6 de fevereiro de 2001, Jornal do Brasil
Walter Maierovitch
Juiz, presidente do Instituto Giovanni Falcone e ex-secretário nacional antidrogas.
A União Européia está oferecendo recursos financeiros para incentivar o cultivo da Cannabis, ou seja, a popular maconha.
Os países membros da UE realizam, assim, uma revisão histórica. Revogam as proibições legais de cultivo da planta, impostas a partir de 1930. Abandonam o modelo legislativo estadunidense. Modelo que não distinguiu o uso lúdico - causador de dependência psicológica e dano social - do cultivo da Cannabis sativa, voltado a finalidades outras, como a terapêutica, a industrial e a comercial.
A adoção de amplo proibicionismo levou à eliminação da então farta Cannabis dos campos europeus. E a adoção de tal linha política privilegiou os magnatas do petróleo, pois havia um interesse comercial internacional subjacente na dilatada proibição.
Quando Fernando Pessoa frisou que "navegar é preciso", retratou um tempo em que as velas das naus eram feitas com as fibras da Cannabis. O mesmo material confeccionou as cordas, redes e bandeiras das caravelas do século XV. As folhas e os sarmentos foram posteriormente empregados na produção de papel, tendo sido extraídos das sementes os óleos alimentar e combustível.
Segundo pesquisa conhecida, o velho Henry Ford teria estudado, por quase 12 anos, as propriedades da Cannabis, para emprego industrial. Construiu protótipo de carroceria vegetal incluindo fibras de Cannabis. Era essa carroceria um terço menos pesada do que as feitas de aço, além de 10 vezes mais resistente ao impacto. Não concluiu os estudos sobre a elaboração de combustível derivado da Cannabis. O motivo foi que entrou em vigor, nos EUA, uma lei até então desconhecida no mundo: a de repressão ao cultivo e ao uso da Cannabis.
Com o cultivo proibido, vingou o nylon, derivado do petróleo. E o asiático bicho-da-seda não suportou a concorrência. Em síntese, vitória de grupos do tipo Du Pont e a consagração de Henry Aslinger, mentor da legislação e vários anos chefe do Federal Bureau of Narcotics and Dangerous Drugs. Aliás, foi colocado no posto por indicação do banqueiro Mellon, que fez fortuna com os negócios do petróleo.
Portanto, a reviravolta promovida pela UE resgata a utilização da Cannabis. Para evitar problemas, estabeleceu-se uma condição para o apoio financeiro: fibras com menos de 0,2% de princípio ativo.
Na cidade italiana de Foggia, com financiamento da UE, explora-se o cultivo da Cannabis. Foram gerados 300 novos postos de trabalho. A produção alcançou a marca de 22 mil toneladas-ano de papel. Empolgou, ainda, o fato de a Cannabis renovar o solo, não promovendo, como sucede com a cana-de-açúcar no Brasil, sua exaustão.
Por outro lado, a indústria farmacêutica renovou seu interesse no uso medicinal da planta, como antes ocorreu com a papoula, geradora da semi-sintética morfina. A maconha vem sendo utilizada, sob controle médico e por exemplo, para aumentar o apetite de aidéticos, melhorando sua resistência física. Também para reduzir, nos casos de câncer, náuseas provocadas pela quimioterapia.
Os ambientalistas, com a alternativa canábica, pretendem evitar os poluentes derivados do petróleo; substituir o quase indestrutível plástico e preservar as madeiras.
Convém sempre observar, ainda, estar a UE incentivando o cultivo condicionado. Não há dúvida de que a maconha é uma droga e o uso faz mal, como tantas outras coisas. O seu uso intenso afeta a capacidade de memorizar e apreender, sendo prudente evitar a disseminação nas escolas. Pode reduzir o desejo sexual e provocar síndrome amotivacional, ou seja, a falta de ânimo para tudo, incluído o trabalho.
Evidentemente, a droga causa prazer. Relaxa, daí sua tolerância pelos diretores de alguns presídios. Potencializa sabores e sons. Amplia as sensações. Não causa dependência física, mas a psicológica pode ocorrer, levando ao aumento do consumo.
No chamado polígono brasileiro da maconha, o governo Fernando Henrique optou, em face da legislação e da destinação da droga ao tráfico, pela introdução de cultivos substitutivos, com financiamentos abertos pelo Banco do Nordeste. Ao que parece, a vigilância policial, o controle por fotografias aéreas e as imagens de satélite não impediram a migração para o Maranhão.
Talvez tenha chegado o momento para novas medidas, apesar de o generoso relatório da ONU, com dados passados pelas autoridades brasileiras, ter apontado para 8 milhões de consumidores de maconha no Brasil. 49% não acreditam nele, conforme consulta feita pelo JB On-Line.
Novas posturas políticas foram recomendadas no relatório de despedida de Clinton e MacCaffrey, depois de tantas trapalhadas, tantos desrespeitos e erros. Pareceu provocação ao conservador W. Bush, que já abusou do álcool.
Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idSubArea=68&idArea=1&idArtigo=165
sábado, 6 de janeiro de 2001
segunda-feira, 4 de dezembro de 2000
Que droga!
4 de dezembro de 2000, Jornal do Brasil
Roma - Num ato sem precedentes, um membro do governo italiano, e logo o ministro da saúde, professor Umberto Veronesi, considerado um técnico apartidário, oncologista de renome internacional, defendeu publicamente a liberalização das chamadas drogas leves. Sem receio de contrariar o papa, a maioria do clero italiano, os partidos conservadores, a agressiva direita herdeira do fascismo e os interesses das máfias que há muitos anos enriquecem com a comercialização de todo tipo de narcótico, Veronesi abriu a Terceira Conferência Nacional sobre a Tóxico-Dependência, em Gênova, definindo sem hipocrisias uma posição pessoal que não coincide com a de muitos outros membros do governo.
No discurso inaugural da Conferência, presenciada por mais de mil estudiosos, médicos e governantes regionais, o ministro procurou derrubar alguns mitos ligados às drogas: "O proibicionismo, como historicamente está demonstrado, não compensa e não resolve. Não evita os danos que justificam sua prática e cria outros muito piores: a criminalidade, o mercado negro, a prostituição. As estatísticas epidemiológicas afirmam que a mortalidade por drogas leves é equivalente a zero, que elas não criam dependência e que não são a tão temida ponte de passagem às drogas pesadas, particularmente à heroína", afirmou. "Dos 55% de consumidores de drogas leves no mundo, só 0,8% passaram dos derivados de Cannabis à heroína".
A argumentação técnica usada por Veronesi, um senhor de 75 anos que criou em Milão, sua cidade natal, um dos mais importantes centros de estudos e terapia do câncer, se tornou mais persuasiva quando estabeleceu uma comparação entre os números dos italianos mortos anualmente pelo consumo de tabaco (80 mil) e de heroína (mil).
"Entre as drogas leves, o ecstasy é o que provoca poucas unidades de mortes por ano. E é evidente que se precisasse escolher entre a heroína e o ecstasy, escolheria este último", disse o ministro, que nos últimos dias estimulou uma polêmica que está dividindo os italianos, ao mesmo tempo em que deu novo alento aos antigos e combativos movimentos (laicos e religiosos) antiproibicionistas, que há mais de 20 anos vem pedindo a liberalização das drogas leves.
Com a mesma desenvoltura, o ministro Veronesi, visto como o mais incômodo personagem do gabinete chefiado por seu velho amigo Giuliano Amato e o homem de governo mais criticado pelo Vaticano, ousou ainda mais: definiu como corajosas e sugeriu que a Itália adote as experiências de vários países da Europa sobre a distribuição controlada da heroína aos dependentes refratários ao metadone (composto químico, com propriedades analgésicas e narcóticas, usado como substituto da morfina, no tratamento de desintoxicação da heroína).
Em defesa da inocuidade das drogas leves - haxixe e maconha -, Veronesi não esqueceu de mencionar os bons resultados que vem se obtendo com o uso terapêutico da Cannabis em doentes de diversos tipos de tumores.
Assustado pela enorme repercussão do discurso de Veronesi, o primeiro-ministro Amato apressou-se em esclarecer que seu amigo exprimira uma opinião pessoal, de técnico e homem de ciência, mas não falou em nome de um governo formado por uma coalizão heterogênea, com três partidos de moderados e fiéis católicos. E que não pretende tomar qualquer iniciativa para liberalizar a venda e o consumo das drogas leves.
Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idSubArea=68&idArea=1&idArtigo=163
Roma - Num ato sem precedentes, um membro do governo italiano, e logo o ministro da saúde, professor Umberto Veronesi, considerado um técnico apartidário, oncologista de renome internacional, defendeu publicamente a liberalização das chamadas drogas leves. Sem receio de contrariar o papa, a maioria do clero italiano, os partidos conservadores, a agressiva direita herdeira do fascismo e os interesses das máfias que há muitos anos enriquecem com a comercialização de todo tipo de narcótico, Veronesi abriu a Terceira Conferência Nacional sobre a Tóxico-Dependência, em Gênova, definindo sem hipocrisias uma posição pessoal que não coincide com a de muitos outros membros do governo.
No discurso inaugural da Conferência, presenciada por mais de mil estudiosos, médicos e governantes regionais, o ministro procurou derrubar alguns mitos ligados às drogas: "O proibicionismo, como historicamente está demonstrado, não compensa e não resolve. Não evita os danos que justificam sua prática e cria outros muito piores: a criminalidade, o mercado negro, a prostituição. As estatísticas epidemiológicas afirmam que a mortalidade por drogas leves é equivalente a zero, que elas não criam dependência e que não são a tão temida ponte de passagem às drogas pesadas, particularmente à heroína", afirmou. "Dos 55% de consumidores de drogas leves no mundo, só 0,8% passaram dos derivados de Cannabis à heroína".
A argumentação técnica usada por Veronesi, um senhor de 75 anos que criou em Milão, sua cidade natal, um dos mais importantes centros de estudos e terapia do câncer, se tornou mais persuasiva quando estabeleceu uma comparação entre os números dos italianos mortos anualmente pelo consumo de tabaco (80 mil) e de heroína (mil).
"Entre as drogas leves, o ecstasy é o que provoca poucas unidades de mortes por ano. E é evidente que se precisasse escolher entre a heroína e o ecstasy, escolheria este último", disse o ministro, que nos últimos dias estimulou uma polêmica que está dividindo os italianos, ao mesmo tempo em que deu novo alento aos antigos e combativos movimentos (laicos e religiosos) antiproibicionistas, que há mais de 20 anos vem pedindo a liberalização das drogas leves.
Com a mesma desenvoltura, o ministro Veronesi, visto como o mais incômodo personagem do gabinete chefiado por seu velho amigo Giuliano Amato e o homem de governo mais criticado pelo Vaticano, ousou ainda mais: definiu como corajosas e sugeriu que a Itália adote as experiências de vários países da Europa sobre a distribuição controlada da heroína aos dependentes refratários ao metadone (composto químico, com propriedades analgésicas e narcóticas, usado como substituto da morfina, no tratamento de desintoxicação da heroína).
Em defesa da inocuidade das drogas leves - haxixe e maconha -, Veronesi não esqueceu de mencionar os bons resultados que vem se obtendo com o uso terapêutico da Cannabis em doentes de diversos tipos de tumores.
Assustado pela enorme repercussão do discurso de Veronesi, o primeiro-ministro Amato apressou-se em esclarecer que seu amigo exprimira uma opinião pessoal, de técnico e homem de ciência, mas não falou em nome de um governo formado por uma coalizão heterogênea, com três partidos de moderados e fiéis católicos. E que não pretende tomar qualquer iniciativa para liberalizar a venda e o consumo das drogas leves.
Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idSubArea=68&idArea=1&idArtigo=163
sábado, 4 de novembro de 2000
A maconha é um livro informativo e contido
4 de novembro de 2000, Folha de S. Paulo
Ricardo Arnt
Editor da revista "Exame".
Nos anos 50, o antropólogo americano Howard Becker investigou a cultura do jazz em Chicago e escreveu "Outsiders", um clássico sobre comportamento desviante. Nele, afirma que a maconha é usada por prazer depois que se aprende a definir seus efeitos como aprazíveis. Ou seja, é a experiência que dá sentido à coisa. Sem valores não há sentido. O significante perde-se do significado. Espiritualidade, introspecção e contemplação podem converter-se em apatia, mediocridade e desmotivação. Se o avesso é legítimo, imagine a trombose do significado quando o desvio vira norma.
A maconha não virou norma, mas está deixando de ser desvio. Vai-se o tempo em que Fat Freddie (o gordinho genial dos Freak Brothers, de Gilbert Shelton) destruía supermercados em ataques insaciáveis de larica. A maior virtude da droga era fazer rir. Mas isso correspondia aos valores de certa subcultura tardo-adolescente, cujo "hedonismo transgressivo" Gilberto Velho estudou na classe média da Zona Sul do Rio, em "Nobres e Anjos". No último concerto de rock a que assisti, acho que em 83, em Nova York, todas as pessoas, cada uma mais "diferente" da outra, eram iguais.
A experiência dos anos 70 não é mais dona da Cannabis do que a de outras gerações. Como diz Fernando Gabeira, "do ponto de vista da maconha, a humanidade deve parecer muito louca". A droga ilícita mais tolerada pelos brasileiros, segundo a "Veja", teve seu consumo quadruplicado nos últimos dez anos, sobretudo entre jovens de 16 a 18 anos. Há 140 milhões de usuários no planeta. A aceitação está levando ao abrandamento da legislação no mundo civilizado. Até Portugal descriminalizou-a. No Brasil, o número de condenações por uso e flagrantes policiais está diminuindo.
Fernando Gabeira vem sendo, há anos, um dínamo dessa mudança. Da experiência de 500 conferências surgiu o livro "A Maconha", cujo objetivo é "apresentar os debates mundiais, conclusivos ou não, sobre a Cannabis, respondendo às perguntas surgidas em universidades e escolas secundárias do Brasil". O autor é consciente da sua responsabilidade e da controvérsia que o tema desperta, já que "os efeitos em quem fuma e em quem não fuma são os mais disparatados". O livro é informativo e contido, sem proselitismo ou panfletagem.
Aprende-se um bocado. Você fica sabendo que o mandarim da imprensa William Hearst cunhou o termo "marijuana", ligando o medo da droga ao medo dos imigrantes mexicanos. Que o primeiro uso medicinal remonta a 2300 a.C., na China. Que Louis Armstrong fumava com Billie Holiday. Que filmes antidroga do governo americano nos anos 40 diziam: "Apenas uma tragada e você pode se tornar um homossexual, um assassino, um comunista".
Na ciência, reina a discórdia. Na bibliografia, é possível achar estudos contra e a favor dos supostos efeitos. Há pesquisas sustentando que a maconha desmotiva, reduz a libido, vicia, serve de escada para outras drogas, destrói os neurônios e produz apatia. E há estudos que afirmam que ela reduz a agressividade, é afrodisíaca, causa menos dependência do que cafeína, nicotina e álcool, cura a dependência de outras drogas, melhora o desempenho escolar e aumenta a concentração noturna.
Nos anos 70, a Comissão Shafer, do Congresso estadunidense, reviu as teses, promoveu audiências e encomendou estudos. Concluiu que não havia prova para responsabilizar a erva por crime, insanidade mental, promiscuidade sexual, desmotivação ou indução a outras drogas. Pessoas que usam a maconha há anos não apresentam problemas. Mas o senador James Eastland montou outra comissão que demonstrou que ela faz mal à saúde e que deve ser combatida sem hesitação.
Fumada ou em comprimidos de THC (o princípio ativo tetraidrocanabinol), a Cannabis reduz náuseas em pacientes de quimioterapia, estimula o apetite de doentes de AIDS e alivia o glaucoma. Nos EUA, vende-se o comprimido Marinol. No Brasil, ele pode ser importado, mas não fabricado. A liberação do uso medicinal é tema de campanhas veementes em vários países. Os familiares dos que sofrem têm pouca paciência com preconceitos.
O autor admite que a oposição à maconha é legítima, pois "grande parte de seus adversários acredita que ela conduz à dependência física e à marginalização". É óbvio que ela não é uma droga "mansa" perseguida por "conservadores de direita", a menos que álcool, nicotina, cafeína (e outras "inas") também sejam "de esquerda". Há uma sombra sobre a contracultura. A apologia do desvio e da marginalidade também gerou torpor e embrutecimento, além de ferrar muita gente. Nos Estados Unidos, esse revisionismo vem sendo feito, mas no Brasil "não pega bem". Afinal, todos envelhecem. A diferença é que, para ser uma boa múmia, diz Nelson Rodrigues, é preciso preparar-se longamente.
Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idSubArea=68&idArea=1&idArtigo=161
Ricardo Arnt
Editor da revista "Exame".
Nos anos 50, o antropólogo americano Howard Becker investigou a cultura do jazz em Chicago e escreveu "Outsiders", um clássico sobre comportamento desviante. Nele, afirma que a maconha é usada por prazer depois que se aprende a definir seus efeitos como aprazíveis. Ou seja, é a experiência que dá sentido à coisa. Sem valores não há sentido. O significante perde-se do significado. Espiritualidade, introspecção e contemplação podem converter-se em apatia, mediocridade e desmotivação. Se o avesso é legítimo, imagine a trombose do significado quando o desvio vira norma.
A maconha não virou norma, mas está deixando de ser desvio. Vai-se o tempo em que Fat Freddie (o gordinho genial dos Freak Brothers, de Gilbert Shelton) destruía supermercados em ataques insaciáveis de larica. A maior virtude da droga era fazer rir. Mas isso correspondia aos valores de certa subcultura tardo-adolescente, cujo "hedonismo transgressivo" Gilberto Velho estudou na classe média da Zona Sul do Rio, em "Nobres e Anjos". No último concerto de rock a que assisti, acho que em 83, em Nova York, todas as pessoas, cada uma mais "diferente" da outra, eram iguais.
A experiência dos anos 70 não é mais dona da Cannabis do que a de outras gerações. Como diz Fernando Gabeira, "do ponto de vista da maconha, a humanidade deve parecer muito louca". A droga ilícita mais tolerada pelos brasileiros, segundo a "Veja", teve seu consumo quadruplicado nos últimos dez anos, sobretudo entre jovens de 16 a 18 anos. Há 140 milhões de usuários no planeta. A aceitação está levando ao abrandamento da legislação no mundo civilizado. Até Portugal descriminalizou-a. No Brasil, o número de condenações por uso e flagrantes policiais está diminuindo.
Fernando Gabeira vem sendo, há anos, um dínamo dessa mudança. Da experiência de 500 conferências surgiu o livro "A Maconha", cujo objetivo é "apresentar os debates mundiais, conclusivos ou não, sobre a Cannabis, respondendo às perguntas surgidas em universidades e escolas secundárias do Brasil". O autor é consciente da sua responsabilidade e da controvérsia que o tema desperta, já que "os efeitos em quem fuma e em quem não fuma são os mais disparatados". O livro é informativo e contido, sem proselitismo ou panfletagem.
Aprende-se um bocado. Você fica sabendo que o mandarim da imprensa William Hearst cunhou o termo "marijuana", ligando o medo da droga ao medo dos imigrantes mexicanos. Que o primeiro uso medicinal remonta a 2300 a.C., na China. Que Louis Armstrong fumava com Billie Holiday. Que filmes antidroga do governo americano nos anos 40 diziam: "Apenas uma tragada e você pode se tornar um homossexual, um assassino, um comunista".
Na ciência, reina a discórdia. Na bibliografia, é possível achar estudos contra e a favor dos supostos efeitos. Há pesquisas sustentando que a maconha desmotiva, reduz a libido, vicia, serve de escada para outras drogas, destrói os neurônios e produz apatia. E há estudos que afirmam que ela reduz a agressividade, é afrodisíaca, causa menos dependência do que cafeína, nicotina e álcool, cura a dependência de outras drogas, melhora o desempenho escolar e aumenta a concentração noturna.
Nos anos 70, a Comissão Shafer, do Congresso estadunidense, reviu as teses, promoveu audiências e encomendou estudos. Concluiu que não havia prova para responsabilizar a erva por crime, insanidade mental, promiscuidade sexual, desmotivação ou indução a outras drogas. Pessoas que usam a maconha há anos não apresentam problemas. Mas o senador James Eastland montou outra comissão que demonstrou que ela faz mal à saúde e que deve ser combatida sem hesitação.
Fumada ou em comprimidos de THC (o princípio ativo tetraidrocanabinol), a Cannabis reduz náuseas em pacientes de quimioterapia, estimula o apetite de doentes de AIDS e alivia o glaucoma. Nos EUA, vende-se o comprimido Marinol. No Brasil, ele pode ser importado, mas não fabricado. A liberação do uso medicinal é tema de campanhas veementes em vários países. Os familiares dos que sofrem têm pouca paciência com preconceitos.
O autor admite que a oposição à maconha é legítima, pois "grande parte de seus adversários acredita que ela conduz à dependência física e à marginalização". É óbvio que ela não é uma droga "mansa" perseguida por "conservadores de direita", a menos que álcool, nicotina, cafeína (e outras "inas") também sejam "de esquerda". Há uma sombra sobre a contracultura. A apologia do desvio e da marginalidade também gerou torpor e embrutecimento, além de ferrar muita gente. Nos Estados Unidos, esse revisionismo vem sendo feito, mas no Brasil "não pega bem". Afinal, todos envelhecem. A diferença é que, para ser uma boa múmia, diz Nelson Rodrigues, é preciso preparar-se longamente.
Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idSubArea=68&idArea=1&idArtigo=161
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