2 de março de 2003, Folha de S. Paulo
Editorial da Folha de S. Paulo
A onda de violência no Rio de Janeiro é indissociável do tráfico de drogas. O crime organizado obtém somas fantásticas com a venda de narcóticos porque o produto é ilegal. Na teoria econômica, portanto, bastaria levantar a proibição que pesa sobre as drogas para que a margem de lucro despencasse e, com ela - acredita-se -, boa parte da violência associada ao tráfico.
Na prática, porém, as coisas são bem mais complexas. É consenso que uma eventual legalização das drogas tenderia a elevar - talvez significativamente - os níveis de consumo, o que poderia ter impactos desastrosos sobre a saúde pública.
Para efeito de comparação, deve-se lembrar que, segundo o CEBRID (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas), 68,7% da população brasileira usa álcool com alguma regularidade; 11,4% tornaram-se dependentes. Já a cocaína foi experimentada ou é usada por apenas 2,3% dos brasileiros; menos de 1% desenvolveu dependência. É evidente que, se o número dos usuários de cocaína - ou de qualquer outra droga pesada - subir descontroladamente, explodirá o de dependentes, com graves prejuízos para a saúde do indivíduo e para a sociedade.
Também parece claro que a atual abordagem de combate às drogas, com ênfase na repressão, vai falhando. Os EUA, maiores entusiastas da estratégia repressiva, gastam perto de US$ 20 bilhões ao ano para conter a epidemia. Os resultados são pífios.
Na semana passada, foi divulgado o relatório anual referente a 2002 do Conselho Internacional de Controle de Narcóticos (INCB), da ONU. O panorama traçado por essa agência, que é uma defensora ardorosa da repressão, não é nada animador. As tentativas de controlar o plantio de coca, por exemplo, vêm fracassando. Na Colômbia, onde as autoridades contam com a ajuda de um bilionário programa de ajuda dos EUA, até houve algum progresso, mas que levou à ressurgência das plantações na Bolívia e à transferência de lavouras para o Equador e para a Venezuela.
Nem a presença de tropas estadunidenses é capaz de inibir agricultores. Depois da queda do Talibão, que havia conseguido erradicar as plantações de papoula no Afeganistão, a produção foi retomada em 2002. O INCB também aponta um novo risco: o rápido crescimento no consumo de drogas sintéticas, como o ecstasy, que em breve poderão tornar-se as mais utilizadas do mundo.
O quadro geral não inspira nenhum otimismo. Os cartéis criminosos encontram na droga uma formidável fonte de recursos, que lhes permite manter organizações extensas e bem armadas capazes de promover até o terror quando lhes convém. Na outra ponta, Estados gastam muito na repressão sem resultados significativos. A legalização, que poderia reduzir o lucro e a violência associados ao tráfico, tende a ser um desastre em termos de saúde pública.
Só o que parece certo é que a manutenção do "status quo" não leva a lugar nenhum. O melhor caminho parece ser a mudança paulatina de paradigma. É rumar da atual repressão para a descriminalização do consumo e, daí, sempre investindo na educação do jovem, quem sabe chegar à legalização sem provocar um terremoto na saúde pública. No dia em que as drogas estiverem legalizadas, o poder do traficante - e sua capacidade de fazer estragos - não será maior do que o do vendedor de cigarros ou do dono do bar.
Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idSubArea=168&idArea=1&idArtigo=348
domingo, 2 de março de 2003
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário