quarta-feira, 23 de abril de 2003

Os efeitos econômicos da Cannabis

23 de abril de 2003, Carta Capital

Walter Fanganiello Maierovitch

A concorrência está acirrada no Brasil. Nos grandes centros urbanos, exceção à cidade baiana de Salvador, o papel de seda gomado Colomy vem perdendo mercado. As grandes bancas de jornal e revistas das cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro foram inundadas pelo espanhol Smokingpaper, fabricado em Barcelona, e pelo londrino Rizla Imperial Tobacco. Como novidade, essas novas marcas apresentaram papéis de seda resinados, no tamanho "extra long". Eles são apropriados, em medida e neutralidade, para confeccionar cigarros de maconha, que, segundo os consumidores, devem ser grossos no conteúdo e longos de maneira a permitir alguns giros pelas pacíficas "rodas de fumo".

Também, nada da antiga moda das zonas rurais à base de palha de milho, considerada própria apenas para envolver o tabaco de corda, de uso individual. As embalagens contendo o especial papel são coloridas e sofisticadas, com 33 unidades manufaturadas com marca-d'água, certamente para evitar contrafações. Cada embalagem custa R$ 3,60 e as qualidades do produto espanhol podem ser verificadas no site www.smokingpaper.com.

A Smokingpaper e a Imperial Tobacco negam estar fornecendo papéis para os "baseados". No Reino Unido, no entanto, o pesquisador Andy Davidson desmentiu o imperial fabricante londrino. Ele realizou o primeiro estudo científico sobre os efeitos econômicos do crescente consumo de erva canábica sem se esquecer dos gastos e lucros conseqüentes. Por exemplo, notou que as vendas dos papéis gomados cresceram, no último ano, 16%, ao passo que as vendas do tabaco em corda ou picado caíram 11%. Como se nota, a Imperial Tobacco vestiu saia- justa e preferiu ficar na muda.

No mercado do Reino Unido, ainda conforme Davidson, a economia da Cannabis e dos seus acessórios influenciou o PIB em face de um movimento superior a 11 bilhões de libras esterlinas (cerca de R$ 53 bilhões). O consumo propriamente dito da erva contribuiu com 5% desses 11 bilhões esterlinos. Os outros 6% foram decorrência, ou melhor, ganhos dos tais acessórios. Por exemplo: a comida comprada em razão da alteração do apetite do consumidor da maconha, algo conhecido popularmente no Brasil como "larica", e que mira basicamente nos doces.

O comportamento do consumidor da Cannabis mostrou uma prevalente tendência de permanecer "relaxando" em casa. Ouvindo música, namorando, assistindo a filmes alugados nas locadoras ou exibidos nas caras TVs a cabo, tudo na companhia de poucos amigos canábicos.

Uma arquiteta de 29 anos, ouvida na pesquisa, narrou: “É melhor não sair mais no sábado à noite. Os locais estão lotados de idiotas. Melhor ficar em casa, com uma boa ‘maria’ (marijuana) e a coleção de DVDs”. Para outra entrevistada, a noite ideal é a da quinta-feira, “fazendo amor, fumando marijuana, ouvindo música ou assistindo à TV a cabo”.

Com efeito, na pesquisa de Davidson ficou visível, no levantamento dos "efeitos econômicos" da Cannabis, a influência marcante do item relativo ao acompanhamento acessório do consumo da Cannabis: um cômodo sofá e um aparelho de som foram considerados melhor opção do que sair de casa e enfrentar, nos fins de semana, a violência, o trânsito pesado e as discotecas com pessoas ligadas em outra faixa, ou seja, das psicoativas metanfetaminas, do tipo ecstasy ou flatlyner.

Outro exemplo desse filão econômico pode ser buscado na holandesa e anual Cannabis Cup. Para fazer parte do corpo de jurados e degustadores dessa competição das melhores misturas com emprego de Cannabis, se paga US$ 225. Os organizadores do torneio, que envolve 26 coffee shops de Amsterdã, mantêm uma agência de viagens e reservas pelo site www.hightimes.com.

No último verão, a estrela da experimentação foi o novo e artificial superskunk AK47, com grande porcentual de concentração do princípio ativo, chamado tetraidrocanabinol. Aos poucos, o AK47 será vendido na Suíça em sachês aromáticos, a forma pela qual o comércio fatura e os helvéticos disfarçam a compra da Cannabis.

É claro que o turista interessado em fumar maconha nos cafés holandeses gasta - e aí volta a entrar o levantamento do acessório realizado por Davidson - com lanches, hotéis, passagens, restaurantes, museus, etc. Em outras palavras, para cada 20 euros de consumo de skunk, gastam-se 200 euros com hospedagens e atividades de entretenimento.

Todo ano, a Holanda recebe 10 milhões de turistas que gastam 2,45 bilhões de euros. Segundo uma agência européia que se dedica às análises e pesquisas sobre o comportamento de jovens, a Cannabis, incluídos os derivados, movimenta anualmente no mercado europeu de 12 bilhões a 24 bilhões de euros. Pelo levantamento, 33% dos jovens europeus já usaram maconha pelo menos uma vez na vida.

Na Holanda, é proibida, fora de casa, a posse de Cannabis para uso próprio. Nos cafés credenciados, admitem-se o fornecimento e o consumo, tendo sido fixado, para cada estabelecimento, uma venda diária não excedente a meio quilo.

No caso, os comerciantes podem cultivar o cânhamo em pequenas áreas ou utilizar estufas e iluminação especial para germinação e desenvolvimento. Ao contrário do Brasil, a legislação da Holanda não admite buscas policiais domiciliares para flagrar consumidores de drogas.

Essa política holandesa, admitindo com restrições o uso lúdico, teve por objetivo afastar o consumidor do traficante. E o traficante de drogas pesadas passou a ser mais bem enfrentado pela polícia.

Seguindo essa linha holandesa, a polícia londrina, nos bairros de Brixton e Lambeth, deixou de prender, por seis meses, usuários de Cannabis. Os policiais concentraram-se nos narcotraficantes e esqueceram o usuário de drogas ligeiras, consideradas aquelas que permitem o trabalho normal no dia seguinte.

Nos dois bairros experimentais, o aumento do consumo da Cannabis não cresceu, a violência diminuiu e os traficantes passaram a ser efetivamente incomodados pelos policiais, antes interessados em estatísticas com usuários, para mostrar serviço. Outro dado significativo decorreu de o consumo de Cannabis naturalmente inibir a ingestão de bebida alcoólica.

Por isso, no próximo verão britânico, a maconha será classificada como droga da Classe C. Como decorrência, a polícia poderá deixar de prender o usuário e não haverá processo criminal. Vale lembrar, ainda, que 15 milhões de britânicos utilizaram Cannabis uma vez nas suas vidas.

O número de consumidores regulares de maconha na Grã-Bretanha foi estimado em 6 milhões e, conforme Davidson, eles representam um universo superior aos que praticam jogging e futebol aos domingos. Em dia de folga, cada um desses 6 milhões gasta, apenas com os acessórios decorrentes do uso, como por exemplo o papel vendido pela Imperial Tobacco e fósforos, 20 libras esterlinas.

A tendência européia, até para conter a violência das gangues, é fechar os olhos para o consumo da maconha. Sendo uma droga que acalma e relaxa, e cujo emprego não vem associado ao álcool, as políticas européias centraram a proibição em outros comportamentos.

O grande problema europeu - e no Brasil tais usos costumam chegar um ano depois - é a droga chamada speedball. Essa droga é uma mistura de heroína, cocaína e crack e sempre causa dependência física e psicológica.

Um ex-diretor de presídio chegou a lembrar que a maconha era o tranqüilizante que evitava movimentos paredistas e rebeliões na antiga Casa de Detenção de São Paulo, com seus mais de 5 mil presos amontoados. Quando chegou a cocaína, de efeitos psicoativos, a violência virou a regra.

Por outro lado, um soldado contou sua experiência no policiamento de um jogo de futebol no Estádio do Pacaembu em São Paulo, com calmos torcedores "queimando fumo" na geral e pacientes soldados como "fumantes passivos". Com a banalização da cocaína, concluiu esse policial, as torcidas viraram gangues organizadas, em face de aditivadas pelas drogas psicoativas.

A pesquisa de Andy Davidson revelou que, no Reino Unido, a Cannabis está ficando mais popular do que o cigarro e as empresas de propaganda possuem projetos de como incluir, nos lançamentos de produtos que seguem o consumo da Cannabis (CDs, DVDs, viagens, cachimbos, TV a cabo, comida em sistema delivery, etc.), cenas do cotidiano jovem. Sabem esses publicitários ingleses que 44% das pessoas fumam maconha, numa faixa de 16 a 29 anos.

No Brasil, a realidade é diversa, em especial nas classes média e alta: pais e mães, num ato de fé, fazem de conta que inexiste a possibilidade de os filhos estarem a fumar e os filhos, num ato de contrição, fazem de conta que não fumam.

Enquanto isso, o governo Lula atrasa-se em alterar a política e a legislação herdada de Fernando Henrique Cardoso, de modelo estadunidense, e, portanto, criminalizante com relação ao consumidor. O presidente George W. Bush e o antigo presidente FHC - que um dia fumou e não gostou, como soubemos; o próprio contou em entrevista - acreditam na ameaça contida na lei penal para reduzir a demanda.

Fernando Henrique, um dia professor universitário e atual presidente de ONG, introduziu no Brasil os Tribunais para Usuários e Dependentes Químicos, sem reservar um "tostão" para campanhas de informação e conscientização.

A pesquisa de Andy Davidson radiografou o Negócio da Cannabis e o movimento financeiro paralelo, desde a pipoca ao filme DVD, tudo a revelar o grande interesse a rolar no mundo capitalista. Pelos números conhecidos, só o chamado turismo do "fumacê" de Amsterdã movimenta 0,5% do PIB dos Países Baixos.

No Brasil, o governo FHC interessou-se pelo caminho da amostragem. Seu governo deixou para a posteridade uma pesquisa com consultas feitas nos domicílios: levantamento de uso através de questionários respondidos pelos moradores entrevistados.

Imagine-se o que cada morador respondeu. Sobre o vizinho.

Enquanto, de tal forma, dedicava-se a fazer de conta que seu governo combatia o uso de drogas, FHC assistia à cristalização e ao enraizamento na sociedade do modelo empresa: aquele que usa a metralhadora e o mouse.

Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idArea=1&idSubArea=190

Nenhum comentário:

Postar um comentário

 

Precisando de ajuda?

Veja o site da Psicóloga e Psicoterapeuta Bianca Galindo que ela faz atendimento online.