pela euforia
Bem menos popular, a cocaína também passou de remédio à posição de droga criminalizada e antissocial, embora se saiba que o pó circula hoje ferozmente pela classe média brasileira. Ela surgiu como analgésico e começou a ser consumida no Brasil em meados dos anos de 1910. Laboratórios como o Grimault indicavam o vinho de coca para "pessoas fracas" e "jovens pálidas e delicadas". Há registros de consumo da folha de coca de mais de 1200 anos na América do Sul. E seu chá era vendido no século 19 na Europa e na América do Norte. Mas seu princípio ativo, a cocaína, só foi isolado em 1860, pelo químico alemão Albert Niemann. E, em pouco tempo, revelou efeitos colaterais, como arritmias cardíacas, problemas respiratórios e neurológicos. Por isso, lei de 1882 exigiu, no Brasil, receita médica na compra de pó. Mas o século 20 disseminou o consumo, recomendado até pelo pai da psicanálise, Sigmund Freud. Em 1914, o jornal O Estado de S. Paulo advertia: "Há hoje em nossa cidade muitos filhos de família, cujo grande prazer é tomar cocaína e deixar-se arrastar até aos declives mais perigosos deste vício. Quando atentam... é tarde demais para um recuo". Três anos depois, o Código Sanitário determinou o fechamento das farmácias (que eram, com os bordéis, os maiores distribuidores da droga) que vendessem cocaína sem receita. Para a pesquisadora Beatriz Rezende, organizadora do livro Cocaína: Literatura e Outros Companheiros de Ilusão, o Brasil respirava os ares da Primeira República, e "o entusiasmo pela modernização vai fazer com que a ideia de decadência de costumes frequentemente ligada ao ópio e ao haxixe seja substituída pela ambição da euforia encontrada no éter e na cocaína". Era usada por poetas e outras artistas. Na crônica A Favela (1922), Orestes Barbosa escreveu que, nos morros cariocas, traficantes vendiam a droga "malhada" (misturada a outras substâncias). E no samba A Cocaína (1923), de Sinhô, surgem sinais de alerta: "Mais que a flor purpurina é o vício arrogante de tomar cocaína. Quando estou cabisbaixa chorando sentida, bem entristecida, é que o vício da vida deixa a alma perdida. Sou capaz de roubar, mesmo estrangular, para o vício afogar." Até que, em 1938, decreto-lei proibiu nacionalmente a cocaína, mesmo para fins médicos.
O dia da bicicleta
Os anos 60 e 70 viveram o desbunde psicodélico e o fortalecimento do tráfico
Nos anos 60, o movimento hippie e a contracultura deram às drogas status de experiência libertária. Acaba o estigma da maconha como "droga de pobre" e o LSD (dietilamina do ácido lisérgico) entra na moda. Ele foi sintetizado a partir de um fungo do centeio em 1938, pelo suíço Albert Hofmann, nos laboratórios Sandoz. Mas só em 1943 o cientista descobriu seus efeitos psicoativos, ao absorver na pele uma pequena quantidade da substância. Foi no dia 19 de abril, conhecido como o "dia da bicicleta", quando ele experimentou delírios caleidoscópicos ao pedalar até em casa. O LSD teria surgido das pesquisas da CIA para criar armas de controle mental e foi aplicado na psiquiatria. Mas ganhou fama entre os anos 60 e 70. O cantor Tim Maia, após viagem a Londres, nos anos 70, foi visitar a Philips (sua gravadora na época) para oferecer ácido a todos: "Isto aqui é um LSD, que vai abrir sua cabeça, melhorar a sua vida, fazer de você uma pessoa feliz", conta o jornalista Nelson Motta, no livro Vale Tudo - O Som e a Fúria de Tim Maia. Também nessa época, o tráfico começou a se profissionalizar. No presídio da ilha Grande (RJ), militantes políticos e presos comuns trocaram experiências sobre táticas de luta, o que teria contribuído para a criação das atuais facções do narcotráfico. Desde então, o Brasil viu o avanço do ecstasy, a droga das raves da classe média, e do crack, a pedra dos meninos de rua de São Paulo. Mas a verdade é que, por razões existenciais, religiosas, de mercado ou de poder, a humanidade nunca deixou de conviver com as drogas.
Combate internacional
As medidas de controle começaram com o ópio, na China
O primeiro acordo internacional sobre drogas é de 1909, após a Comissão do Ópio de Xangai, e proibiu o ópio, pivô da primeira e da segunda Guerra do Ópio (1839-1842 e 1850-1860), entre britânicos e chineses. Os ingleses haviam introduzido a droga ilegalmente na China para pressionar pela compra de produtos ocidentais. Mas a Convenção de Drogas e Narcóticos das Nações Unidas, de 1961, assinada hoje por todos os países da ONU, foi o primeiro consenso mundial de que substâncias psicoativas deveriam ser coibidas, por causar dependência e danos à saúde. Este mês, 100 anos depois do acordo do ópio, acontece a Reunião Especial sobre Drogas da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Viena.
Saiba mais
LIVROS
Pequena Enciclopédia da História das Drogas e Bebidas: Histórias e Curiosidades sobre as Mais Variadas Drogas e Bebidas, Henrique Carneiro, Campus/Elsevier, 2005
Cerca de 140 verbetes sobre diferentes substâncias psicoativas, enfocando seu significado cultural e simbólico ao longo da História.
Cocaína: Literatura e Outros Companheiros de Ilusão, Beatriz Rezende (org.), Casa da Palavra, 2006
Textos literários que mostram a evolução do pó da inspiração boêmia às páginas policiais.
SITE
www.neip.info/
Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos, reúne pesquisadores de vários centros universitários, teses e bibliografia sobre o tema.
Assinar:
Postagens (Atom)