quarta-feira, 25 de março de 1998

Descriminalização, prevenção e cura

25 de março de 1998, ISTOÉ

A juíza carioca da Justiça Militar, Maria Lúcia Karam, 48 anos, esteve em São Paulo para participar da 9ª Conferência Internacional sobre a Redução de Danos Causados pelas Drogas. Tem como credenciais treze anos de atuação em Varas Criminais e da Família no Rio de Janeiro. Defende a total descriminalização do porte, uso e comércio de drogas. Na quinta-feira, 19, falou com ISTOÉ:

ISTOÉ – Por que a senhora defende a descriminalização das drogas?

Maria Lúcia – A proibição do consumo fere o princípio constitucional da liberdade individual. A liberdade individual implica o próprio direito de uma pessoa fazer mal a si mesma.

ISTOÉ – Um adolescente de 13 anos que use drogas sabe o que é autodestrutivo ou não para ele?

Maria Lúcia – Sim.

ISTOÉ – A proibição é o melhor controle?

Maria Lúcia – É um controle perverso. A ilegalidade traz violência e corrupção.

ISTOÉ – Se liberar, como seria a comercialização?

Maria Lúcia – Regulada pelo mercado e sujeita à livre concorrência. A quantidade e os locais de venda é que teriam de ser limitados, e a propaganda, proibida. Isso já deveria acontecer com o álcool e o tabaco. O Ronaldinho anunciando “a número um” não dá, né?

ISTOÉ – A descriminação vale para maconha, cocaína, crack, heroína, etc.?

Maria Lúcia – Todas devem ser liberadas porque o problema não é a droga em si, mas a relação do indivíduo com ela. Pode-se usar drogas recreativamente ou não.

ISTOÉ – A senhora não acha que a questão das drogas extrapola o controle sobre o próprio corpo?

Maria Lúcia – Descontrolar-se faz parte da liberdade. Só que se o descontrole faz alguém buscar as drogas, esse alguém deve ser tratado. Não adianta prender ou internar. Tem de tratar a origem do descontrole.

Um kit básico com seringa descartável, água destilada, hipoclorito de sódio (água sanitária), algodão embebido em água e recipiente para diluição vai ser distribuído a usuários de drogas injetáveis do Estado de São Paulo num programa de prevenção à AIDS. Isso garante material esterilizado, sem o risco de contaminação. A nova lei foi regulamentada no sábado, 14, um dia antes da abertura da conferência da qual Maria Lúcia participou juntamente com 800 especialistas de 50 países. O custo para o Estado de um dependente dentro de um programa de troca de seringas é de US$ 150 por ano. Um doente de AIDS custa entre US$ 12 mil e US$ 25 mil anualmente.

Wilson Roberto Gonzaga da Costa (diplomado pela Universidade de São Paulo) é psiquiatra há duas décadas. Ele acredita que o chá de ayahuasca, popularizado pela seita do Santo Daime, ajuda o dependente a livrar-se das drogas. Costa tomou contato com o chá há 16 anos e desde então o toma regularmente, sempre num contexto ritualístico. Afirma que nesses anos viu muitas pessoas mudarem suas vidas devido ao uso do chá e acredita que ele tem o "poder de cura". Na última semana o Conselho Federal de Medicina ameaçou cassar o registro de Costa caso fossem confirmadas as notícias de que ele estaria usando o Daime para tratar mendigos do centro de São Paulo. "Apenas faço um trabalho social com mendigos do bairro de Santa Cecília. Não se trata de um tratamento", diz ele.

ISTOÉ – O Daime cura dependentes?

Wilson Costa – Cura. Não tenho dúvidas sobre isso. No Peru existe um centro de tratamento de usuários de drogas que utiliza o chá de ayahuasca com essa finalidade.

ISTOÉ – No Brasil o chá só é liberado para uso religioso. O senhor está tratando dependentes com o chá?

Wilson Costa – Eu não estou fazendo um tratamento. O chá não pode ser usado fora de um contexto ritualístico. E eu sou um médico e respeito os princípios éticos da minha profissão.

Fonte: http://www.terra.com.br/istoe/semana/148610f.htm
 

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