sexta-feira, 23 de janeiro de 2004

23 de janeiro de 2004, Folha de S. Paulo
Reino Unido relaxa lei sobre maconha

Rogério Wassermann
Free-lance para a Folha, de Londres.

A poucos dias de entrar em vigor, uma iniciativa do governo britânico para relaxar a política criminal em relação ao consumo de maconha vem sendo alvo de intensas críticas da oposição e da comunidade médica.

A medida, que a partir do próximo dia 29 passa a considerar a maconha como droga de baixo risco, significa, na prática, que o consumo e a posse de pequenas quantidades não devem ser passíveis, na maioria dos casos, de punição com prisão.

Os críticos argumentam que a nova lei é confusa e que pode estimular o consumo ao passar a mensagem de que fumar maconha é uma atividade segura.

O governo do premiê Tony Blair (trabalhista) afirma que a medida ajudará a polícia a se concentrar em drogas mais pesadas, como heroína e crack.

No Parlamento, Blair defendeu a nova lei dizendo que ela não significará a descriminalização da maconha e que o consumo da droga continuará sendo passível de prisão em casos mais graves como fumar perto de crianças ou na porta de escolas, por exemplo.

Mas o líder do Partido Conservador (oposição), Michael Howard, acusa Blair de confundir a opinião pública. Ele disse que a medida é "absurda e ilógica" e prometeu, se seu partido retornar ao poder, revogar a lei.

A proposta do governo também sofreu ataques de outra frente. Em comunicado, a Associação Médica Britânica (BMA) afirma estar "extremamente preocupada" pelo fato de a medida ter ignorado possíveis riscos à saúde, como câncer de pulmão, doenças cardíacas e o desencadeamento de problemas mentais.

"A reclassificação da maconha como droga leve pode dar a impressão, ao público em geral, de que fumar a droga não é tão ruim, que pode ser uma atividade segura. Mas ela é uma droga perigosa, que pode causar muitos problemas de saúde e até matar", disse à Folha o médico Peter Maguire, vice-presidente do Conselho de Ciência da BMA.

No Parlamento, Blair foi questionado por uma deputada conservadora sobre a possibilidade de a reclassificação da maconha ser interpretada pelos jovens como um incentivo ao consumo.

"Eu concordo que é importante termos uma mensagem muito clara de que a posse de maconha continua sendo um crime e que, independentemente da reclassificação, a polícia ainda tem o poder de prender quem o cometer", respondeu Blair.

"O que esperamos é que a polícia possa se concentrar nas drogas pesadas. É um grande problema, a relação entre o vício da heroína e do crack e o crime é bem conhecida, e é importante que a polícia possa concentrar todos os esforços possíveis para combater isso. Mas isso não altera o fato de que a posse de maconha continua sendo um crime", afirmou o premiê.

Segundo levantamento recente, cerca de 5 milhões de britânicos (do total de 60 milhões) consomem maconha com freqüência, e 44% dos adultos do país dizem já ter experimentado a droga.

Desde 1971, a legislação britânica classifica as drogas ilegais em três classes diferentes, A, B e C, de acordo com o grau de risco que elas apresentam. As drogas de classe A são as mais pesadas, como heroína, cocaína e LSD.

A decisão de rebaixar a classificação da maconha, de classe B para classe C (mesma categoria de antidepressivos, anabolizantes e tranqüilizantes) foi tomada em 2002, seguindo a recomendação de um comitê parlamentar. O mesmo comitê sugeriu também o rebaixamento do ecstasy, mas a recomendação foi ignorada.

O governo lançou ontem uma campanha em rádio, TV e jornais sobre a nova lei. A campanha, de cerca de R$ 5 milhões, tem como público-alvo os adolescentes.

Após relacionar os vários diferentes nomes dados à droga na gíria jovem, o anúncio adverte: "Chame como você quiser, menos de legal. A maconha ainda é ilegal, ainda causa danos e você ainda pode ser preso por posse".

No Brasil, a maconha está incluída no mesmo grupo de outras drogas mais pesadas, como cocaína e heroína. De acordo com a Constituição, o tráfico de drogas é um crime hediondo, o que o torna mais grave do que a posse de entorpecentes para uso pessoal.

Associação médica se diz preocupada

A Associação Médica Britânica (BMA) lançou ontem um apelo contra o relaxamento da política criminal em relação à maconha no Reino Unido, ao afirmar que a medida pode ser mal interpretada pelo público e incentivar o consumo da droga.

"Estamos muito preocupados com essa questão e esperamos que o governo reveja a decisão", afirmou à Folha o vice-presidente do Conselho de Ciência da BMA, Peter Maguire.

Segundo Maguire, o consumo de maconha pode trazer sérios danos à saúde no longo prazo e causar problemas cardíacos e doenças como câncer de pulmão e bronquite.

"A maconha é altamente tóxica para o pulmão e para o fígado", disse o médico.

Questionado sobre o argumento de que os danos provocados pelo consumo de maconha seriam menos graves do que os danos provocados pelo consumo de drogas legais, Maguire afirmou que a maconha "é significativamente mais perigosa que o cigarro e que o álcool".

"Quem fuma maconha recebe no pulmão cinco vezes mais monóxido de carbono do que quem fuma cigarro, além de uma quantidade de alcatrão muito maior também", disse.

Maguire disse esperar que "as pessoas escutem as mensagens da mídia" sobre os perigos do consumo da maconha e que as campanhas de conscientização ajudem a evitar um aumento no uso da droga após a mudança na legislação britânica.

Professores britânicos também vêm expressando preocupação em relação à percepção que os jovens poderão ter diante das mudanças.

"Os alunos estão achando que a maconha agora é uma droga segura, o que não é necessariamente o caso. Essa certamente não é a mensagem que queremos passar para nossos jovens", disse Bob Carstairs, da Associação de Diretores das Escolas Secundárias do Reino Unido.

Região serviu de laboratório da liberalização

Para uma parte dos habitantes do sul de Londres, o relaxamento da política criminal em relação à maconha não será novidade. Numa experiência-piloto que durou um ano, entre 2001 e 2002, a polícia londrina deixou de prender pessoas por porte ou consumo da droga na região de Lambeth, conhecida como uma das mais violentas da cidade.

Criticado pela oposição por supostamente ter transformado o distrito em "paraíso" para os traficantes e consumidores de maconha, o plano foi classificado como positivo, na época, pelo governo.

Segundo as estatísticas policiais, nos primeiros seis meses da experiência o número de roubos e assaltos na região caiu praticamente à metade -a maior redução entre todos os distritos de Londres. O número de prisões de traficantes vendendo drogas mais pesadas, da classe A, subiu 19% no período. As prisões de traficantes de maconha também aumentaram, em 11%.

O argumento da polícia é que, ao deixar de perseguir usuários de drogas leves, carros e policiais que antes eram alocados para essa função foram utilizados para patrulhas contra roubos e para perseguição de possíveis criminosos. Segundo a polícia, a medida significou, em seis meses, uma "economia" de 2.500 horas de trabalho, antes utilizadas para combater o consumo de maconha.

O esquema também teria possibilitado, segundo a polícia, o reforço na segurança de áreas consideradas mais problemáticas, como pontos de tráfico e estações de trem e de metrô.

Governo defende distinção

O governo do premiê Tony Blair rebate as críticas argumentando que a nova política não diz que é seguro fumar maconha, mas apenas explicita que o uso da droga é menos danoso do que o de outras drogas classificadas como de risco maior.

Segundo o ministro do Interior trabalhista, David Blunkett, a intenção é mostrar a distinção entre a maconha e outras drogas mais pesadas.

“Muitas famílias me dizem: ‘Se confundirmos nossas crianças dizendo que maconha é igual a crack ou heroína, e um dia elas fumarem maconha e perceberem que não é, então não vão mais acreditar no que dizemos em relação ao crack ou à heroína’”, afirmou Blunkett.

Fonte: Gabeira.com (Parte 1 / Parte 2 / Parte 3 / Parte 4)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

 

Precisando de ajuda?

Veja o site da Psicóloga e Psicoterapeuta Bianca Galindo que ela faz atendimento online.