quarta-feira, 11 de fevereiro de 2004

Discurso de Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP)

11 de fevereiro de 2004, Câmara dos Deputados

[Sr. Aloysio Nunes Ferreira:]

Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, tivemos, nesta manhã, rico e proveitoso debate na Comissão de Constituição e Justiça e de Redação sobre esse projeto de lei [Projeto de Lei Nº 7134/2002]. Na ocasião, ressaltaram-se as qualidades de bom negociador e ouvinte, de homem de bom senso e do diálogo do Relator, Deputado Paulo Pimenta.

S. Ex.ª aprimorou o projeto, após ter recebido material proveniente do Senado Federal, colaborações, da Secretaria Anti-Drogas, dos Ministérios da Justiça e da Saúde.

Também foram incorporadas inúmeras sugestões da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação. Portanto, caso o substitutivo seja aprovado, teremos uma legislação muito melhor do que a atual.

A proposta do Relator inspira-se nos princípios que orientam as mais modernas legislações sobre a matéria: dar tratamento penal ao tráfico e acentuar os aspectos preventivos, educacionais e reabilitadores do tratamento destinado ao usuário.

No entanto, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, creio que faltou um passo ousado para que o projeto atendesse àquilo que, na minha opinião - que seguramente é minoritária neste Plenário -, daria tratamento adequado e correto ao fenômeno do consumo de drogas em nosso País. Sou da opinião de que o mero consumo de drogas não deve estar submetido ao tratamento do Direito Penal. Não sou a favor, muito pelo contrário, do consumo de drogas ou daquilo que venha a afetar a consciência dos homens, levando-os à dependência e reduzindo sua capacidade de trabalhar e de sentir afeto. Mas, criminalizar essa conduta não é a melhor maneira de desestimular o consumo de drogas.

Não creio que o tratamento penal seja adequado por uma questão de princípio: entendo que não se pode dar tratamento penal a um crime que não tem vítima, a um crime cuja vítima seria, a rigor, o próprio usuário.

Assim como não se pune a automutilação ou a tentativa de suicídio, não se pode dar tratamento criminoso, ainda que com pena atenuada, à pessoa que consome drogas ocasionalmente, sem causar prejuízo a ninguém, na intimidade do seu lar. Qual bem jurídico se quer tutelar inserindo essa pessoa num círculo infernal? Não vejo vantagem alguma nisso.

O tratamento repressivo ao consumo obedece à estratégia inspirada pela política criminal norte-americana, é mais uma manifestação da hegemonia dos Estados Unidos no mundo. Mas as estatísticas sobre esse mal que afeta a sociedade mostram que, nas últimas décadas, houve aumento do consumo de drogas e do poder do tráfico, com todos os consectários que isso produz, inclusive corrupção policial.

Portanto, sou favorável à idéia da descriminalização do uso das drogas. Devemos submeter o usuário a tratamento caso seja dependente. É preciso orientar, prevenir e esclarecer quanto aos males do consumo de substâncias ilícitas. Mas não podemos trazer para o âmbito da persecução penal esse comportamento, sob pena de acentuar a sensação de marginalidade que, por sua vez, poderá levar a maior consumo e permanência do usuário nas redes de tráfico.

O projeto também não permite que drogas sejam ministradas em ambiente terapêutico, prática utilizada hoje, com grande sucesso, no combate à dependência de drogas pesadas, a exemplo do crack. Não há uma válvula que permita a utilização, sob controle médico, de drogas ilícitas, com o objetivo de livrar o doente da dependência de drogas pesadas, conforme a literatura médica registra, com êxito indiscutível.

Sr. Presidente, o projeto inegavelmente representa extraordinário avanço no tratamento dessa matéria ao impedir que o consumidor seja submetido à pena de prisão e ao acentuar os mecanismos ligados à prevenção, ao esclarecimento e à recuperação daqueles que são vítimas da dependência de drogas.

[Sr.ª Juíza Denise Frossard:]

Exmo. Sr. Deputado, antes de V. Ex.ª se retirar da tribuna, permite-me um aparte?

[Sr. Presidente (João Paulo Cunha):]

Deputada Juíza Denise Frossard, o tempo do Deputado Aloysio Nunes Ferreira está esgotado, mas, como a matéria é relevante, permito a V. Ex.ª que o aparteie.

[Sr.ª Juíza Denise Frossard:]

Sr. Presidente, aproveito a oportunidade para apartear um ex-Ministro da Justiça.

Deputado Aloysio Nunes Ferreira, a tese de V. Ex.ª é provocativa. V. Ex.ª provocou a Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, este Plenário e o Brasil inteiro. Peço que V. Ex.ª esclareça seu posicionamento diante da Convenção de Viena, da qual o Brasil é signatário e se comprometeu a criminalizar o uso, reservando-se apenas o direito de determinar a pena do usuário de droga. Não fizemos reserva. É muito importante ouvir a ponderação de V. Ex.ª a esse respeito.

[Sr. Aloysio Nunes Ferreira:]

Agradeço a oportunidade deste esclarecimento e o aparte de V. Ex.ª.

O Brasil, de fato, é signatário da Convenção de Viena, de 1988, a que a senhora se refere, segundo a qual o Brasil se comprometeu, dentro dos limites e princípios fundamentais do nosso ordenamento jurídico, a dar tratamento criminal ao consumo de droga.

Faço uma primeira observação. Entre os princípios fundamentais do nosso ordenamento jurídico, está o respeito à privacidade, à esfera individual da pessoa humana, que é insuscetível da intervenção do Estado. Assim como não posso dar tratamento criminal à automutilação, não posso dar tratamento criminal a uma conduta que não faça mal a ninguém, que se esgote no âmbito da minha estrita intimidade.

Em segundo lugar, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu que o texto das convenções internacionais, as normas que nelas contêm, são incorporadas ao Direito Interno com o estatuto de lei ordinária. Portanto, podem ser alteradas por decisão da instância legislativa competente. No caso, o Congresso Nacional. É um problema político que outros países, como a Itália, por exemplo, já enfrentaram, mas não é obstáculo intransponível.

LEIA TAMBÉM:
Substitutivo ao Projeto de Lei Nº 7134/2002

Fonte: http://www.gabeira.com.br/causas/subareas.asp?idSubArea=246&idArea=1&idArtigo=487

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