terça-feira, 24 de junho de 2003

Uma voz isolada no Congresso

24 de junho de 2003, The Narco News Bulletin

Karine Muller

Andando pelos corredores do Congresso Nacional, qualquer um pode perceber ecos de aprovação de emendas constitutivas, projetos e leis. Há ali o movimento de políticos intitulados como representantes do poder público, uma vez que foram eleitos pelo povo. Mas, nas entrelinhas, para além desta atividade burocrática obrigatória no andamento administrativo do país, quem são as vozes isoladas do Congresso?

Uma delas certamente é a do senador Jefferson Péres, representante do estado do Amazonas e membro titular da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do senado. Um dos poucos a fazer pronunciamentos a favor da legalização de drogas no país.

Em tempos de discussão sobre segurança pública, narcotráfico e crime organizado, fui saber do senador, a respeito de alguns temas relativos a estas questões.

Karine Muller - Debate sobre descriminalização das drogas no Congresso.

Jefferson Péres - Não há um debate oficial a respeito da legalização das drogas. Há alguns pronunciamentos isolados. Às vezes mesas de debates são convocadas esporadicamente. Debates sistemáticos e constantes sobre drogas, não acontecem. Creio que sou uma voz isolada.

Karine Muller - Campanhas antidrogas veiculadas na mídia.

Jefferson Péres - Tenho a impressão de que a maioria delas não faz efeito nenhum. Não acredito que campanhas antidrogas convençam adolescentes ou jovens a deixarem o consumo de drogas. Há pessoas que nascem com tendência ao álcool, às drogas e campanhas televisivas têm um efeito muito pequeno sobre elas.

Karine Muller - Repressão ao usuário de drogas.

Jefferson Péres - A repressão é pior ainda. Mas, enquanto for proibido tem que haver a repressão policial, embora eu acredite que é uma guerra perdida contra o narcotráfico. Parto do pressuposto que sempre haverá distribuidor de droga. Enquanto houver consumidor, sempre haverá fornecedor. Pode-se mobilizar a polícia, o exército, a marinha e a aeronáutica que não se extingue nem o consumo e nem o tráfico de drogas.

Karine Muller - SENAD (Secretaria Nacional Antidrogas).

Jefferson Péres - O modelo estadunidense deveria servir para o mundo inteiro como mau exemplo. A experiência me mostra que é inútil combater as drogas via repressão. Nenhum país tem o poderio financeiro dos EUA e nem tanto aparato policial. Patrulham o litoral, a fronteira com o México, possuem o DEA e gastam alguns bilhões de dólares nisto tudo. Entretanto, eles são o maior consumidor de drogas do planeta. Então eu me pergunto, se o país mais poderoso do mundo não consegue combater as drogas, como é que os outros vão conseguir?

Karine Muller - Legalização total das drogas.

Jefferson Péres - Poderíamos legalizá-las gradativamente começando pelas mais leves, como a maconha, passando em seguida pela cocaína até chegar nas outras. Sou a favor da legalização das drogas em escala universal, não somente no Brasil. Se todos os países legalizassem as drogas, eles poupariam o dinheiro que gastam na repressão sem êxito. Reduziriam a corrupção que o narcotráfico promove. A polícia, o poder judiciário, o meio político, o sistema penitenciário, tudo é corrompido pelo narcotráfico. Com a legalização, a briga entre quadrilhas, a “queima” de arquivos, a corrupção com o aparato estatal e a violência de modo geral, diminuiriam. E ainda poderia se cobrar um imposto sobre a produção de drogas que seria revertido no tratamento a dependentes químicos e em campanhas educativas, embora eu não acredite nelas.

Karine Muller - O Estado como repressor.

Jefferson Péres - A maioria das pessoas têm medo de dizer isto. Trata-se de um princípio ético. O Estado tem o direito de impedir que uma pessoa adulta faça da sua vida o que bem quiser? Eu acho que não tem. Se uma pessoa adulta quer consumir drogas, quer se destruir, a vida é dela. Por que o Estado tem que impedir isto repressivamente?

Karine Muller - Um tabu no Congresso.

Jefferson Péres - Quando eu faço pronunciamento sobre a legalização das drogas, muitos param para pensar e dizem que logicamente é isto mesmo, mas não têm coragem de ir além disto. O medo, a censura social é muito grande. Então só se pensa mesmo em repressão.

Karine Muller - O que sustenta o narcotráfico?

Jefferson Péres - O narcotráfico é sustentado pela proibição. Precisamos distinguir duas coisas. A primeira é o consumo de drogas, que sempre existiu e vai existir na humanidade. A segunda é o narcotráfico que vive em função não do consumo, mas da proibição. Se você acaba com a proibição, libera o consumo, pondo fim ao comércio ilegal. Esta é a única maneira de acabar com o narcotráfico. Não estou defendendo nenhuma tese. É um fato. O narcotráfico existe porque é proibido. Se não for proibido, é legalizado e o comerciante ilegal não vai querer vender pra pagar imposto. Então o narcotráfico morre. Ele é fruto da proibição.

Karine Muller - A questão da fronteira.

Jefferson Péres - Atualmente se discute muito sobre a questão da fronteira e sobre o comércio ilegal de armas que está ligado ao narcotráfico. O Brasil tem uma fronteira enorme. Faz fronteira com o Peru, a Bolívia e a Colômbia que são produtores de drogas. Na Colômbia temos narcoguerrilhas que precisam comprar armas. Pessoas aqui no Brasil contrabandeiam armas para lá em troca de drogas. As coisas estão muito ligadas e, com uma fronteira de milhares de quilômetros, fica impossível “vigiar” tudo isto com um exército desguarnecido.

Karine Muller - Uso das forças armadas no combate ao narcotráfico.

Jefferson Péres - As forças armadas podem ajudar a guardar nossa fronteira, mas não estão preparadas para combater o narcotráfico. Isto é tarefa de polícia. Se nós usarmos o exército, vamos apenas corrompê-lo. Há atualmente milhares de armamentos desviados de quartéis do exército, certamente por soldados que vendem para os narcotraficantes. O contato direto destes soldados com o narcotráfico, faz com que sejam facilmente corrompidos por ele. Para um soldado que ganha R$ 800 (cerca de US$ 250) por mês, fica difícil de resistir a uma propina de R$ 10.000 (cerca de US$ 3.000), por exemplo. Assim como para um oficial que recebe R$ 5.000 (cerca de US$ 1.600) por mês, uma propina de R$ 50.000 (cerca de US$ 15.000), também é irresistível. Temos que deixar o exército longe deste assunto.

Karine Muller - A luta no Congresso.

Jefferson Péres - Eu nem estou em luta. Apenas expresso a minha opinião. Não posso desfraldar a bandeira brasileira. Recebo e-mails de pessoas me questionando sobre como posso defender o consumo de drogas no país. E eu apenas defendo a legalização das drogas porque quero acabar com o narcotráfico. Infelizmente, isto é um problema cultural.

Fonte: http://www.narconews.com/Issue30/artigo805.html

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