31 de maio de 2003, Último Segundo
Paulo Terron
Repórter iG em São Paulo.
A violência urbana dos grandes centros brasileiros deu origem a um novo "movimento": o das pessoas que só consomem maconha plantada particularmente, para consumo próprio, em vez de comprá-la de traficantes e patrocinar o crime organizado. Outros fatores - comodidade, segurança e qualidade - também são considerados por esses "agricultores".
Não que seja comum encontrar grandes plantações da erva em quintais de casas de São Paulo. Mas bastam algumas poucas conversas para se localizar quem tem "uma plantinha ou duas", escondidas em armários ou gavetas.
Éverton*, 31 anos, jornalista, é usuário há 16 anos. Nesse tempo, ele passou por diversas situações peculiares envolvendo o tráfico e o crime organizado que o levaram a pensar em começar um canteiro particular. "Tomei tiro no pé, fugi da polícia, fiquei amigo de travecos, conheci a favela de Paraisópolis nos mínimos detalhes. Andava com uns bandidos no carro", conta.
A compra da droga o levou a momentos de tensão. "Uma vez adquiri um revólver 38, cano longo - que mede quase um metro e meio - e fui trocá-lo numa boca [de fumo] no Morumbi, à noite." Os traficantes aceitaram e pediram que ele esperasse em um terreno baldio. "Pensei 'agora os caras vão pegar munição, voltam para me matar e eu vou ficar jogado aqui'. Mas os caras foram sangue bom, voltaram com 300 gramas e concretizamos a troca."
Luiz Carlos Magno, delegado da Divisão de Prevenção e Educação do Departamento de Investigações Sobre Narcóticos (DENARC), alerta, entretanto, que o plantio de maconha pode ser considerado tráfico de drogas - crime inafiançável com pena que pode ser de até 15 anos de detenção. "Em tese, o artigo 12 - parágrafo II - não especifica quantidade de maconha. Diz só que é crime plantar. Então encontramos casos julgados em que o ato foi considerado tráfico, e casos em que não foi. De qualquer forma, plantar é uma atividade ilícita."
O porte de pequenas quantidades, para consumo, pode dar de seis meses a dois anos de detenção, com direito à fiança. Para Magno, a melhor opção é não comprar de traficantes e também não cultivar em casa. "O melhor conselho que podemos dar é: sepulte esse projeto. O melhor é abandonar, deixar de consumir."
O Observatório Brasileiro de Informações Sobre Drogas (OBID) alerta sobre o malefício do consumo em longo prazo: prejuízo da atenção e da memória para fatos recentes; em alguns casos, o usuário sofre alucinações visuais; pode haver também ansiedade intensa, pânico e paranóia que, com uso durante muito tempo sem parada pode levar a desânimo generalizado. Isso sem contar os prejuízos aos órgãos respiratórios, como o cigarro normal, podendo levar inclusive ao câncer.
A Internet e o cultivo
No caso de Marcos*, 27 anos, a comodidade foi o que o levou ao cultivo. "Comecei a plantar porque soube de outras pessoas que plantavam em casa. Principalmente as que foram para outros países, talvez porque lá as leis sejam menos severas", conta o publicitário. A primeira tentativa foi feita de uma forma simples. "Primeiro joguei umas sementinhas na terra, e depois fui à Internet e digitei 'plantar maconha'. Pronto, apareceu lá o manual completo."
A produção independente está um passo além de outra prática popularizada nos anos 80/90, a do disk drogas. "A partir dos 25 anos, fiquei mais fresco: pagava mais para receber em casa ou pegar com um amigo na casa dele", lembra Éverton. Atualmente ele só fuma skunk, cedido por amigos que já tentaram plantar maconha. "Eles fazem, mas não dá muito certo com sementes brasileiras."
Como assinante da "High Times", o consultor em tecnologia Ricardo*, 31 anos, discorda. "Eu já tinha uma pequena literatura pessoal", ri. A revista americana é publicada mensalmente, com dicas para o cultivo, compra e sobre como agir em caso de flagrante policial. Ele acha que, ao se plantar, garante-se a qualidade. "Você sabe o que está plantando, sabe que não tem outras porcarias ali no meio." Marcos confirma. "É fácil, você pode fechar em um armário e abrir três meses depois que está pronto."
Paulo Roberto Uchôa, Secretario Nacional Antidrogas, reafirma a ilegalidade e os perigos da produção de maconha em casa. "A pessoa tem de ter muito cuidado. A política antidrogas nacional já diz que o consumidor não deve ser preso como traficante. Mas se planta, é."
"Achava errado ir atrás da maconha, ir à boca de fumo, à casa de traficante", diz Ricardo. Ele ganhou a primeira planta, já brotada, de um amigo. "Ele começou a plantar e me deu uma mudinha." Depois, ele ganhou uma semente importada, comprada pelo mesmo amigo em um site estrangeiro e entregue em casa pelo correio.
A Internet é um território praticamente livre para os interessados nesse tipo de agricultura. O Emery Seeds, cuja sede fica em Vancouver (Canadá), tem mais de 250 variedades de sementes - com preços de US$ 25 a US$ 425 por pacotes de dez sementes. Cada tipo é separado pelo tipo de cultivo que exige - ao ar livre, dentro de casa ou em estufas - ou pela "empresa" que o produz. "Não vendemos maconha, apenas as sementes para que você produza a sua", explica um texto do website.
Curiosamente, a afirmação do site canadense o coloca dentro da lei brasileira: comprar ou vender sementes de maconha não é crime. "A semente não possui o princípio ativo da droga [tetrahidrocanabinol, conhecido como THC], que está presente apenas nas folhas da planta", explica o delegado Magno.
Popularidade
Segundo o "1º Levantamento Domiciliar Sobre Uso de Drogas no Brasil", publicado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID) em 2001, a maconha é a terceira droga mais consumida no País, perdendo apenas para as legalizadas (álcool e tabaco). O estudo foi feito em cidades com mais de 200 mil habitantes, e indicou que 6,9% da população já usou a erva. Do total, 15,5% está na faixa etária entre 18 e 24 anos.
Para o deputado federal Fernando Gabeira (PT-RJ), as pessoas devem sempre se lembrar que cultivar maconha em casa tem implicações legais. "O importante é que elas saibam que é uma ação ilegal, sujeita à repreensão legal." O político, no entanto, diz entender a opção de quem planta a droga.
"Acho que de todas as drogas, a maconha é a única que pode dar uma autonomia. É a única que permite ao usuário fazer alguma coisa a respeito [da violência gerada pelo tráfico], de forma independente. Existem revistas especializadas que ensinam como fazer, e têm as técnicas". Gabeira acredita que a legalização evitaria algumas preocupações dos consumidores. "Não há violência alguma em torno da venda de vodca, que também é uma droga, mas é legal."
O estudante Juca*, de 19 anos, acha que a legalização da maconha prejudicaria o crime organizado. "Diversas vezes eu penso que comprando estou alimentando a indústria do crime, mas, se a maconha fosse liberada, isso não aconteceria." Ele nunca plantou a droga em casa, apesar de já ter considerado a hipótese. "Já pensei a respeito, só que aí entra a questão do preconceito. Se eu começar a plantar maconha em casa, meus pais não aceitariam - e ainda corro o risco de ser enquadrado como traficante."
Na opinião do secretário Uchôa, o consumo esporádico não deve levar ao plantio. "Se quiser consumir 'esportivamente' ou por curiosidade, não plante. E se está com medo, o melhor é parar. Plantar é procurar sarna para se coçar."
*Os nomes foram alterados a pedido dos entrevistados.
Fonte: http://ultimosegundo.ig.com.br/useg/brasil/artigo/0,,1219384,00.html
sábado, 31 de maio de 2003
terça-feira, 27 de maio de 2003
Viver para negar
27 de maio de 2003, The Narco News Bulletin
Luis Gómez
Chefe da Oficina Andina do Narco News.
Na segunda, dia 19 de maio, o mundo inteiro comentou a notícia: Gabriel García Márquez, o famoso escritor colombiano, havia defendido a legalização das drogas como uma solução para os conflitos gerados pelo narcotráfico e o Plano Colômbia sustentado pelos Estados Unidos.
O jornal El Colombiano, em sua edição desse dia, publicou aquilo que era uma conferência dada pelo escritor – associado com o boom literário do realismo mágico de seus romances "O outono do patriarca", "Amor em tempos de cólera", "Cem anos de solidão", "Ninguém escreve ao coronel" (que foi levado ao cinema em 1999 com Salma Hayek e outros), assim como o recente sucesso de suas memórias "Viver para contar" – por um vídeo enviado de sua casa, na cidade de México, à Universidade Antioquía, na Colômbia, que completa 200 anos de atividade acadêmica. Várias agências de notícias internacionais fizeram a cobertura do sucesso (incluindo a agência espanhola EFE e a francesa AFP) e todas diziam o mesmo: ele realmente havia dito o que havia dito…
Tanto na transmissão da TV no domingo, dia 18, como no texto do jornal El Colombiano podia-se ler a seguinte frase:
"Não é possível imaginar o fim da violência na Colômbia sem a eliminação do narcotráfico e não é imaginável o fim do narcotráfico sem a legalização da droga, mais próspera a cada instante que é mais proibida."
Bem simples e clara, a idéia expressa era, sem dúvidas, uma alegação a favor da legalização.
É um argumento que ele já havia utilizado no passado, mas agora que o autor tem 76 anos e sofre de sérios problemas de saúde, suas palavras tiveram uma importância ainda maior e fizeram com que o presidente Álvaro Uribe preferisse "não comentar" o tema.
Entretanto, enquanto o público apenas ia digerindo o significado e a importância de que um prêmio Nobel de Literatura fizesse tal afirmação, García Márquez já fazia declarações na Radio Cadena Nacional de Colombia (RCN) negando que tivesse defendido a legalização, queixando-se da falta de ética do jornalismo atual e indo mais longe no tema: "Ao contrário do que dizem os jornalistas, sou contra a legalização das drogas e contra o consumo de drogas. O que disse é que o drama colombiano consiste, precisamente, no fato de que é imaginável que se acabe com o narcotráfico sem que haja a legalização do consumo".
De fato, o texto na íntegra de García Márquez foi publicado na primeira página do jornal A Jornada em sua edição de terça-feira, dia 20, acompanhado de sua assinatura, caso houvesse alguma dúvida. Portanto, nessa terça feira, o mundo "sabia": García Márquez nunca disse o que disse, ainda que logo depois, para esclarecer, disse que "o drama colombiano consiste, precisamente, no fato de que é imaginável que se acabe com o narcotráfico sem que haja a legalização do consumo". Ou seja, o argumento a favor da legalização não existia. O que havia, na realidade, é o fato de que García Márquez não vê outra solução, ainda que não goste da idéia de legalizar as drogas.
Do real maravilhoso
"A polêmica sobre a droga não deveria seguir ligada entre a guerra e a liberdade, mas sim, trabalhar a questão pela raiz e discutir os diversos modos possíveis de administrar a legalização. Ou seja, colocar fim na guerra de interesses, desastrosa e inútil, que nos impuseram os países consumidores e enfrentar o problema das drogas no mundo como um assunto primordial de natureza ética e de caráter político, que só pode se definir com um acordo universal com os Estados Unidos. E, sem dúvida com compromissos sérios dos países consumidores para com os países produtores. Já que não seria justo, ainda que seja provável, que nós que sofremos as terríveis conseqüências da guerra não possamos depois desfrutar dos benefícios da paz. Ou seja, que não aconteça conosco o que ocorreu na Nicarágua, onde a guerra foi prioridade absoluta e a paz passou a estar no final da agenda." Adivinhem, caros leitores, quem é o autor dessas palavras. É… Gabriel García Márquez.
Em um artigo intitulado "Apuntes para un debate nuevo sobre las drogas" (Notas para um novo debate sobre as drogas), publicado na revista Cambio 16 em sua edição colombiana, no dia 29 de novembro de 1993, (mais exatamente nas páginas 67 e 68), García Márquez não somente publicou um lúcido argumento a favor da legalização, como também criticou abertamente os métodos de combate ao problema das drogas e do narcotráfico, em sua maioria impostos por Washington, "por seu presidente Ronald Reagan em 1982". Tais métodos são, afirmou sem sombra de dúvida García Márquez, "mais que a própria droga, os que causaram, complicaram ou agravaram os maiores males que recaem tanto nos países produtores como nos países produtores".
E não é aí que termina a coisa. Na mesma edição da revista Cambio 16 apareceu também um manifesto, assumido pela publicação, cuja representante na Colômbia, Patricia Lara, lançou como o início de uma campanha a favor da legalização. O texto do manifesto é na verdade a parte final do texto de García Márquez e começa assim: "A proibição fez com que o negócio da droga se tornasse mais atrativo e frutífero, fomentando a criminalidade e a corrupção em todos os níveis". Mais adiante, se repete o argumento para "administrar a legalização". O melhor é que não somente tem a assinatura de García Márquez, como também firmam o documento (na página 69 da mesma revista) Carlos Fuentes, Fernando Savater, Antonio Escohotado, Manuel Vázquez Montalbán, Joan Manuel Serrat, Terenci Moix, Xavier Rubert de Ventós, Rosa Montero, além de vários outros artistas e intelectuais de todo mundo hispânico. Uma maravilha, não é mesmo?
Um detalhe, talvez decisivo para entender o caso, é que García Márquez era e é o principal acionista da publicação (atualmente editada com o nome Cambio, que em espanhol significa Mudança). Então não seria verossímil acreditar que a editora da revista utilizou ou interpretou mal as palavras do escritor, muito menos sem seu conhecimento, não é dom Gabriel?
García Márquez, agora mais que nunca, não é somente um escritor ou um artista: é um homem de negócios, com interesses financeiros, que além de possuir uma revista internacional, está envolvido na produção de filmes e de séries de TV, entre outros negócios e projetos. Talvez isso – ou a raiva de Uribe e seus poderosos amigos estadunidenses (E o que pensarão os paramilitares sobre essa recente declaração enviada a eles e a base política de Uribe em Medelín?) – explique sua repentina e pobremente argumentada mudança de posição sobre o tema da legalização.
Vale também lembrar que, na mesma semana de novembro de 1993, em outra revista (Semana, de Bogotá) apareceu uma nota com o mesmo tema, em que Gustavo de Greiff, então Procurador Geral da Colômbia, fez afirmações semelhantes, o que ao fim lhe custou não somente a perda de seu cargo como seu visto de entrada nos Estados Unidos. De Greiff disse abertamente que "no contexto da legalização do consumo, sou um simpatizante da legalização do narcotráfico". Isso custou a De Greiff um ostracismo político, mas a uma estrela da literatura como García Márquez não impediu, por exemplo, de voltar de tempos em tempos a Washington para assistir sem contratempos as cenas organizadas pelo ex-presidente Bill Clinton. Mas isso tudo já passou, e todos sabem disso.
A noite do eclipse
O que passou na mente do outonal escritor colombiano nos últimos dez anos, as mudanças drásticas de opinião, é algo que o mundo não sabe. Mas esse domingo, 19 de maio, na Universidade de Antioquía, García Márquez parecia (pelo menos de acordo com suas palavras) o mesmo de sempre. Inclusive o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, presente no evento, evitou comentar as palavras sobre o narcotráfico de García Márquez porque, afirmou a agência EFE, "é um tema muito controverso".
Não houve necessidade de Uribe defender sua política e o Plano Colômbia, porque nem um dia havia passado quando seu conterrâneo afirmava aos quatro ventos que não, que "não disse que se deve legalizar as drogas, nem fiz semelhante proposta ao governo da Colômbia", que "não consegui fazer com que meus colegas jornalistas transcrevessem com exatidão o que digo, o que escrevo, ao invés de me atribuir declarações inverossímeis, pensamentos que não tenho e posições que detesto". Será que aos 76 anos ele já pensou melhor? Que a proibição é mais saudável em sua opinião? Por que será? Porque é impossível negar que alguma vez ele tenha se manifestado a favor da legalização, ainda que agora deteste a idéia, fazendo com que suas palavras fossem a pedra de arranque de um movimento a favor da legalização na Colômbia, ainda que agora ele não faça esse tipo de propostas.
Talvez, como é seu costume, e por isso ganha prêmios há quatro décadas, Gabriel García Márquez estava contando um conto: um com um senhor já velho e com um nariz muito grande. Ou deixou de aparecer em dez anos sem avisar ao mundo. Falar a favor da legalização em 1993 e uma década depois ser contra isso pode se ajustar ao velho ditado: "Es de sabios cambiar de opinión" (É dos sábios a mudança de opinião). Mas, a verdade é que ser a favor a proibição só ajuda os criminosos de colarinho branco. Ou, como diria García Márquez, quando propôs legalizar as drogas para acabar com as imposições dos Estados Unidos e sua guerra contra as drogas: "O problema é uma questão fundamental de ética e política", e não um conto fantástico…
Fonte: http://www.narconews.com/Issue30/artigo795.html
Luis Gómez
Chefe da Oficina Andina do Narco News.
Na segunda, dia 19 de maio, o mundo inteiro comentou a notícia: Gabriel García Márquez, o famoso escritor colombiano, havia defendido a legalização das drogas como uma solução para os conflitos gerados pelo narcotráfico e o Plano Colômbia sustentado pelos Estados Unidos.
O jornal El Colombiano, em sua edição desse dia, publicou aquilo que era uma conferência dada pelo escritor – associado com o boom literário do realismo mágico de seus romances "O outono do patriarca", "Amor em tempos de cólera", "Cem anos de solidão", "Ninguém escreve ao coronel" (que foi levado ao cinema em 1999 com Salma Hayek e outros), assim como o recente sucesso de suas memórias "Viver para contar" – por um vídeo enviado de sua casa, na cidade de México, à Universidade Antioquía, na Colômbia, que completa 200 anos de atividade acadêmica. Várias agências de notícias internacionais fizeram a cobertura do sucesso (incluindo a agência espanhola EFE e a francesa AFP) e todas diziam o mesmo: ele realmente havia dito o que havia dito…
Tanto na transmissão da TV no domingo, dia 18, como no texto do jornal El Colombiano podia-se ler a seguinte frase:
"Não é possível imaginar o fim da violência na Colômbia sem a eliminação do narcotráfico e não é imaginável o fim do narcotráfico sem a legalização da droga, mais próspera a cada instante que é mais proibida."
Bem simples e clara, a idéia expressa era, sem dúvidas, uma alegação a favor da legalização.
É um argumento que ele já havia utilizado no passado, mas agora que o autor tem 76 anos e sofre de sérios problemas de saúde, suas palavras tiveram uma importância ainda maior e fizeram com que o presidente Álvaro Uribe preferisse "não comentar" o tema.
Entretanto, enquanto o público apenas ia digerindo o significado e a importância de que um prêmio Nobel de Literatura fizesse tal afirmação, García Márquez já fazia declarações na Radio Cadena Nacional de Colombia (RCN) negando que tivesse defendido a legalização, queixando-se da falta de ética do jornalismo atual e indo mais longe no tema: "Ao contrário do que dizem os jornalistas, sou contra a legalização das drogas e contra o consumo de drogas. O que disse é que o drama colombiano consiste, precisamente, no fato de que é imaginável que se acabe com o narcotráfico sem que haja a legalização do consumo".
De fato, o texto na íntegra de García Márquez foi publicado na primeira página do jornal A Jornada em sua edição de terça-feira, dia 20, acompanhado de sua assinatura, caso houvesse alguma dúvida. Portanto, nessa terça feira, o mundo "sabia": García Márquez nunca disse o que disse, ainda que logo depois, para esclarecer, disse que "o drama colombiano consiste, precisamente, no fato de que é imaginável que se acabe com o narcotráfico sem que haja a legalização do consumo". Ou seja, o argumento a favor da legalização não existia. O que havia, na realidade, é o fato de que García Márquez não vê outra solução, ainda que não goste da idéia de legalizar as drogas.
Do real maravilhoso
"A polêmica sobre a droga não deveria seguir ligada entre a guerra e a liberdade, mas sim, trabalhar a questão pela raiz e discutir os diversos modos possíveis de administrar a legalização. Ou seja, colocar fim na guerra de interesses, desastrosa e inútil, que nos impuseram os países consumidores e enfrentar o problema das drogas no mundo como um assunto primordial de natureza ética e de caráter político, que só pode se definir com um acordo universal com os Estados Unidos. E, sem dúvida com compromissos sérios dos países consumidores para com os países produtores. Já que não seria justo, ainda que seja provável, que nós que sofremos as terríveis conseqüências da guerra não possamos depois desfrutar dos benefícios da paz. Ou seja, que não aconteça conosco o que ocorreu na Nicarágua, onde a guerra foi prioridade absoluta e a paz passou a estar no final da agenda." Adivinhem, caros leitores, quem é o autor dessas palavras. É… Gabriel García Márquez.
Em um artigo intitulado "Apuntes para un debate nuevo sobre las drogas" (Notas para um novo debate sobre as drogas), publicado na revista Cambio 16 em sua edição colombiana, no dia 29 de novembro de 1993, (mais exatamente nas páginas 67 e 68), García Márquez não somente publicou um lúcido argumento a favor da legalização, como também criticou abertamente os métodos de combate ao problema das drogas e do narcotráfico, em sua maioria impostos por Washington, "por seu presidente Ronald Reagan em 1982". Tais métodos são, afirmou sem sombra de dúvida García Márquez, "mais que a própria droga, os que causaram, complicaram ou agravaram os maiores males que recaem tanto nos países produtores como nos países produtores".
E não é aí que termina a coisa. Na mesma edição da revista Cambio 16 apareceu também um manifesto, assumido pela publicação, cuja representante na Colômbia, Patricia Lara, lançou como o início de uma campanha a favor da legalização. O texto do manifesto é na verdade a parte final do texto de García Márquez e começa assim: "A proibição fez com que o negócio da droga se tornasse mais atrativo e frutífero, fomentando a criminalidade e a corrupção em todos os níveis". Mais adiante, se repete o argumento para "administrar a legalização". O melhor é que não somente tem a assinatura de García Márquez, como também firmam o documento (na página 69 da mesma revista) Carlos Fuentes, Fernando Savater, Antonio Escohotado, Manuel Vázquez Montalbán, Joan Manuel Serrat, Terenci Moix, Xavier Rubert de Ventós, Rosa Montero, além de vários outros artistas e intelectuais de todo mundo hispânico. Uma maravilha, não é mesmo?
Um detalhe, talvez decisivo para entender o caso, é que García Márquez era e é o principal acionista da publicação (atualmente editada com o nome Cambio, que em espanhol significa Mudança). Então não seria verossímil acreditar que a editora da revista utilizou ou interpretou mal as palavras do escritor, muito menos sem seu conhecimento, não é dom Gabriel?
García Márquez, agora mais que nunca, não é somente um escritor ou um artista: é um homem de negócios, com interesses financeiros, que além de possuir uma revista internacional, está envolvido na produção de filmes e de séries de TV, entre outros negócios e projetos. Talvez isso – ou a raiva de Uribe e seus poderosos amigos estadunidenses (E o que pensarão os paramilitares sobre essa recente declaração enviada a eles e a base política de Uribe em Medelín?) – explique sua repentina e pobremente argumentada mudança de posição sobre o tema da legalização.
Vale também lembrar que, na mesma semana de novembro de 1993, em outra revista (Semana, de Bogotá) apareceu uma nota com o mesmo tema, em que Gustavo de Greiff, então Procurador Geral da Colômbia, fez afirmações semelhantes, o que ao fim lhe custou não somente a perda de seu cargo como seu visto de entrada nos Estados Unidos. De Greiff disse abertamente que "no contexto da legalização do consumo, sou um simpatizante da legalização do narcotráfico". Isso custou a De Greiff um ostracismo político, mas a uma estrela da literatura como García Márquez não impediu, por exemplo, de voltar de tempos em tempos a Washington para assistir sem contratempos as cenas organizadas pelo ex-presidente Bill Clinton. Mas isso tudo já passou, e todos sabem disso.
A noite do eclipse
O que passou na mente do outonal escritor colombiano nos últimos dez anos, as mudanças drásticas de opinião, é algo que o mundo não sabe. Mas esse domingo, 19 de maio, na Universidade de Antioquía, García Márquez parecia (pelo menos de acordo com suas palavras) o mesmo de sempre. Inclusive o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, presente no evento, evitou comentar as palavras sobre o narcotráfico de García Márquez porque, afirmou a agência EFE, "é um tema muito controverso".
Não houve necessidade de Uribe defender sua política e o Plano Colômbia, porque nem um dia havia passado quando seu conterrâneo afirmava aos quatro ventos que não, que "não disse que se deve legalizar as drogas, nem fiz semelhante proposta ao governo da Colômbia", que "não consegui fazer com que meus colegas jornalistas transcrevessem com exatidão o que digo, o que escrevo, ao invés de me atribuir declarações inverossímeis, pensamentos que não tenho e posições que detesto". Será que aos 76 anos ele já pensou melhor? Que a proibição é mais saudável em sua opinião? Por que será? Porque é impossível negar que alguma vez ele tenha se manifestado a favor da legalização, ainda que agora deteste a idéia, fazendo com que suas palavras fossem a pedra de arranque de um movimento a favor da legalização na Colômbia, ainda que agora ele não faça esse tipo de propostas.
Talvez, como é seu costume, e por isso ganha prêmios há quatro décadas, Gabriel García Márquez estava contando um conto: um com um senhor já velho e com um nariz muito grande. Ou deixou de aparecer em dez anos sem avisar ao mundo. Falar a favor da legalização em 1993 e uma década depois ser contra isso pode se ajustar ao velho ditado: "Es de sabios cambiar de opinión" (É dos sábios a mudança de opinião). Mas, a verdade é que ser a favor a proibição só ajuda os criminosos de colarinho branco. Ou, como diria García Márquez, quando propôs legalizar as drogas para acabar com as imposições dos Estados Unidos e sua guerra contra as drogas: "O problema é uma questão fundamental de ética e política", e não um conto fantástico…
Fonte: http://www.narconews.com/Issue30/artigo795.html
terça-feira, 20 de maio de 2003
Perito estadunidense traz o "reefer madness" para o Brasil
20 de maio de 2003, The Narco News Bulletin
Al Giordano
Especial para The Narco News Bulletin.
16 de maio de 2003, Rio de Janeiro, Brasil. Na medida em que o país se move em direção a uma política de drogas mais humana e democrática, os interesses - liderados pelo lobby do "tratamento de drogas" - estão tentando desesperadamente fazer com que a lei volte à era do fogo. A tática utilizada por esses primatas da política de drogas vem em forma de falsas afirmações sobre a maconha em esforços de "tratar" os usuários.
Ainda que centenas de críticos da guerra das drogas tenham se encontrado no Rio de Janeiro no evento - co-patrocinado pelo Narco News - da sexta feira passada, um defensor do "tratamento dos usuários de maconha", aliado ao governo estadunidense, chegou em São Paulo para promover sua indústria: "Tratamento" para usuários de maconha.
Entre as claras falsas declarações feitas pela organização do Fórum intitulado "Avanços no tratamento de usuários de maconha" que ocorreu na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) estava, de acordo com o jornal O Estado de São Paulo, que o uso de maconha causa "insônia, náusea, dor muscular, ansiedade, nervosismo, suor, diarréia, perda de apetite e intenso desejo de usar a droga".
Essas afirmações bizarras já não colam mais nos Estados Unidos, onde foram praticadas durante anos pelos promotores da política proibicionista, mas que foram desmascaradas posteriormente em jornais médicos e por sérios profissionais de saúde. Na verdade, as afirmações feitas no Brasil essa semana - de que o uso de maconha causa insônia, perda de apetite e dores musculares - são totalmente contrárias ao consenso de médicos, de pesquisadores e de oficiais de saúde dos Estados Unidos e de muitos outros lugares que prescrevem a maconha como uma medicina efetiva para aliviar a falta de apetite, a insônia e a dor muscular.
A verdade nua e crua - e a forma com que o lobby das clínicas terapêuticas está mentindo sobre ela no Brasil - faz com que o professor Robert Stephens, do Instituto Politécnico da Virgínia, seja convidado especial no Fórum que ocorre em São Paulo (esse professor faz parte de um grupo que se chama "Projeto de Tratamento de Maconha"), fato que deveria ser desprezado pelos que pagam impostos nos Estados Unidos e pela sociedade civil brasileira.
A matéria publicada na sexta feira no jornal O Estado de São Paulo, escrita por alguém que se chama Renato Lombardi, também promovia "a efetividade de um tratamento breve para usuários de maconha", assim como "a primeira clinica especializada em dependentes de maconha", clinica esta que, aparentemente, de acordo com o jornal, está buscando maconheiros para dar-lhes "tratamento".
Onde há fumaça há fatos
As afirmações feitas essa semana pelo lobby das clinicas de tratamento no Brasil foram rechaçadas vigorosamente por sérios jornais e profissionais de saúde nos Estados Unidos, Europa, Austrália e no resto do mundo, onde substancialmente se afirmou:
● A maconha é reconhecida, em sérias práticas médicas, como um sedativo, não um estimulante, o que significa que ela induz e não impede o sono entre seus usuários.
● A maconha é uma medicina efetiva contra náuseas, particularmente para pacientes de câncer que sofrem de náusea como conseqüência da quimioterapia ou da radioterapia, assim como para pacientes com AIDS que tomam remédios legais que induzem a náusea.
● A maconha é uma medicina efetiva para combater o espasmo muscular, relaxando a dor muscular de pacientes que sofrem de diversas escleroses e sérias debilidades físicas.
● A maconha é um calmante, não uma droga que causa ansiedade ou fissura.
● A maconha estimula o apetite (o que os maconheiros chamam de "larica", é o fenômeno de apetite).
O Reefer Madness dos anos 30 - a desonesta campanha pública de filmes e jornalismo vendida para amedrontar a população estadunidense, que dizia que a maconha faria com que os negros e mexicanos estuprassem meninas brancas e difundiriam a marginalidade, como um prelúdio da lei que proibiu seu uso em 1937 - está sendo ressuscitada no Brasil como uma última jogada de desespero patrocinada pelos Estados Unidos para amedrontar e preocupar famílias que vivem abaixo da linha do Equador e fazer com que elas estejam contra as reformas da política de drogas que ocorrem.
Pior ainda, essa tática surreal do medo também está sendo usada para promover uma indústria - as clínicas de tratamento - e, particularmente, está promovendo os serviços de "tratamento para maconha".
Que motivo, caro leitor, poderia alguém ter para afirmar exatamente o oposto dos fatos nesse momento histórico no Brasil?
Como diria o Homer Simpson: "dãã!"
A "simpsonatização" da guerra das drogas
Não foi um bom começo de século para nosso "especialista" que visita o Brasil, Robert Stephens, e sua campanha para forçar o "tratamento de usuários de maconha" nos Estados Unidos. Não é à toa que agora ele está fazendo com que o Brasil importe esse projeto. Talvez ele tenha achado que seria menos vaiado por aqui.
Robert Stephens foi co-autor de uma reportagem de 2002, publicada no Jornal da Associação Médica Estadunidense (JAMA, em suas iniciais em inglês), intitulado "Cognitive functioning of long-term heavy cannabis users seeking treatment". Até aí, tudo bem. Para o professor Stephens era um bom começo de careira ter algo publicado pelo prestigioso Jornal da Associação Médica Estadunidense… Mas, esperem…
Como observado pelo Semanário de Abuso de Drogas e Alcoolismo (Alcohol and Drug Abuse Weekly), o Jornal da Associação Médica Estadunidense recusou-se a publicar outra reportagem de Stephens sobre o mesmo assunto:
"Com um editorial acompanhando o estudo, Harrison G. Pope Jr., M.D., do Laboratório de Psiquiatria Biológica da Universidade de Harvard, que tem um hospital afiliado em Belmont, Massachussets, escreveu que os resultados daquela pesquisa precisavam ser comparados com outros. Ele disse que um estudo anterior não encontrou deficiências cognitivas em sete das oito áreas neuropsicológicas de habilidade de usuários de maconha."
O Dr. Harrison, de Harvard, logo após apontou - no editorial do Jornal da Associação Médica Estadunidense - que Stephens "não havia levado em conta o fato de que algumas dessas pessoas deveriam sofrer de ansiedade e outras desordens depressivas, ou então, utilizavam outras drogas recomendadas por médicos que poderiam ter causado tal resultado". Quarenta e sete por cento dos usuários de maconha do estudo possuíam uma história regular de consumo ou dependência de outras drogas, fato que não foi observado no estudo, disse o Dr. Harrison, de acordo com o Semanário de Abuso de Drogas e Alcoolismo (Alcoholism and Drug Abuse Weekly). "Dr. Harrison também disse que os pesquisadores não ajustaram o estudo para os gêneros e fizeram sua análise somente levando em conta parcialmente a questão da idade."
Stephens e companhia escreveram cartas maldosas para o Jornal da Associação Médica Estadunidense rebatendo as criticas do Dr. Harrison, mas a "redução de danos" da verdade contra a mentira já havia prevenido a medicina estadunidense do veneno de Stephens. (Se o titânico projeto de tratamento de usuários de maconha de Stephens vai ser aceito pelo Jornal da Associação Médica Estadunidense tendo impacto sobre os próximos financiamentos do governo destinados ao Centro de Abuso de Substâncias - esse departamento de Saúde e Serviços humanos dá, de acordo com o balanço da própria instituição, 1,4 bilhão de dólares por ano - está para ser visto. Perceba que o governo estadunidense permitiu que os fatos entrassem de uma forma vantajosa para ele na campanha de promoção da guerra das drogas).
Agora, o promotor do projeto de tratamento de usuários de maconha veio para o Brasil com sua campanha bizarra.
No dia 17 de maio de 2002 havia uma coluna no Seattle Times co-autorada por Roger A. Roffman, em que Stephens se baseou em uma figura mundialmente conhecida para seguir com sua campanha para colocar usuários de maconha em tratamento: Homer Simpson (Não caros leitores, Jayson Blair e Howell Raines não se juntaram à equipe do Narco News; não estamos inventando isso). A coluna de Stephens e Roffman tinha como título "Foi o Homer para a maconha?" ("Did Homer Go to Pot?").
Eles escreveram:
"Um recente episódio do desenho ‘Os Simpsons’ colocou em questão os prós e os contras do uso de maconha e as experiências de Homer Simpson provêem um exemplo do que queremos dizer."
Advertência: continuar lendo a prosa de Stephens pode causar, para alguns leitores, uma experiência alucinógena, provocando risadas incontroláveis. Não beba água ou qualquer outro tipo de líquido porque a bebida pode descer de seu nariz, molhando seu computador, causando um choque elétrico que pode danificar o disco rígido de seu computador.
Aqui, mais algumas frases do discurso escolar de Stephen, que extrapola a experiência de um personagem de desenho inexistente, Homer Simpson, para tirar conclusões sobre os maconheiros da vida real:
"Após ser atacado por corvos nervosos, Homer recebeu a receita médica de maconha para a dor e os ferimentos nos olhos. Adicionalmente ao alívio da dor, Homer passou a admirar a música de uma forma diferente, assim como a comida e uma variedade de experiências sensoriais como resultado do uso de maconha. Ele estava mais relaxado e aproveitava a vida como nunca antes…"
"Homer ficou preocupado com o fato de estar fumando maconha e alguns efeitos não tão positivos começaram a surgir. Ele passava mais tempo com outros usuários do que com sua família. Seus amigos o achavam 'desligado' e perceberam mudanças em sua personalidade. Ainda assim, Homer continuou a trabalhar normalmente e de fato algumas pessoas gostavam mais dele."
"Finalmente, os problemas com a memória e a atenção ficaram mais evidentes quando Homer e outros usuários esqueceram do dia e horário de uma manifestação pró-maconha um dia antes de uma importante votação sobre se o uso de maconha com finalidades médicas deveria ser permitido. Talvez um pouco exagerado, mas claramente há custos do uso de maconha parecidos com os que são experimentados no dia-a-dia de verdadeiros usuários."
Stephens e Roffman nos dão uma dica de como são suas atitudes e estratégias sobre como discutir o uso de maconha:
"Não deveria nos surpreender o fato de que há um lado positivo no uso de maconha. Afinal de contas, porque as pessoas fumariam a erva? Também não nos surpreende que a educação sobre drogas geralmente dá ênfase aos efeitos negativos do uso. Algumas pessoas acreditam que falar sobre os efeitos positivos das drogas pode encorajar mais pessoas a começarem a usar a droga e levá-los aos efeitos negativos de longo prazo."
Então eles convidam o leitor para consumir seu produto, algo chamado de "O check-up da maconha", que sabemos é fundamentado pelo governo dos Estados Unidos:
"Vemos muitos usuários de maconha adultos que estão em conflito com os custos e benefícios do uso de maconha, assim como os prós e os contras de parar ou da redução do uso. Os vemos como participantes de uma pesquisa na Universidade de Washington, financiada pelo Instituto Nacional de Abuso de Drogas. Até hoje, 129 pessoas se juntaram ao projeto, chamado de 'O check-up da maconha'."
São 129 usuários de maconha… mais Homer Simpson… que Stephens cita para documentar suas afirmações que fizeram nascer a indústria do tratamento da maconha.
Enquanto isso, em um país chamado Brasil…
A caça de maconheiros
A mídia comercial tenta induzir a histeria pública sobre o uso de drogas nesse histórico momento do Brasil que surge como um filme noir, como a jornalista autêntica Karine Muller notificou nessas páginas em março. Agora Renato Lombardi de O Estado de São Paulo adicionou seu comentário em serviço da desinformação.
"Brasil é um dos maiores consumidores de maconha" é a manchete. A chamada convida para o show: "Encontro reúne especialistas para discutir avanço no tratamento da droga".
O Brasil, de fato, é um dos países onde há um grande número de maconheiros, ainda que esteja longe de atingir a marca do consumo dos Estados Unidos, mesmo com a indústria de tratamento do professor Stephens. Mas, diferentemente dos Estados Unidos, o Brasil não exporta maconha para outros países. "O plantio de maconha no Brasil é consumido aqui mesmo", observou o líder sindical Eraldo José de Souza, no fórum de sexta feira que aconteceu no Rio de Janeiro. (O fato de que o Brasil não exporta maconha, ou nenhuma outra droga para os Estados Unidos também levanta a questão: que diabos a Administração de Drogas Estadunidense (DEA em inglês) está fazendo no Brasil? Essa questão vai ser levada em conta em uma próxima reportagem do Narco News.)
A matéria de Renato Lombardi publicada no O Estado de São Paulo começa com uma única afirmação verdadeira - que o Brasil é o número dois do mundo em números de maconheiros - mas imediatamente depois se deteriora na mitologia. Nos diz que "uma pesquisa da Organização das Nações Unidas (ONU) revela que o brasileiro está entre os maiores consumidores de maconha do mundo". Nos diz que outro estudo (os nomes e detalhes desse estudo não são citados) "revelou que 26%" de estudantes universitários de São Paulo usam maconha e que "no caso dos estudantes do 1º e 2º graus, 4% admitiram terem experimentado maconha pelo menos uma vez".
E a matéria segue:
"Num trabalho preparado sobre a maconha, o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), revela que a droga provoca dependência e causa danos à saúde. ‘A pessoa sente insônia, náusea, dores musculares, ansiedade, inquietação, suor, diarréia, falta de apetite e vontade intensa de usar a droga’, diz Laranjeira."
E o jornal nos informa que Laranjeira estaria no fórum de sexta feira passada, com a União de Estudos Sobre o Álcool e as Drogas (UNIAD), na universidade federal, com a presença do próprio "Laranjeira e outros seis maiores especialistas brasileiros no assunto".
O convidado especial dessa homenagem alega "avanços" no "tratamento de usuários de maconha". Ele é o especialista que vem de fora: Professor Robert Stephens, que "escreveu artigos sobre tratamento da maconha e vai falar sobre o Marijuana Treatment Project (MTP), um estudo americano multidisciplinar para testar a efetividade de tratamentos breves para usuários da droga. Stephens é o criador da escola para problemas com a maconha".
Maravilhoso, caro leitor, Stephens tem um "projeto" e uma "escola", mas também é apresentado com alguém que "testa a efetividade" de seus próprios projetos!
Renato Lombardi, de O Estado de São Paulo, nos informa então que "a UNIAD criou, em 2000, o primeiro ambulatório destinado aos dependentes de maconha, separado do atendimento prestado aos dependentes de cocaína e álcool".
Ao explicar a diferença entre usuários de maconha, "dependentes" e outros usuários de drogas, Flávia Jungerman coordenadora da clinica, é citada falando: "Dificilmente um dependente de maconha vai roubar um carro para comprar a droga, como é comum acontecer com dependentes de cocaína". De acordo com ela, "o consumidor de maconha vai mal na escola, não consegue trabalhar e tem dificuldade de concentração". (Isso na mesma matéria que fala que 26% dos estudantes da universidade local - isto é, gente que foi bem na escola e pode entrar na universidade - fuma maconha!)
Aparentemente, de acordo com Lombardi de O Estado de São Paulo, o programa brasileiro é ainda mais famoso do que o programa de Stephens nos Estados Unidos, que tem 129 pacientes: desde sua inauguração em 2000, a clinica brasileira atraiu mais de "300 pacientes". Isso é, cerca de dez por mês.
Mas o perigo maior que se pode encontrar entre esses usuários de maconha também é citado no artigo: "Dos que procuraram a UNIAD, 44% tiveram algum contato com a polícia."
Portanto, como um desonesto especialista estadunidense e seus aliados paulistas promovem sua indústria de "tratamento do uso da maconha", nos encontramos novamente no ponto inicial: o verdadeiro problema é que a maconha é ilegal e leva, de acordo com os mesmos especialistas de "tratamento", quatro entre nove usuários "ao contato com a polícia".
Como a juíza Maria Lúcia Karam, presidindo o fórum de sexta feira no Rio de Janeiro, declarou em seu veredicto, há um crime sendo cometido e um culpado para ser buscado: "O Estado," ela declarou, "é culpado."
E um dos principais culpados desse crime é o lobby do tratamento de drogas, viciado no financiamento do governo para levar adiante seu terrorismo chamado de Justiça Terapêutica, um terror fabricado nos Estados Unidos, que agora tem sua divisão de "tratamento de maconha" sendo exportada, como outros produtos que já não possuem aceitação nos Estados Unidos, para o Brasil.
Fonte: http://www.narconews.com/Issue30/artigo786.html
Al Giordano
Especial para The Narco News Bulletin.
16 de maio de 2003, Rio de Janeiro, Brasil. Na medida em que o país se move em direção a uma política de drogas mais humana e democrática, os interesses - liderados pelo lobby do "tratamento de drogas" - estão tentando desesperadamente fazer com que a lei volte à era do fogo. A tática utilizada por esses primatas da política de drogas vem em forma de falsas afirmações sobre a maconha em esforços de "tratar" os usuários.
Ainda que centenas de críticos da guerra das drogas tenham se encontrado no Rio de Janeiro no evento - co-patrocinado pelo Narco News - da sexta feira passada, um defensor do "tratamento dos usuários de maconha", aliado ao governo estadunidense, chegou em São Paulo para promover sua indústria: "Tratamento" para usuários de maconha.
Entre as claras falsas declarações feitas pela organização do Fórum intitulado "Avanços no tratamento de usuários de maconha" que ocorreu na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) estava, de acordo com o jornal O Estado de São Paulo, que o uso de maconha causa "insônia, náusea, dor muscular, ansiedade, nervosismo, suor, diarréia, perda de apetite e intenso desejo de usar a droga".
Essas afirmações bizarras já não colam mais nos Estados Unidos, onde foram praticadas durante anos pelos promotores da política proibicionista, mas que foram desmascaradas posteriormente em jornais médicos e por sérios profissionais de saúde. Na verdade, as afirmações feitas no Brasil essa semana - de que o uso de maconha causa insônia, perda de apetite e dores musculares - são totalmente contrárias ao consenso de médicos, de pesquisadores e de oficiais de saúde dos Estados Unidos e de muitos outros lugares que prescrevem a maconha como uma medicina efetiva para aliviar a falta de apetite, a insônia e a dor muscular.
A verdade nua e crua - e a forma com que o lobby das clínicas terapêuticas está mentindo sobre ela no Brasil - faz com que o professor Robert Stephens, do Instituto Politécnico da Virgínia, seja convidado especial no Fórum que ocorre em São Paulo (esse professor faz parte de um grupo que se chama "Projeto de Tratamento de Maconha"), fato que deveria ser desprezado pelos que pagam impostos nos Estados Unidos e pela sociedade civil brasileira.
A matéria publicada na sexta feira no jornal O Estado de São Paulo, escrita por alguém que se chama Renato Lombardi, também promovia "a efetividade de um tratamento breve para usuários de maconha", assim como "a primeira clinica especializada em dependentes de maconha", clinica esta que, aparentemente, de acordo com o jornal, está buscando maconheiros para dar-lhes "tratamento".
Onde há fumaça há fatos
As afirmações feitas essa semana pelo lobby das clinicas de tratamento no Brasil foram rechaçadas vigorosamente por sérios jornais e profissionais de saúde nos Estados Unidos, Europa, Austrália e no resto do mundo, onde substancialmente se afirmou:
● A maconha é reconhecida, em sérias práticas médicas, como um sedativo, não um estimulante, o que significa que ela induz e não impede o sono entre seus usuários.
● A maconha é uma medicina efetiva contra náuseas, particularmente para pacientes de câncer que sofrem de náusea como conseqüência da quimioterapia ou da radioterapia, assim como para pacientes com AIDS que tomam remédios legais que induzem a náusea.
● A maconha é uma medicina efetiva para combater o espasmo muscular, relaxando a dor muscular de pacientes que sofrem de diversas escleroses e sérias debilidades físicas.
● A maconha é um calmante, não uma droga que causa ansiedade ou fissura.
● A maconha estimula o apetite (o que os maconheiros chamam de "larica", é o fenômeno de apetite).
O Reefer Madness dos anos 30 - a desonesta campanha pública de filmes e jornalismo vendida para amedrontar a população estadunidense, que dizia que a maconha faria com que os negros e mexicanos estuprassem meninas brancas e difundiriam a marginalidade, como um prelúdio da lei que proibiu seu uso em 1937 - está sendo ressuscitada no Brasil como uma última jogada de desespero patrocinada pelos Estados Unidos para amedrontar e preocupar famílias que vivem abaixo da linha do Equador e fazer com que elas estejam contra as reformas da política de drogas que ocorrem.
Pior ainda, essa tática surreal do medo também está sendo usada para promover uma indústria - as clínicas de tratamento - e, particularmente, está promovendo os serviços de "tratamento para maconha".
Que motivo, caro leitor, poderia alguém ter para afirmar exatamente o oposto dos fatos nesse momento histórico no Brasil?
Como diria o Homer Simpson: "dãã!"
A "simpsonatização" da guerra das drogas
Não foi um bom começo de século para nosso "especialista" que visita o Brasil, Robert Stephens, e sua campanha para forçar o "tratamento de usuários de maconha" nos Estados Unidos. Não é à toa que agora ele está fazendo com que o Brasil importe esse projeto. Talvez ele tenha achado que seria menos vaiado por aqui.
Robert Stephens foi co-autor de uma reportagem de 2002, publicada no Jornal da Associação Médica Estadunidense (JAMA, em suas iniciais em inglês), intitulado "Cognitive functioning of long-term heavy cannabis users seeking treatment". Até aí, tudo bem. Para o professor Stephens era um bom começo de careira ter algo publicado pelo prestigioso Jornal da Associação Médica Estadunidense… Mas, esperem…
Como observado pelo Semanário de Abuso de Drogas e Alcoolismo (Alcohol and Drug Abuse Weekly), o Jornal da Associação Médica Estadunidense recusou-se a publicar outra reportagem de Stephens sobre o mesmo assunto:
"Com um editorial acompanhando o estudo, Harrison G. Pope Jr., M.D., do Laboratório de Psiquiatria Biológica da Universidade de Harvard, que tem um hospital afiliado em Belmont, Massachussets, escreveu que os resultados daquela pesquisa precisavam ser comparados com outros. Ele disse que um estudo anterior não encontrou deficiências cognitivas em sete das oito áreas neuropsicológicas de habilidade de usuários de maconha."
O Dr. Harrison, de Harvard, logo após apontou - no editorial do Jornal da Associação Médica Estadunidense - que Stephens "não havia levado em conta o fato de que algumas dessas pessoas deveriam sofrer de ansiedade e outras desordens depressivas, ou então, utilizavam outras drogas recomendadas por médicos que poderiam ter causado tal resultado". Quarenta e sete por cento dos usuários de maconha do estudo possuíam uma história regular de consumo ou dependência de outras drogas, fato que não foi observado no estudo, disse o Dr. Harrison, de acordo com o Semanário de Abuso de Drogas e Alcoolismo (Alcoholism and Drug Abuse Weekly). "Dr. Harrison também disse que os pesquisadores não ajustaram o estudo para os gêneros e fizeram sua análise somente levando em conta parcialmente a questão da idade."
Stephens e companhia escreveram cartas maldosas para o Jornal da Associação Médica Estadunidense rebatendo as criticas do Dr. Harrison, mas a "redução de danos" da verdade contra a mentira já havia prevenido a medicina estadunidense do veneno de Stephens. (Se o titânico projeto de tratamento de usuários de maconha de Stephens vai ser aceito pelo Jornal da Associação Médica Estadunidense tendo impacto sobre os próximos financiamentos do governo destinados ao Centro de Abuso de Substâncias - esse departamento de Saúde e Serviços humanos dá, de acordo com o balanço da própria instituição, 1,4 bilhão de dólares por ano - está para ser visto. Perceba que o governo estadunidense permitiu que os fatos entrassem de uma forma vantajosa para ele na campanha de promoção da guerra das drogas).
Agora, o promotor do projeto de tratamento de usuários de maconha veio para o Brasil com sua campanha bizarra.
No dia 17 de maio de 2002 havia uma coluna no Seattle Times co-autorada por Roger A. Roffman, em que Stephens se baseou em uma figura mundialmente conhecida para seguir com sua campanha para colocar usuários de maconha em tratamento: Homer Simpson (Não caros leitores, Jayson Blair e Howell Raines não se juntaram à equipe do Narco News; não estamos inventando isso). A coluna de Stephens e Roffman tinha como título "Foi o Homer para a maconha?" ("Did Homer Go to Pot?").
Eles escreveram:
"Um recente episódio do desenho ‘Os Simpsons’ colocou em questão os prós e os contras do uso de maconha e as experiências de Homer Simpson provêem um exemplo do que queremos dizer."
Advertência: continuar lendo a prosa de Stephens pode causar, para alguns leitores, uma experiência alucinógena, provocando risadas incontroláveis. Não beba água ou qualquer outro tipo de líquido porque a bebida pode descer de seu nariz, molhando seu computador, causando um choque elétrico que pode danificar o disco rígido de seu computador.
Aqui, mais algumas frases do discurso escolar de Stephen, que extrapola a experiência de um personagem de desenho inexistente, Homer Simpson, para tirar conclusões sobre os maconheiros da vida real:
"Após ser atacado por corvos nervosos, Homer recebeu a receita médica de maconha para a dor e os ferimentos nos olhos. Adicionalmente ao alívio da dor, Homer passou a admirar a música de uma forma diferente, assim como a comida e uma variedade de experiências sensoriais como resultado do uso de maconha. Ele estava mais relaxado e aproveitava a vida como nunca antes…"
"Homer ficou preocupado com o fato de estar fumando maconha e alguns efeitos não tão positivos começaram a surgir. Ele passava mais tempo com outros usuários do que com sua família. Seus amigos o achavam 'desligado' e perceberam mudanças em sua personalidade. Ainda assim, Homer continuou a trabalhar normalmente e de fato algumas pessoas gostavam mais dele."
"Finalmente, os problemas com a memória e a atenção ficaram mais evidentes quando Homer e outros usuários esqueceram do dia e horário de uma manifestação pró-maconha um dia antes de uma importante votação sobre se o uso de maconha com finalidades médicas deveria ser permitido. Talvez um pouco exagerado, mas claramente há custos do uso de maconha parecidos com os que são experimentados no dia-a-dia de verdadeiros usuários."
Stephens e Roffman nos dão uma dica de como são suas atitudes e estratégias sobre como discutir o uso de maconha:
"Não deveria nos surpreender o fato de que há um lado positivo no uso de maconha. Afinal de contas, porque as pessoas fumariam a erva? Também não nos surpreende que a educação sobre drogas geralmente dá ênfase aos efeitos negativos do uso. Algumas pessoas acreditam que falar sobre os efeitos positivos das drogas pode encorajar mais pessoas a começarem a usar a droga e levá-los aos efeitos negativos de longo prazo."
Então eles convidam o leitor para consumir seu produto, algo chamado de "O check-up da maconha", que sabemos é fundamentado pelo governo dos Estados Unidos:
"Vemos muitos usuários de maconha adultos que estão em conflito com os custos e benefícios do uso de maconha, assim como os prós e os contras de parar ou da redução do uso. Os vemos como participantes de uma pesquisa na Universidade de Washington, financiada pelo Instituto Nacional de Abuso de Drogas. Até hoje, 129 pessoas se juntaram ao projeto, chamado de 'O check-up da maconha'."
São 129 usuários de maconha… mais Homer Simpson… que Stephens cita para documentar suas afirmações que fizeram nascer a indústria do tratamento da maconha.
Enquanto isso, em um país chamado Brasil…
A caça de maconheiros
A mídia comercial tenta induzir a histeria pública sobre o uso de drogas nesse histórico momento do Brasil que surge como um filme noir, como a jornalista autêntica Karine Muller notificou nessas páginas em março. Agora Renato Lombardi de O Estado de São Paulo adicionou seu comentário em serviço da desinformação.
"Brasil é um dos maiores consumidores de maconha" é a manchete. A chamada convida para o show: "Encontro reúne especialistas para discutir avanço no tratamento da droga".
O Brasil, de fato, é um dos países onde há um grande número de maconheiros, ainda que esteja longe de atingir a marca do consumo dos Estados Unidos, mesmo com a indústria de tratamento do professor Stephens. Mas, diferentemente dos Estados Unidos, o Brasil não exporta maconha para outros países. "O plantio de maconha no Brasil é consumido aqui mesmo", observou o líder sindical Eraldo José de Souza, no fórum de sexta feira que aconteceu no Rio de Janeiro. (O fato de que o Brasil não exporta maconha, ou nenhuma outra droga para os Estados Unidos também levanta a questão: que diabos a Administração de Drogas Estadunidense (DEA em inglês) está fazendo no Brasil? Essa questão vai ser levada em conta em uma próxima reportagem do Narco News.)
A matéria de Renato Lombardi publicada no O Estado de São Paulo começa com uma única afirmação verdadeira - que o Brasil é o número dois do mundo em números de maconheiros - mas imediatamente depois se deteriora na mitologia. Nos diz que "uma pesquisa da Organização das Nações Unidas (ONU) revela que o brasileiro está entre os maiores consumidores de maconha do mundo". Nos diz que outro estudo (os nomes e detalhes desse estudo não são citados) "revelou que 26%" de estudantes universitários de São Paulo usam maconha e que "no caso dos estudantes do 1º e 2º graus, 4% admitiram terem experimentado maconha pelo menos uma vez".
E a matéria segue:
"Num trabalho preparado sobre a maconha, o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), revela que a droga provoca dependência e causa danos à saúde. ‘A pessoa sente insônia, náusea, dores musculares, ansiedade, inquietação, suor, diarréia, falta de apetite e vontade intensa de usar a droga’, diz Laranjeira."
E o jornal nos informa que Laranjeira estaria no fórum de sexta feira passada, com a União de Estudos Sobre o Álcool e as Drogas (UNIAD), na universidade federal, com a presença do próprio "Laranjeira e outros seis maiores especialistas brasileiros no assunto".
O convidado especial dessa homenagem alega "avanços" no "tratamento de usuários de maconha". Ele é o especialista que vem de fora: Professor Robert Stephens, que "escreveu artigos sobre tratamento da maconha e vai falar sobre o Marijuana Treatment Project (MTP), um estudo americano multidisciplinar para testar a efetividade de tratamentos breves para usuários da droga. Stephens é o criador da escola para problemas com a maconha".
Maravilhoso, caro leitor, Stephens tem um "projeto" e uma "escola", mas também é apresentado com alguém que "testa a efetividade" de seus próprios projetos!
Renato Lombardi, de O Estado de São Paulo, nos informa então que "a UNIAD criou, em 2000, o primeiro ambulatório destinado aos dependentes de maconha, separado do atendimento prestado aos dependentes de cocaína e álcool".
Ao explicar a diferença entre usuários de maconha, "dependentes" e outros usuários de drogas, Flávia Jungerman coordenadora da clinica, é citada falando: "Dificilmente um dependente de maconha vai roubar um carro para comprar a droga, como é comum acontecer com dependentes de cocaína". De acordo com ela, "o consumidor de maconha vai mal na escola, não consegue trabalhar e tem dificuldade de concentração". (Isso na mesma matéria que fala que 26% dos estudantes da universidade local - isto é, gente que foi bem na escola e pode entrar na universidade - fuma maconha!)
Aparentemente, de acordo com Lombardi de O Estado de São Paulo, o programa brasileiro é ainda mais famoso do que o programa de Stephens nos Estados Unidos, que tem 129 pacientes: desde sua inauguração em 2000, a clinica brasileira atraiu mais de "300 pacientes". Isso é, cerca de dez por mês.
Mas o perigo maior que se pode encontrar entre esses usuários de maconha também é citado no artigo: "Dos que procuraram a UNIAD, 44% tiveram algum contato com a polícia."
Portanto, como um desonesto especialista estadunidense e seus aliados paulistas promovem sua indústria de "tratamento do uso da maconha", nos encontramos novamente no ponto inicial: o verdadeiro problema é que a maconha é ilegal e leva, de acordo com os mesmos especialistas de "tratamento", quatro entre nove usuários "ao contato com a polícia".
Como a juíza Maria Lúcia Karam, presidindo o fórum de sexta feira no Rio de Janeiro, declarou em seu veredicto, há um crime sendo cometido e um culpado para ser buscado: "O Estado," ela declarou, "é culpado."
E um dos principais culpados desse crime é o lobby do tratamento de drogas, viciado no financiamento do governo para levar adiante seu terrorismo chamado de Justiça Terapêutica, um terror fabricado nos Estados Unidos, que agora tem sua divisão de "tratamento de maconha" sendo exportada, como outros produtos que já não possuem aceitação nos Estados Unidos, para o Brasil.
Fonte: http://www.narconews.com/Issue30/artigo786.html
domingo, 18 de maio de 2003
Drogas ilícitas e globalização
18 de maio de 2003, The Narco News Bulletin
O texto seguinte foi o discurso dado pela juíza Maria Lúcia Karam na última sexta-feira [16/5/2003] no fórum que ocorreu no Rio de Janeiro: "Democracia, direitos humanos, guerra e narcotráfico".
Maria Lúcia Karam
Juíza de Direito aposentada, ex-Defensora Pública no Estado do Rio de Janeiro e ex-Juíza Auditora da Justiça Militar Federal. Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, da Associação Juízes para a Democracia e do Instituto Carioca de Criminologia. Professora do curso “Jurisdição e Competência”, no Mestrado em Ciências Penais da Universidade Cândido Mendes.
A política proibicionista e a ampliação do poder do Estado de punir
A globalizada opção política pelo proibicionismo faz recair o processo de criminalização sobre condutas relacionadas à produção, à distribuição e ao consumo de algumas substâncias psicoativas (como a maconha, a cocaína, a heroína, etc.), que, artificialmente diferenciadas de outras daquelas substâncias (como o álcool, o tabaco, a cafeína, etc.), recebem a qualificação de drogas ilícitas.
É neste tema onde, hoje, mais fortemente atua a enganosa publicidade que consegue anunciar e vender o sistema penal como um produto-serviço destinado a fornecer proteção e segurança, fazendo de tal instrumento, que, na realidade, é um estimulante de situações negativas e criador de maiores e mais graves conflitos, o centro de uma política supostamente destinada a conter uma exageradamente temida circulação daquelas substâncias tornadas ilícitas.
Esta política proibicionista acaba por ensejar uma perigosa intensificação do controle do Estado sobre a generalidade dos indivíduos, deixando entrever, nas formações sociais do capitalismo pós-industrial e globalizado, uma face máxima, vigilante e onipresente do Estado mínimo das pregações neoliberais.
Valendo-se do mistério e da fantasia que cercam as substâncias tornadas ilícitas, do superdimensionamento das eventuais repercussões negativas da disseminação de suas oferta e demanda, de apressadas ou falsas informações, de palavras ocas, de significado desvirtuado ou indefinido, da idéia de um “mal universal”, o Estado máximo, vigilante e onipresente atende, com as drogas qualificadas de ilícitas, à necessidade pós-moderna de criação de novos inimigos e fantasmas.
Como na Europa dos séculos XIII a XVIII, em que práticas legislativas e judiciárias de exceção e detalhados códigos permitiram a identificação e a estigmatização da bruxaria e da heresia, análoga fantasia reaviva-se na chamada pós-modernidade, para fazer de uma repressão mais rigorosa e vendida como mais eficaz, de legislações excepcionais, do abandono de princípios de um Direito minimamente garantidor, a marca das medidas penais, nas quais se centra a dominante política anunciadamente destinada a controlar a produção, a distribuição e o consumo daquelas drogas que, normativamente diferenciadas, são qualificadas de ilícitas.
A repressão às drogas qualificadas de ilícitas e a uma suposta, indefinida e indefinível “criminalidade organizada” a elas pretensamente relacionada tem sido, notadamente a partir da década de 1990, o principal pretexto para uma crescente produção de leis, que, no Brasil, como em outros países, muito se assemelham às legislações excepcionais criadas para a repressão política das ditaduras.
A legislação de exceção consagra o apelo a meios de busca de prova – como a quebra do sigilo de dados pessoais, a interceptação de comunicações telefônicas, a observação à distância, a infiltração de agentes policiais –, cuja verdadeira eficácia não é, como se anuncia, uma suposta viabilização de um controle mais eficaz da criminalidade, mas sim uma maior intervenção sobre a intimidade e a liberdade de todos os cidadãos. Ao lado destes meios invasivos do indivíduo, premia-se a delação, rompendo-se com o necessário conteúdo ético que há de orientar o processo penal ou qualquer outra atividade estatal em um Estado Democrático de Direito. O elogio e a recompensa da traição levam o Estado a exercer um papel deseducador no âmbito das relações interindividuais, ao transmitir valores, no mínimo, tão negativos quanto os que diz querer enfrentar.
A política proibicionista e a vulneração dos direitos à liberdade, à intimidade e à saúde
A violenta e perigosa política proibicionista, centrada na intervenção do sistema penal, manifesta-se de forma especialmente grave na vertente do consumo, notadamente quando se considera a criminalização – expressa ou disfarçada – da posse para uso pessoal de drogas qualificadas de ilícitas.
A criminalização da posse para uso pessoal é claramente incompatível com os postulados que devem informar os atos de governo em um Estado Democrático de Direito, seja quando se pune tal conduta com pena privativa de liberdade, seja para impor as chamadas “penas alternativas” (sanções pecuniárias ou restritivas de outros direitos), seja para impor tratamento médico. O consumidor de drogas qualificadas de ilícitas, estigmatizado como criminoso, infrator, ou doente, que deve sofrer uma pena explícita ou disfarçada em sanção administrativa, ou obrigatoriamente se submeter a tratamento médico, é indevidamente posto sob a alternativa: se é enfermo, não é livre; se é livre, é mau.
Ocorre que a simples posse de drogas para uso pessoal, ou seu consumo em circunstâncias que não envolvam um perigo concreto para terceiros, são condutas que, situando-se na esfera individual, se inserem no campo da intimidade e da vida privada.
A função geral da ordem jurídica de proteção da dignidade da pessoa, que, na ordem constitucional brasileira, surge como um dos fundamentos da República, expresso no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal, gera princípios limitadores do poder do Estado de punir, que fazem da consideração do dano social ponto de referência obrigatório para a fixação de parâmetros, na confecção de leis incriminadoras. No Estado Democrático de Direito, todo dispositivo legal criminalizador (isto é, toda regra que proíbe a realização de determinada conduta sob a ameaça de uma sanção penal) há de ter como elemento primário a ocorrência de uma lesão ou de um perigo concreto de lesão ao bem jurídico, que se pretende proteger com a proibição, bem jurídico este que delimita o campo de incidência da regra definidora da conduta criminalizada e que pode ser definido como a relação de disponibilidade de um sujeito com um objeto, identificável ao direito que o sujeito tem de dispor (isto é, de usar, de aproveitar) de certos objetos como a vida, a saúde, o patrimônio, etc. A lesão ou o perigo de lesão ao bem jurídico (isto é, sua afetação) revelam-se exatamente quando uma conduta impede ou perturba a disposição desses objetos, que, assim, necessariamente, hão de ser de titularidade de terceiros.
No Estado Democrático de Direito, cuja tônica maior encontra-se na subordinação do exercício do poder à lei, com vista a garantir os direitos e a dignidade de cada indivíduo, o bem jurídico há de sempre ser visto sob uma perspectiva pessoal. A identificação de bens jurídicos de caráter coletivo ou institucional só se admite enquanto condição de proteção de bens jurídicos individuais. A previsão dos denominados bens jurídicos de controle, que, apelando para expressões vagas, como ordem pública ou paz pública, orientam a atenção do direito penal no sentido da criminalização de condutas que atingem tão somente a mera afirmação da vontade ou da autoridade do Estado é incompatível com o Estado Democrático de Direito.
Na hipótese das drogas tornadas ilícitas, único bem jurídico reconhecível nas regras criminalizadoras é a saúde pública, como já explicitava o primitivo dispositivo do artigo 281 do Código Penal brasileiro, posteriormente substituído pela legislação especial. A saúde pública – espécie do gênero incolumidade pública – tem, como é sabido, um caráter coletivo, que é dado pela indeterminação de seus titulares. Sua afetação, como ocorre em relação a outros bens jurídicos desta natureza, só se verifica na medida da expansibilidade da lesão ou do perigo concreto de lesão a um número indeterminado de sujeitos.
Assim, enquanto houver destinação pessoal para a posse da droga e enquanto seu consumo se fizer de modo que não ultrapasse o âmbito individual, não haverá afetação da saúde pública. Ter algo para si próprio é o oposto de ter algo expansível a terceiros. Aqui se têm condutas privadas, em que ausente a concreta afetação de um bem jurídico de terceiros, condutas que como tal, não podem ser objeto de qualquer forma de criminalização.
Faz parte da liberdade, da intimidade e da vida privada a opção por fazer coisas, que pareçam para os outros – ou que até, efetivamente, sejam – erradas, “feias”, imorais ou danosas a si mesmo. A dignidade da pessoa humana, reconhecida desde as origens do Estado Democrático de Direito, impede a transformação forçada do indivíduo. Enquanto não afete direitos de terceiros, o indivíduo pode ser e fazer o que bem lhe aprouver. O que os outros – e, portanto, também o Estado – podem fazer, nestas circunstâncias, é apenas tentar mostrar ao indivíduo, que, supostamente, está se prejudicando, que seu comportamento não está sendo bom, jamais podendo, no entanto, obrigá-lo a mudar este comportamento, ainda mais através da imposição de uma pena, qualquer que seja sua natureza ou sua dimensão.
Mas, a violenta e perigosa política proibicionista não esgota sua (ir)racionalidade no ilegítimo cerceamento dos direitos à liberdade individual, à intimidade e à vida privada.
É ainda nesta mesma vertente do consumo que surge um dos mais cuidadosamente ocultados paradoxos da criminalização. A falsa imagem, produzida pelo auto-referenciado sistema em que se desenvolve a política criminalizadora de determinadas substâncias psicoativas tornadas ilícitas, impede que se perceba que a proteção da saúde pública, que estaria a fundamentar a criminalização, contraditoriamente se vê afetada por esta mesma criminalização, trazendo a proibição maiores riscos à integridade física e mental dos consumidores das substâncias proibidas. Neste ponto, basta pensar nos efeitos da clandestinidade, a impedir o controle de qualidade das substâncias produzidas e comercializadas, a favorecer a falta de higiene, a complicar a procura de assistência, esclarecimentos e informações, a gerar maiores tensões, a estigmatizar, a isolar e marginalizar.
A política proibicionista, o mercado e a violência
Na vertente da produção e da distribuição das selecionadas substâncias psicoativas, que, normativamente diferenciadas, são qualificadas de drogas ilícitas, o descompromisso da globalizada política proibicionista com dados da realidade e a manipulação de fantasias e falsas informações já aparecem na própria linguagem.
Fala-se de “narcotráfico”, sem se dar conta da desvirtuação do significado de tal palavra, da mesma forma que se fala de “crime organizado”, sem que se estabeleça – até porque não há como fazê-lo – qualquer definição, com um mínimo de cientificidade, que traduza seu conteúdo.
A expressão “tráfico”, que tem o sentido de negócio ilegal, já traz uma forte carga emocional, que a diferencia da expressão equivalente “comércio ilegal”. A partir da política de “guerra contra as drogas”, adicionou-se à expressão “tráfico”, o uso do radical da palavra inglesa narcotics, que, estando presente também em outros idiomas, permitiu, ao mesmo tempo, uma uniformização de linguagens e uma ainda maior carga emocional, referida às atividades de produção e distribuição das drogas qualificadas de ilícitas. A expressão “narcotráfico” passou, então, a ser acriticamente repetida e interiorizada, sem que se perceba – ou se queira perceber – o claro descompromisso com a realidade e com a ciência, embutido em tal distorcido e funcional uso da linguagem.
Para criar o útil e exacerbado clima emocional, passa-se, tranqüilamente, por cima do fato de que o alvo principal da política proibicionista era e continua sendo a cocaína, que, como não se pode ignorar, não é um narcótico, mas, ao contrário, evidente e conhecido estimulante. Esta generalizada e distorcida utilização da expressão “narcotráfico”, a par de sua exposta funcionalidade para a consolidação dos rumos internacionalizados da política proibicionista, serve ainda para alimentar manipuladas fantasias em torno de algo misterioso e poderoso, a ser enfrentado não importa com que meios.
Da mesma forma, surgem, instalam-se e consolidam-se, a partir da década de 1990, as expressões “crime organizado” e “criminalidade organizada”, com que se pretende dar a idéia de uma suposta espécie nova de criminalidade, dita globalizada, transnacional, poderosa, a vir ocupar o lugar de um novo “mal universal”, constantemente associado à produção e à distribuição das drogas qualificadas de ilícitas.
Tenta-se apontar características, que seriam dadas por uma estrutura empresarial ou por supostas infiltrações nos aparelhos do poder político, mas não se consegue chegar a uma definição desta supostamente pós-moderna modalidade de atuação criminalizada. Na realidade, toda conduta, criminalizada ou não, que não se limite a ser uma reação instantânea ou instintiva a determinada situação, tem um componente de organização, que se manifesta, ainda mais especialmente, quando se têm condutas que reúnem mais de uma pessoa, com uma finalidade comum, o que, ordinariamente, acontece, seja no campo das condutas lícitas, como no das ilícitas.
As expressões “criminalidade organizada” e “crime organizado” não têm, assim, nenhum significado particular. Como a expressão “narcotráfico”, têm a mesma carga emocional e assustadora que já tiveram, em outros tempos, as expressões “bruxaria” ou “heresia”. Como a expressão “narcotráfico”, apenas servem para assustar e permitir a produção de leis de exceção, aplicáveis ao que quer que se queira convencionar como sendo uma suposta manifestação de um tal imaginário fenômeno.
A substituição de amarras medievais por um mínimo de compromisso e atenção para com a realidade e com a ciência, certamente, poderia ajudar a desvendar a (ir)racionalidade da globalizada política proibicionista, nesta vertente da produção e da distribuição das substâncias psicoativas tornadas ilícitas.
Tome-se a realidade e a ciência econômica e pense-se, por exemplo, que a expansão dos mercados consumidores de drogas ilícitas, obedecendo à lógica das relações econômicas capitalistas, é fator determinante da produção, abrindo novas oportunidades de acumulação de capital e de geração de empregos e, assim, suprindo as limitadas oportunidades oferecidas pelas atividades econômicas lícitas, como já ocorreu em outras etapas do desenvolvimento capitalista. Esta lógica econômica já permite antever a inevitável ineficácia de uma política de controle fundada na intervenção do sistema penal: os empresários – grandes ou pequenos – e os empregados das empresas produtoras e distribuidoras das drogas qualificadas de ilícitas, quando presos ou eliminados, são facilmente substituíveis por outros igualmente desejosos de oportunidades de emprego ou de acumulação de capital, oportunidades que, por maior que seja a repressão, subsistirão enquanto estiverem presentes as circunstâncias socioeconômicas favorecedoras da demanda criadora e incentivadora do mercado. Onde houver demanda, haverá oferta.
Mas, pense-se também na pior conseqüência daquela variável artificial introduzida no mercado: a violência como corolário da ilegalidade. Ao tornar ilegais determinados bens e serviços, o sistema penal funciona como o real criador da criminalidade e da violência, fenômeno que se pode perceber também em relação ao jogo. Ao contrário do que se propaga, não são as drogas em si que geram criminalidade e violência, mas é o próprio fato da ilegalidade que produz e insere no mercado empresas criminalizadas – mais ou menos organizadas –, simultaneamente trazendo a violência como um subproduto necessário das atividades econômicas assim desenvolvidas.
Sendo o real criador da criminalidade e da violência relacionadas com as drogas tornadas ilícitas, através da intervenção do sistema penal sobre o mercado, o Estado máximo, vigilante e onipresente se vale destas mesmas criminalidade e violência, para, manipulando o medo e a insegurança provocados por ações reais ou imaginárias daí decorrentes, ampliar o poder punitivo e intensificar o controle sobre a generalidade dos indivíduos.
Conclusão
Se se quiser compactuar com o apelo ao medo e à insegurança, com a contemporânea histeria criada em torno da violência associada à criminalidade, já se teria um argumento decisivo a indicar o caminho da descriminalização. Bastaria olhar e seguir o exemplo da história, sempre valendo repetir que quem derrotou a violência da Chicago dos anos vinte e trinta não foram os Intocáveis de Eliot Ness – foi, tão somente, o fim da Lei Seca.
Mas, a redução da violência não chega a ser a razão maior, a indicar o caminho da descriminalização. Mais importante é lembrar da advertência de Nils Christie de que o maior perigo da criminalidade nas sociedades modernas não é o crime em si mesmo, mas sim o de que a luta contra este acabe por conduzir tais sociedades ao totalitarismo.
Esta significativa advertência deve direcionar as atenções para a necessidade de romper com a enganosamente salvadora intervenção do sistema penal, para a necessidade de romper com a revivida fantasia medieval que permite um pós-moderno sacrifício de novos hereges e bruxas, romper com o controle desmedido, manifestado através do exercício do poder do Estado de punir, romper com as visíveis ameaças a princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, embutidas nas legislações de exceção, assim efetivamente rompendo com a globalizada política proibicionista, causadora maior dos danos relacionados às drogas tornadas ilícitas.
Esta globalizada política proibicionista somente se sustenta pelo entorpecimento da razão. Somente uma razão entorpecida pode crer que a criminalização das condutas de produtores, distribuidores e consumidores de algumas dentre as inúmeras substâncias psicoativas sirva para deter uma busca de meios de alteração do psiquismo, que deita raízes na própria história da humanidade. Somente uma razão entorpecida pode admitir que, em troca de uma ilusória contenção desta busca, o próprio Estado fomente a violência, que só se faz presente nas atividades de produção e distribuição das drogas qualificadas de ilícitas, porque seu mercado é ilegal. Somente uma razão entorpecida pode autorizar que, sob este mesmo ilusório pretexto, se imponham restrições à liberdade de quem, eventualmente, queira causar um dano à sua própria saúde. Somente uma razão entorpecida pode conciliar com uma expansão do poder de punir, que, utilizando até mesmo a repressão militarizada, crescentemente desrespeita clássicos princípios garantidores, assim ameaçando os próprios fundamentos do Estado Democrático de Direito.
Liberadas dos negativos efeitos da criminalização, as drogas que, normativamente diferenciadas, são hoje qualificadas de ilícitas, certamente se mostrarão menos danosas. Eventuais excessos ou incentivos ao consumo descuidado ou descontrolado das substâncias psicoativas, quaisquer que sejam elas, devem ser objeto de medidas que, desvinculadas da nociva, contraproducente e dolorosa intervenção do sistema penal, possam resgatar o compromisso com a razão e se mostrar verdadeiramente eficazes na redução dos danos, eventualmente causáveis por um tal consumo excessivo, descuidado ou descontrolado.
Fonte: http://www.narconews.com/Issue30/artigo785.html
O texto seguinte foi o discurso dado pela juíza Maria Lúcia Karam na última sexta-feira [16/5/2003] no fórum que ocorreu no Rio de Janeiro: "Democracia, direitos humanos, guerra e narcotráfico".
Maria Lúcia Karam
Juíza de Direito aposentada, ex-Defensora Pública no Estado do Rio de Janeiro e ex-Juíza Auditora da Justiça Militar Federal. Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, da Associação Juízes para a Democracia e do Instituto Carioca de Criminologia. Professora do curso “Jurisdição e Competência”, no Mestrado em Ciências Penais da Universidade Cândido Mendes.
A política proibicionista e a ampliação do poder do Estado de punir
A globalizada opção política pelo proibicionismo faz recair o processo de criminalização sobre condutas relacionadas à produção, à distribuição e ao consumo de algumas substâncias psicoativas (como a maconha, a cocaína, a heroína, etc.), que, artificialmente diferenciadas de outras daquelas substâncias (como o álcool, o tabaco, a cafeína, etc.), recebem a qualificação de drogas ilícitas.
É neste tema onde, hoje, mais fortemente atua a enganosa publicidade que consegue anunciar e vender o sistema penal como um produto-serviço destinado a fornecer proteção e segurança, fazendo de tal instrumento, que, na realidade, é um estimulante de situações negativas e criador de maiores e mais graves conflitos, o centro de uma política supostamente destinada a conter uma exageradamente temida circulação daquelas substâncias tornadas ilícitas.
Esta política proibicionista acaba por ensejar uma perigosa intensificação do controle do Estado sobre a generalidade dos indivíduos, deixando entrever, nas formações sociais do capitalismo pós-industrial e globalizado, uma face máxima, vigilante e onipresente do Estado mínimo das pregações neoliberais.
Valendo-se do mistério e da fantasia que cercam as substâncias tornadas ilícitas, do superdimensionamento das eventuais repercussões negativas da disseminação de suas oferta e demanda, de apressadas ou falsas informações, de palavras ocas, de significado desvirtuado ou indefinido, da idéia de um “mal universal”, o Estado máximo, vigilante e onipresente atende, com as drogas qualificadas de ilícitas, à necessidade pós-moderna de criação de novos inimigos e fantasmas.
Como na Europa dos séculos XIII a XVIII, em que práticas legislativas e judiciárias de exceção e detalhados códigos permitiram a identificação e a estigmatização da bruxaria e da heresia, análoga fantasia reaviva-se na chamada pós-modernidade, para fazer de uma repressão mais rigorosa e vendida como mais eficaz, de legislações excepcionais, do abandono de princípios de um Direito minimamente garantidor, a marca das medidas penais, nas quais se centra a dominante política anunciadamente destinada a controlar a produção, a distribuição e o consumo daquelas drogas que, normativamente diferenciadas, são qualificadas de ilícitas.
A repressão às drogas qualificadas de ilícitas e a uma suposta, indefinida e indefinível “criminalidade organizada” a elas pretensamente relacionada tem sido, notadamente a partir da década de 1990, o principal pretexto para uma crescente produção de leis, que, no Brasil, como em outros países, muito se assemelham às legislações excepcionais criadas para a repressão política das ditaduras.
A legislação de exceção consagra o apelo a meios de busca de prova – como a quebra do sigilo de dados pessoais, a interceptação de comunicações telefônicas, a observação à distância, a infiltração de agentes policiais –, cuja verdadeira eficácia não é, como se anuncia, uma suposta viabilização de um controle mais eficaz da criminalidade, mas sim uma maior intervenção sobre a intimidade e a liberdade de todos os cidadãos. Ao lado destes meios invasivos do indivíduo, premia-se a delação, rompendo-se com o necessário conteúdo ético que há de orientar o processo penal ou qualquer outra atividade estatal em um Estado Democrático de Direito. O elogio e a recompensa da traição levam o Estado a exercer um papel deseducador no âmbito das relações interindividuais, ao transmitir valores, no mínimo, tão negativos quanto os que diz querer enfrentar.
A política proibicionista e a vulneração dos direitos à liberdade, à intimidade e à saúde
A violenta e perigosa política proibicionista, centrada na intervenção do sistema penal, manifesta-se de forma especialmente grave na vertente do consumo, notadamente quando se considera a criminalização – expressa ou disfarçada – da posse para uso pessoal de drogas qualificadas de ilícitas.
A criminalização da posse para uso pessoal é claramente incompatível com os postulados que devem informar os atos de governo em um Estado Democrático de Direito, seja quando se pune tal conduta com pena privativa de liberdade, seja para impor as chamadas “penas alternativas” (sanções pecuniárias ou restritivas de outros direitos), seja para impor tratamento médico. O consumidor de drogas qualificadas de ilícitas, estigmatizado como criminoso, infrator, ou doente, que deve sofrer uma pena explícita ou disfarçada em sanção administrativa, ou obrigatoriamente se submeter a tratamento médico, é indevidamente posto sob a alternativa: se é enfermo, não é livre; se é livre, é mau.
Ocorre que a simples posse de drogas para uso pessoal, ou seu consumo em circunstâncias que não envolvam um perigo concreto para terceiros, são condutas que, situando-se na esfera individual, se inserem no campo da intimidade e da vida privada.
A função geral da ordem jurídica de proteção da dignidade da pessoa, que, na ordem constitucional brasileira, surge como um dos fundamentos da República, expresso no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal, gera princípios limitadores do poder do Estado de punir, que fazem da consideração do dano social ponto de referência obrigatório para a fixação de parâmetros, na confecção de leis incriminadoras. No Estado Democrático de Direito, todo dispositivo legal criminalizador (isto é, toda regra que proíbe a realização de determinada conduta sob a ameaça de uma sanção penal) há de ter como elemento primário a ocorrência de uma lesão ou de um perigo concreto de lesão ao bem jurídico, que se pretende proteger com a proibição, bem jurídico este que delimita o campo de incidência da regra definidora da conduta criminalizada e que pode ser definido como a relação de disponibilidade de um sujeito com um objeto, identificável ao direito que o sujeito tem de dispor (isto é, de usar, de aproveitar) de certos objetos como a vida, a saúde, o patrimônio, etc. A lesão ou o perigo de lesão ao bem jurídico (isto é, sua afetação) revelam-se exatamente quando uma conduta impede ou perturba a disposição desses objetos, que, assim, necessariamente, hão de ser de titularidade de terceiros.
No Estado Democrático de Direito, cuja tônica maior encontra-se na subordinação do exercício do poder à lei, com vista a garantir os direitos e a dignidade de cada indivíduo, o bem jurídico há de sempre ser visto sob uma perspectiva pessoal. A identificação de bens jurídicos de caráter coletivo ou institucional só se admite enquanto condição de proteção de bens jurídicos individuais. A previsão dos denominados bens jurídicos de controle, que, apelando para expressões vagas, como ordem pública ou paz pública, orientam a atenção do direito penal no sentido da criminalização de condutas que atingem tão somente a mera afirmação da vontade ou da autoridade do Estado é incompatível com o Estado Democrático de Direito.
Na hipótese das drogas tornadas ilícitas, único bem jurídico reconhecível nas regras criminalizadoras é a saúde pública, como já explicitava o primitivo dispositivo do artigo 281 do Código Penal brasileiro, posteriormente substituído pela legislação especial. A saúde pública – espécie do gênero incolumidade pública – tem, como é sabido, um caráter coletivo, que é dado pela indeterminação de seus titulares. Sua afetação, como ocorre em relação a outros bens jurídicos desta natureza, só se verifica na medida da expansibilidade da lesão ou do perigo concreto de lesão a um número indeterminado de sujeitos.
Assim, enquanto houver destinação pessoal para a posse da droga e enquanto seu consumo se fizer de modo que não ultrapasse o âmbito individual, não haverá afetação da saúde pública. Ter algo para si próprio é o oposto de ter algo expansível a terceiros. Aqui se têm condutas privadas, em que ausente a concreta afetação de um bem jurídico de terceiros, condutas que como tal, não podem ser objeto de qualquer forma de criminalização.
Faz parte da liberdade, da intimidade e da vida privada a opção por fazer coisas, que pareçam para os outros – ou que até, efetivamente, sejam – erradas, “feias”, imorais ou danosas a si mesmo. A dignidade da pessoa humana, reconhecida desde as origens do Estado Democrático de Direito, impede a transformação forçada do indivíduo. Enquanto não afete direitos de terceiros, o indivíduo pode ser e fazer o que bem lhe aprouver. O que os outros – e, portanto, também o Estado – podem fazer, nestas circunstâncias, é apenas tentar mostrar ao indivíduo, que, supostamente, está se prejudicando, que seu comportamento não está sendo bom, jamais podendo, no entanto, obrigá-lo a mudar este comportamento, ainda mais através da imposição de uma pena, qualquer que seja sua natureza ou sua dimensão.
Mas, a violenta e perigosa política proibicionista não esgota sua (ir)racionalidade no ilegítimo cerceamento dos direitos à liberdade individual, à intimidade e à vida privada.
É ainda nesta mesma vertente do consumo que surge um dos mais cuidadosamente ocultados paradoxos da criminalização. A falsa imagem, produzida pelo auto-referenciado sistema em que se desenvolve a política criminalizadora de determinadas substâncias psicoativas tornadas ilícitas, impede que se perceba que a proteção da saúde pública, que estaria a fundamentar a criminalização, contraditoriamente se vê afetada por esta mesma criminalização, trazendo a proibição maiores riscos à integridade física e mental dos consumidores das substâncias proibidas. Neste ponto, basta pensar nos efeitos da clandestinidade, a impedir o controle de qualidade das substâncias produzidas e comercializadas, a favorecer a falta de higiene, a complicar a procura de assistência, esclarecimentos e informações, a gerar maiores tensões, a estigmatizar, a isolar e marginalizar.
A política proibicionista, o mercado e a violência
Na vertente da produção e da distribuição das selecionadas substâncias psicoativas, que, normativamente diferenciadas, são qualificadas de drogas ilícitas, o descompromisso da globalizada política proibicionista com dados da realidade e a manipulação de fantasias e falsas informações já aparecem na própria linguagem.
Fala-se de “narcotráfico”, sem se dar conta da desvirtuação do significado de tal palavra, da mesma forma que se fala de “crime organizado”, sem que se estabeleça – até porque não há como fazê-lo – qualquer definição, com um mínimo de cientificidade, que traduza seu conteúdo.
A expressão “tráfico”, que tem o sentido de negócio ilegal, já traz uma forte carga emocional, que a diferencia da expressão equivalente “comércio ilegal”. A partir da política de “guerra contra as drogas”, adicionou-se à expressão “tráfico”, o uso do radical da palavra inglesa narcotics, que, estando presente também em outros idiomas, permitiu, ao mesmo tempo, uma uniformização de linguagens e uma ainda maior carga emocional, referida às atividades de produção e distribuição das drogas qualificadas de ilícitas. A expressão “narcotráfico” passou, então, a ser acriticamente repetida e interiorizada, sem que se perceba – ou se queira perceber – o claro descompromisso com a realidade e com a ciência, embutido em tal distorcido e funcional uso da linguagem.
Para criar o útil e exacerbado clima emocional, passa-se, tranqüilamente, por cima do fato de que o alvo principal da política proibicionista era e continua sendo a cocaína, que, como não se pode ignorar, não é um narcótico, mas, ao contrário, evidente e conhecido estimulante. Esta generalizada e distorcida utilização da expressão “narcotráfico”, a par de sua exposta funcionalidade para a consolidação dos rumos internacionalizados da política proibicionista, serve ainda para alimentar manipuladas fantasias em torno de algo misterioso e poderoso, a ser enfrentado não importa com que meios.
Da mesma forma, surgem, instalam-se e consolidam-se, a partir da década de 1990, as expressões “crime organizado” e “criminalidade organizada”, com que se pretende dar a idéia de uma suposta espécie nova de criminalidade, dita globalizada, transnacional, poderosa, a vir ocupar o lugar de um novo “mal universal”, constantemente associado à produção e à distribuição das drogas qualificadas de ilícitas.
Tenta-se apontar características, que seriam dadas por uma estrutura empresarial ou por supostas infiltrações nos aparelhos do poder político, mas não se consegue chegar a uma definição desta supostamente pós-moderna modalidade de atuação criminalizada. Na realidade, toda conduta, criminalizada ou não, que não se limite a ser uma reação instantânea ou instintiva a determinada situação, tem um componente de organização, que se manifesta, ainda mais especialmente, quando se têm condutas que reúnem mais de uma pessoa, com uma finalidade comum, o que, ordinariamente, acontece, seja no campo das condutas lícitas, como no das ilícitas.
As expressões “criminalidade organizada” e “crime organizado” não têm, assim, nenhum significado particular. Como a expressão “narcotráfico”, têm a mesma carga emocional e assustadora que já tiveram, em outros tempos, as expressões “bruxaria” ou “heresia”. Como a expressão “narcotráfico”, apenas servem para assustar e permitir a produção de leis de exceção, aplicáveis ao que quer que se queira convencionar como sendo uma suposta manifestação de um tal imaginário fenômeno.
A substituição de amarras medievais por um mínimo de compromisso e atenção para com a realidade e com a ciência, certamente, poderia ajudar a desvendar a (ir)racionalidade da globalizada política proibicionista, nesta vertente da produção e da distribuição das substâncias psicoativas tornadas ilícitas.
Tome-se a realidade e a ciência econômica e pense-se, por exemplo, que a expansão dos mercados consumidores de drogas ilícitas, obedecendo à lógica das relações econômicas capitalistas, é fator determinante da produção, abrindo novas oportunidades de acumulação de capital e de geração de empregos e, assim, suprindo as limitadas oportunidades oferecidas pelas atividades econômicas lícitas, como já ocorreu em outras etapas do desenvolvimento capitalista. Esta lógica econômica já permite antever a inevitável ineficácia de uma política de controle fundada na intervenção do sistema penal: os empresários – grandes ou pequenos – e os empregados das empresas produtoras e distribuidoras das drogas qualificadas de ilícitas, quando presos ou eliminados, são facilmente substituíveis por outros igualmente desejosos de oportunidades de emprego ou de acumulação de capital, oportunidades que, por maior que seja a repressão, subsistirão enquanto estiverem presentes as circunstâncias socioeconômicas favorecedoras da demanda criadora e incentivadora do mercado. Onde houver demanda, haverá oferta.
Mas, pense-se também na pior conseqüência daquela variável artificial introduzida no mercado: a violência como corolário da ilegalidade. Ao tornar ilegais determinados bens e serviços, o sistema penal funciona como o real criador da criminalidade e da violência, fenômeno que se pode perceber também em relação ao jogo. Ao contrário do que se propaga, não são as drogas em si que geram criminalidade e violência, mas é o próprio fato da ilegalidade que produz e insere no mercado empresas criminalizadas – mais ou menos organizadas –, simultaneamente trazendo a violência como um subproduto necessário das atividades econômicas assim desenvolvidas.
Sendo o real criador da criminalidade e da violência relacionadas com as drogas tornadas ilícitas, através da intervenção do sistema penal sobre o mercado, o Estado máximo, vigilante e onipresente se vale destas mesmas criminalidade e violência, para, manipulando o medo e a insegurança provocados por ações reais ou imaginárias daí decorrentes, ampliar o poder punitivo e intensificar o controle sobre a generalidade dos indivíduos.
Conclusão
Se se quiser compactuar com o apelo ao medo e à insegurança, com a contemporânea histeria criada em torno da violência associada à criminalidade, já se teria um argumento decisivo a indicar o caminho da descriminalização. Bastaria olhar e seguir o exemplo da história, sempre valendo repetir que quem derrotou a violência da Chicago dos anos vinte e trinta não foram os Intocáveis de Eliot Ness – foi, tão somente, o fim da Lei Seca.
Mas, a redução da violência não chega a ser a razão maior, a indicar o caminho da descriminalização. Mais importante é lembrar da advertência de Nils Christie de que o maior perigo da criminalidade nas sociedades modernas não é o crime em si mesmo, mas sim o de que a luta contra este acabe por conduzir tais sociedades ao totalitarismo.
Esta significativa advertência deve direcionar as atenções para a necessidade de romper com a enganosamente salvadora intervenção do sistema penal, para a necessidade de romper com a revivida fantasia medieval que permite um pós-moderno sacrifício de novos hereges e bruxas, romper com o controle desmedido, manifestado através do exercício do poder do Estado de punir, romper com as visíveis ameaças a princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, embutidas nas legislações de exceção, assim efetivamente rompendo com a globalizada política proibicionista, causadora maior dos danos relacionados às drogas tornadas ilícitas.
Esta globalizada política proibicionista somente se sustenta pelo entorpecimento da razão. Somente uma razão entorpecida pode crer que a criminalização das condutas de produtores, distribuidores e consumidores de algumas dentre as inúmeras substâncias psicoativas sirva para deter uma busca de meios de alteração do psiquismo, que deita raízes na própria história da humanidade. Somente uma razão entorpecida pode admitir que, em troca de uma ilusória contenção desta busca, o próprio Estado fomente a violência, que só se faz presente nas atividades de produção e distribuição das drogas qualificadas de ilícitas, porque seu mercado é ilegal. Somente uma razão entorpecida pode autorizar que, sob este mesmo ilusório pretexto, se imponham restrições à liberdade de quem, eventualmente, queira causar um dano à sua própria saúde. Somente uma razão entorpecida pode conciliar com uma expansão do poder de punir, que, utilizando até mesmo a repressão militarizada, crescentemente desrespeita clássicos princípios garantidores, assim ameaçando os próprios fundamentos do Estado Democrático de Direito.
Liberadas dos negativos efeitos da criminalização, as drogas que, normativamente diferenciadas, são hoje qualificadas de ilícitas, certamente se mostrarão menos danosas. Eventuais excessos ou incentivos ao consumo descuidado ou descontrolado das substâncias psicoativas, quaisquer que sejam elas, devem ser objeto de medidas que, desvinculadas da nociva, contraproducente e dolorosa intervenção do sistema penal, possam resgatar o compromisso com a razão e se mostrar verdadeiramente eficazes na redução dos danos, eventualmente causáveis por um tal consumo excessivo, descuidado ou descontrolado.
Fonte: http://www.narconews.com/Issue30/artigo785.html
quinta-feira, 15 de maio de 2003
Inventor propõe uso de planta da maconha em habitações
15 de maio de 2003, BBC Brasil
Casas feitas com uma fibra retirada da planta Cannabis sativa, a mesma da qual é extraída a maconha, podem resolver o problema habitacional na África do Sul, segundo o inventor sul-africano Andre du Plessis.
"Decidi me concentrar nos maiores problemas da África do Sul: terra e moradia", disse o inventor.
Du Plessis conta que teve a idéia de pesquisar o uso da planta como material de construção na época em que estava desempregado.
Na África do Sul, milhões de pessoas vivem em favelas, com péssimas condições de moradia, e poderiam se beneficiar da solução.
Barato
Segundo du Plessis, casas de cânhamo (como é chamada a planta) poderiam solucionar a crise da habitação na África do Sul por serem bem mais resistentes e baratas do que as construídas com materiais convencionais.
Du Plessis conta já ter construído um protótipo com 50 centímetros de altura. "Por enquanto, ainda não obtive os recursos para construir um modelo de tamanho normal", diz o inventor.
Desde que du Plessis começou a alardear as vantagens das casas de cânhamo, muitas pessoas começaram a dizer, em tom de brincadeira, que se uma de suas moradias pegasse fogo haveria mais pessoas correndo em direção às chamas do que fugindo delas.
Mas du Plessis disse em entrevista à BBC que se uma dessas casas pegasse fogo, a fumaça que ela liberaria não teria o efeito provocado pela maconha. Por isso, não haveria também porquê alguém arrancar pedaços da casa para fumá-los.
De acordo com o inventor, a fibra extraída da planta de Cannabis seria misturada com areia e com limão.
"É um material que parece cimento – cuja cor oscila entre o cinza e o marrom." Ele acrescenta ainda que os componentes da casa também não teriam cheiro de maconha.
Frustração
De acordo com du Plessis, o cimento feito de cânhamo é seis vezes mais resistente e barato do que o convencional.
Mas ele conta que o governo sul-africano não se interessou pela idéia. O inventor disse que mandou entre 30 e 40 cartas propondo o projeto, mas autoridades sul-africanas o rejeitaram.
"É frustrante quando você propõe alguma coisa que só pode vir a ajudar a África do Sul. Não estou fazendo isso visando a um lucro pessoal."
Du Plessis argumenta ainda que as novas construções gerariam diversos empregos, graças às plantações de Cannabis e de limão e dos vários carregamentos de areia que seriam empregados.
O custo aproximado, conta ele, seria de aproximadamente 15 mil rand (cerca de R$ 6 mil) para cada moradia de 82 m2.
Fonte: http://www.bbc.co.uk/portuguese/ciencia/030514_casacannabis1bg.shtml
Casas feitas com uma fibra retirada da planta Cannabis sativa, a mesma da qual é extraída a maconha, podem resolver o problema habitacional na África do Sul, segundo o inventor sul-africano Andre du Plessis.
"Decidi me concentrar nos maiores problemas da África do Sul: terra e moradia", disse o inventor.
Du Plessis conta que teve a idéia de pesquisar o uso da planta como material de construção na época em que estava desempregado.
Na África do Sul, milhões de pessoas vivem em favelas, com péssimas condições de moradia, e poderiam se beneficiar da solução.
Barato
Segundo du Plessis, casas de cânhamo (como é chamada a planta) poderiam solucionar a crise da habitação na África do Sul por serem bem mais resistentes e baratas do que as construídas com materiais convencionais.
Du Plessis conta já ter construído um protótipo com 50 centímetros de altura. "Por enquanto, ainda não obtive os recursos para construir um modelo de tamanho normal", diz o inventor.
Desde que du Plessis começou a alardear as vantagens das casas de cânhamo, muitas pessoas começaram a dizer, em tom de brincadeira, que se uma de suas moradias pegasse fogo haveria mais pessoas correndo em direção às chamas do que fugindo delas.
Mas du Plessis disse em entrevista à BBC que se uma dessas casas pegasse fogo, a fumaça que ela liberaria não teria o efeito provocado pela maconha. Por isso, não haveria também porquê alguém arrancar pedaços da casa para fumá-los.
De acordo com o inventor, a fibra extraída da planta de Cannabis seria misturada com areia e com limão.
"É um material que parece cimento – cuja cor oscila entre o cinza e o marrom." Ele acrescenta ainda que os componentes da casa também não teriam cheiro de maconha.
Frustração
De acordo com du Plessis, o cimento feito de cânhamo é seis vezes mais resistente e barato do que o convencional.
Mas ele conta que o governo sul-africano não se interessou pela idéia. O inventor disse que mandou entre 30 e 40 cartas propondo o projeto, mas autoridades sul-africanas o rejeitaram.
"É frustrante quando você propõe alguma coisa que só pode vir a ajudar a África do Sul. Não estou fazendo isso visando a um lucro pessoal."
Du Plessis argumenta ainda que as novas construções gerariam diversos empregos, graças às plantações de Cannabis e de limão e dos vários carregamentos de areia que seriam empregados.
O custo aproximado, conta ele, seria de aproximadamente 15 mil rand (cerca de R$ 6 mil) para cada moradia de 82 m2.
Fonte: http://www.bbc.co.uk/portuguese/ciencia/030514_casacannabis1bg.shtml
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