segunda-feira, 23 de junho de 2003

Campanha antidrogas na tevê é ineficiente, diz estudo da USP

23 de junho de 2003, Agência Carta Maior

Maria Paola de Salvo e Adélia Chagas

A eficácia das campanhas antidrogas na TV - discutida informalmente - virou pesquisa. E a conclusão é desanimadora: as mensagens são ineficientes. A afirmação é da tese de mestrado da professora de Comunicação Social Arlene Lopes Sant'Anna defendida no departamento de Lingüística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP).

As razões da ineficácia, segundo o estudo, são o erro no foco social, ingenuidade, superficialidade, autoritarismo do discurso, além do fato de as campanhas ignorarem as origens do problema e não esclarecerem sobre a prevenção.

A professora de Comunicação Social da PUC-PR analisou 20 anúncios do período de 1996 e 1997 feitos pela ONG Associação Parceria Contra as Drogas (APCD), responsável pela maioria das campanhas e das veiculadas atualmente.

Na avaliação de Arlene, a análise das campanhas ser focada nos anos de 1996 e 1997 não desatualiza a conclusão. "Não deixei de observar as posteriores. E são ineficientes do mesmo jeito", diz. Isso porque, segundo ela, o discurso é o mesmo. Das 20 propagandas estudadas, metade aconselhava os telespectadores a evitar a experiência e o restante incitava o usuário a abandonar o uso.

"Nos dois tipos, o discurso é superautoritário, intimidador e há a mensagem de castigo. Se parar de usar a pessoa ainda tem uma chance e se não usar, não vai morrer, não vai virar vegetal", diz. Ela também atribuiu a falta de resultados à distância da realidade de quem faz os anúncios. Uma surpresa para a professora, que descobriu durante o estudo que a autoria dos anúncios nada tinha e tem a ver com o governo.

A pesquisadora constatou também que a ONG é incentivada pela embaixada estadunidense que propôs a um grupo de empresários brasileiros a realização de uma campanha associada à Partnership for Drug-Free América, entidade estadunidense, que já integrou outros países. A campanha foi lançada também na Argentina, Chile, Venezuela e Porto Rico.

"Eu caí das pernas. É por isso que não dá certo. A impressão é que o Brasil se submete demais ao capital internacional e a produção é feita nos moldes internacionais", diz. "As propagandas tentam mais uma vez proteger a classe média e ignoram as mais baixas, que são as grandes consumidoras e descobrem que é uma forma de ganhar dinheiro", diz.

Arlene fala das classes mais pobres baseada no levantamento, da época da veiculação dos anúncios, do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID). A situação mais dramática era a dos meninos de rua - no Rio de Janeiro 57% deles já haviam usado drogas; no Recife, o número chegava a 90%.

Dirigir a campanha para a classe média-alta também não condiz com o público atingido pela televisão: segundo os dados do IBGE, mencionados na pesquisa, mais de 60% das pessoas que se informam através da TV são das classes C e D.

Outro ponto destacado pela professora é o fato de as propagandas não trazerem informações mínimas sobre como e onde procurar tratamento e o que fazer. A pesquisadora critica também o fato de as "drogas serem mostradas como se surgissem do nada, como se tivessem vida própria e buscassem a próxima vítima, como se fossem o bicho papão para punir jovens desavisados".

Arlene não está sozinha na sua crítica. Primeiro secretário nacional antidrogas, entre 1998 e 1999, o magistrado aposentado Walter Fanganiello Maierovitch faz coro às conclusões da pesquisadora.

Para ele, as campanhas veiculadas pela ONG APCD têm como base a demonização das drogas e a inibição do uso pelo medo, com o único objetivo de se evitar o primeiro contato do jovem com as substâncias.

"O Brasil importa o modelo estadunidense de política antidrogas e adota o mesmo discurso incriminatório e penalizante dos que já fazem uso lúdico ou são dependentes. Isso traz inadequações ao público brasileiro", avalia Maierovitch.

Segundo o ex-secretário, a culpa atribuída ao usuário pelo crime organizado e violência urbana - como aparece nas propagandas atuais da APCD na TV "Quem usa drogas financia a violência" - representa mais uma tentativa oportunista estadunidense que, pela desinformação e pânico no Brasil, procura conquistar a opinião pública. "Enquanto o foco da culpa se concentra no consumidor de drogas, bilhões de dólares sujos são reinvestidos nos sistemas bancário e financeiro internacionais, sempre fora do foco", aponta.

A Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD) não desenvolve atualmente nenhum tipo de campanha contra as drogas. A tarefa fica a cargo apenas de ONGs, como a Associação Parceria Contra as Drogas. Segundo Maierovitch, isso sempre foi assim, desde a inauguração da SENAD em 1998, no governo Fernando Henrique Cardoso. "O governo nunca destinou nenhuma verba para mídia, campanhas, nada. Para o governo, isso não era relevante".

Maierovitch acredita que a fórmula para a eficácia das campanhas antidrogas está na informação inteligente desvinculada do medo e do autoritarismo, e deve falar a todas as classes sociais. "Elas devem buscar a conscientização e a educação", diz.

Eficiência do discurso

O presidente da APCD, o publicitário Paulo Heise, acredita que às vezes é necessário lançar mão do medo e do discurso autoritário para inibir o consumo de drogas. "Reconheço que às vezes usamos o autoritarismo. Mas o que realmente funciona em campanhas publicitárias deste tipo é trabalhar com a percepção de risco propiciado pelo uso das drogas. Se o adolescente não tiver percepção disso, vai usar drogas". Segundo ele, o objetivo principal das campanhas da APCD é evitar o primeiro contato dos jovens com a droga e o uso recreativo, e não acabar com o tráfico. "Não é nosso objetivo tirar do tráfico um jovem do Capão Redondo, por exemplo", explica.

Com sete anos de atuação e 56 filmes veiculados, a ONG conta com o apoio de emissoras de TV para veicular gratuitamente as propagandas nas emissoras abertas e a cabo. "Nesse ponto somos mais eficientes que o Estado. A Rede Globo é nossa parceira. Quando o governo iria conseguir gratuidade das emissoras se fosse o formulador das campanhas?", analisa Heise. Para ele, a SENAD deve focar seus esforços em políticas de erradicação do tráfico e das drogas.

A APCD defende a política atual que considera a compra, a venda e o porte da maconha um crime. "Descriminalizar teria o único efeito prático de eliminar uma barreira para os negócios dos traficantes", avalia o presidente da ONG.

De acordo com a ONG, a população brasileira percebe um impacto positivo na atual campanha que mostra a violência causada pelas drogas e procura identificar o usuário como co-responsável por financiar o tráfico e o crime organizado. A avaliação é baseada em pesquisa do IBOPE de março de 2003.

Dos entrevistados, 45% conheciam alguém que havia parado de usar algum tipo de droga. Mas 80% não conheciam ninguém que havia parado com o uso, depois de ver na campanha que o dinheiro iria para os traficantes.

A Agência Carta Maior procurou a SENAD e o Ministério da Saúde para comentar a tese da professora e a falta de campanhas. Nenhuma das pastas retornou as ligações.

Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idArea=1&idSubArea=191

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